“Acho que mais rapidamente regressamos à Lua do que vamos a Marte. Não considero que seja uma coisa má. Aliás, se olharmos para a corrida ao Pólo Norte, no início do século XX, passou-se há quase cem anos atrás e as pessoas continuaram a ir lá, mas não houve um centro de investigação durante 50 anos. É certo que são duas coisas completamente diferentes. Ainda assim, não é algo incomum ir algures, fazer um reconhecimento e aprender algo tal como fizemos com as missão Apolo. Por isso, penso que a Lua acabaria por ficar mais próxima. Não só em tempo (dia e meio) contra os (no mínimo) seis meses até Marte, mas também a comunicação com a base, algo que um astronauta precisa, pois é uma equipa inteira a tomar conta de ti. Para mim, ir à Lua não nos vai atrasar [a chegada a Marte], só vai fazer com que nós lá cheguemos mais depressa”.
Vestido com vistoso casaco azul da NASA “porque não me deixaram trazer o espacial”, Mike Massimino subiu ao palco QA [Perguntas e Respostas] da Web Summit, bem-humorado, para falar de sonhos. Daqueles que parecem não ter limites — para a esmagadora maioria, vá.
“Enquanto estive na NASA trabalhei com físicos, pilotos da Força Aérea, SEALS nos escritórios, militares, um geólogo — que estava à procura de óleo com a Exxon antes de se tornar astronauta —, mas também voei no espaço com um oceanógrafo e com um veterinário. Foi com uma variedade de profissões. Portanto diria que se há alguém interessado em tornar-se um astronauta, deveria estudar na área das STEM [acrónimo em inglês de Science, Technology, Engineering, and Math, e que engloba os cursos relacionados com ciência, tecnologia, engenharia e matemática], completar a educação, candidatar-se aos concursos da NASA, da Agência Nacional Europeia e não desistir. Eu próprio só fui escolhido à quarta tentativa. É muito raro alguém ser escolhido logo à primeira. E a persistência é igualmente importante.”
E descrever a vida no Espaço? Será que existe alguma coisa ou experiência que se tenha passado durante quase duas décadas a trabalhar para a NASA, mas que o apelativo orador ainda não tenha partilhado em público? Mesmo depois de se dar imensas palestras, escrever bestsellers e aparecer num episódio da série A Teoria do Big Bang? Sim, há.
“Há uma coisa que nós astronautas chamamos de ‘cheiro do espaço’. Quando eu era novo [na profissão], houve um briefing depois de um dos voos; quem lá estava também era o Sergei Krikalev, um grande cosmonauta [que até 2015 tinha o recorde de mais tempo passado no espaço numa só missão, que durou 805 dias], que comentou que sentiu o mesmo odor na câmara de vácuo do que num voo anterior. Será que pode ser assim que o espaço cheira, a um odor metálico? Agora a questão que se coloca é: o que será realmente aquilo? Porque não conseguimos cheirar o espaço! Devido ao vácuo, não podemos abrir a porta, se não estaríamos mortos antes de pensarmos seja o que for! Portanto, será realmente àquilo que o espaço cheira? No entanto, há outra hipótese: a desgasificação do metal. Temos muito metal nas nossas ferramentas e a própria câmara de vácuo também — assim como as coisas se desgaseificam. É um pouco como as ferramentas novas que vêm das lojas de ferragens. Inicialmente também têm o seu cheiro, mas depois este dissipa-se. Portanto: ou é uma coisa ou outra. Mas eu cá quero acreditar que é o cheiro do espaço”.
Marciano a tempo inteiro? “Eu? Não! Gosto demasiado da Terra”
Elon Musk quer ser marciano a tempo inteiro. E Massimino? “Eu? Não! Gosto demasiado da Terra. Não quero ir nessas viagens com bilhete só de ida. E não quereria ir para o espaço com alguém que o quisesse!", começou por explicar.
"A questão é: porque é que não queres tu voltar? Eu trabalhava para o governo dos Estados Unidos, para a NASA. Eu não sei se vocês sabem, mas eles são altamente burocráticos e precisos em tudo o que fazem. E quando me estava a preparar para ir para o espaço pela primeira vez, tinha novamente tudo minuciosamente detalhado. No documento estava explícito: De Kennedy Space Florida para a Órbita terrestre baixa e regresso. Fiquei realmente feliz por ver e regresso. O Governo fazia intenção que voltasse. De qualquer das formas, para mim — e acredito que também para muita gente — haja uma vontade de voltar. Mas lá está, eu sou de uma geração diferente. Talvez vocês, mais novos, no futuro, já só queiram sair da Terra. Já eu, preferia que não fosse um bilhete só de ida”.
A conversa andou sempre à volta de Marte. Se era possível colonizar nas próximas décadas, se vai demorar até termos a tecnologia própria para lá chegar, se os filmes de ficção científica se estão aproximar da realidade ou não.
“O Marciano [2015, Ridley Scott] não é um filme real. Quero dizer, era é filme, mas não é uma história verídica. Nem documentário é. É um filme faz-de-conta! No entanto, o Matt Damon é um astronauta muuuuito fixe! Só que as pessoas ao ver, por exemplo, o [filme] Odisseia no Espaço [1968, Stanley Kubrick] pensavam que em 2001 estaríamos a voar na órbitra de Júpiter. Não parecia forçado, foi uma história do século passado, de há 50 anos. Agora, nem sabemos se vamos ser capazes de fazer isso. Às vezes as coisas são apenas mais difíceis do que estamos à espera”.
E do que mais sente falta? “Ver a nossa Terra durante uma caminhada espacial. É incrível. E adorava vê-la novamente. A oportunidade ver novamente toda a beleza do nosso planeta e do nosso lugar no sistema solar, ver o contraste entre o dia e a noite… Ver a linha entre a noite e dia, ver o movimento de tudo isto e fazer parte disto tudo”.
Mike Massimino é o exemplo para qualquer empresa: insiste, não desiste e arrisca
Arriscar, insistir e não desistir são características reconhecidas no astronauta e que são precisas numa startup. Foi esse o mote que levou Massimino ao palco Startup University, a primeira palestra em que participou nesta edição da Web Summit, para falar sobre risco.
E ninguém melhor para falar do tema do que um astronauta que teve duas missões ligadas ao telescópio Hubble, duas missões muito específicas em que, caso haja algum problema com a nave espacial, não há nenhum sítio para ficar a não ser a própria nave com um tempo de suporte de vida contado, em contraponto com, por exemplo, as missões à estação espacial.
O tema sobe de tom quando Massimino conta que integrou a missão espacial A STS-125 Atlantis, em maio de 2009, a primeira depois do acidente com o Columbia, em que morreram sete astronautas, três deles seus colegas de curso.
Foi o risco das suas missões, a insistência e persistência na luta pelo sonho de trabalhar na NASA que fizeram de Massimino o orador ideal para falar às startups e dizer-lhes: “Aquilo que fazem vale a pena? Se a resposta é sim, então façam-no”.
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