Fez todas as figuras, à escala real, do museu do Futebol Clube do Porto, as montras da Livraria Lello e os moldes da grande escultura atrás do Hospital de São João. Agora, o OPO'lab está a produzir viseiras hospitalares para entregar gratuitamente e já está a trabalhar em válvulas que vão permitir que um ventilador seja utilizado por oito ou nove pacientes em vez de um.
O OPO'lab é um centro multidisciplinar dedicado a pensar e a explorar o uso criativo das novas tecnologias em áreas como a arquitetura, a construção ou o design. Com a chegada da pandemia, canalizou uma boa parte do seu esforço para ajudar a ultrapassar a crise Covid-19. O seu CEO, João Feyo, conta ao SAPO 24 o que estão a fazer.
"Fomos o primeiro laboratório de fabricação em Portugal, estamos a trabalhar desde 2010, e temos um espaço com máquinas de corte a laser, corte de controlo numérico, impressoras 3D e uma série de outros equipamentos. Geralmente, trabalhamos para empresas, universidades e pessoas que estão a fazer protótipos e não podem recorrer à indústria para lhes produzir uma peça única a ver se funciona, porque ninguém vai parar a produção de 800 mil peças para fazer isso. Nós fazemos, é esse o nosso nicho de mercado", explica.
Estamos no topo de vendas para todo o mundo, e o objetivo é permitir que universidades, escolas ou hotéis possam transformar o plástico em objetos de uso diário
Mas o OPO'lab é muito mais do que isso e tem diversos projetos paralelos. Entre eles, o Precious Plastic Portugal, que faz máquinas de reciclagem de plástico: "Estamos no topo de vendas para todo o mundo, e o objetivo é permitir que universidades, escolas ou hotéis possam transformar o plástico em objetos de uso diário", diz João Feyo. E há mais: "Fazemos hortas urbanas, tudo em madeira, para as pessoas terem em casa", além de termos um espaço de coworking de 2 mil metros quadrados, cerca de 40 pessoas, "agora encerrado por questões de segurança".
Ainda assim, nunca estão parados. Há um mês, João Feyo juntou-se ao Project Open Air, uma plataforma internacional criada por João Nascimento, que junta especialistas de todo o mundo em áreas que vão da medicina à computação. O objectivo é buscar soluções rápidas nas diversas valências para colmatar falhas nos países a braços com a pandemia e desenvolver produtos para usar no terreno.
"A certa altura, a plataforma começou a ser um pouco confusa, porque não estava a conseguir coordenar a quantidade de pessoas que entrou de repente. Então decidimos que, de alguma forma, teríamos de perceber o que estava a fazer falta à linha da frente de profissionais" de saúde, diz o CEO do OPO'lab. Afinal, "seria lógico que o que estava a acontecer em Itália ou em Espanha viesse a acontecer também Portugal e, portanto, queríamos estar precavidos".
Foi na procura do que estava a ser feito que contactaram um dos seus fornecedores, a Prusa, uma empresa que produz impressoras 3D e que estava a desenvolver uma viseira que, de forma gratuita, disponibilizou na plataforma. "Fizemos testes e percebemos que conseguíamos reduzir o tempo da impressão, que era em média de quatro horas, redesenhando ligeiramente o modelo. Começámos a produzir rapidamente e foi um boom, desatámos a receber pedidos logo que demos conhecimento do que estávamos a fazer nas redes sociais. Para ter uma ideia, conseguimos atingir 134 mil pessoas em poucos dias", conta o responsável. "Este é um movimento brutal, e só Portugal tem cerca de 5 mil makers a trabalhar noite e dia para ajudar".
A quantidade de pedidos trouxe a necessidade de acelerar o processo de produção, que permitia apenas produzir cerca de 100 viseiras por dia. "Como temos mais tecnologias no laboratório, decidimos explorar outras vias: começámos a fazer todo o processo através do corta-laser e passamos a fazer viseiras em acrílico e em PETG. Neste momento conseguimos aumentar a produção, estamos a fazer entre 300 a 400 viseiras por dia".
Muitas empresas voluntariaram-se para fazer viseiras, mas utilizam materiais como a espuma, e por isso não podem ser reutilizadas nas unidades de saúde. (...) Os materiais que utilizamos podem ser esterilizados, porque aguentam altas temperaturas
Melhor do que isso, as viseiras são 100% reutilizáveis. "Muitas empresas voluntariaram-se para fazer viseiras, mas utilizam materiais como a espuma, e por isso não podem ser reutilizadas nas unidades de saúde. Essa era uma das nossas preocupações. Os materiais que utilizamos podem ser esterilizados, porque aguentam altas temperaturas", diz João Feyo. E, se nas duas últimas semanas foram contactados por unidades hospitalares de norte a sul do país, agora estão a receber também pedidos de empresas que, para continuar a trabalhar, necessitam de protecção e optam pelas viseiras, que são eficazes.
As viseiras estão a ser entregues a profissionais de saúde de forma gratuita. "Pedimos apenas que apresentem um cartão, porque, infelizmente, sabemos que há pessoas que estão a fazer negócio com isto", adianta o CEO do OPO'lab. "Nós não queremos ganhar dinheiro com isto", diz perentoriamente.
Em vez disso, o OPO'lab pede a quem quer contribuir que o faça com material. "Precisamos do filamento 3D, necessário para imprimir mais viseiras, ou do acrílico. E até damos sugestões de empresas onde este material pode ser adquirido e que não aproveitaram a crise para aumentar os preços, porque essa é outra consequência absurda: há quem aproveite o facto de haver escassez de material para fazer disparar os preços. É ridículo", afirma. Depois, é só mandar entregar.
Para João Feyo esta é "uma forma transparente de trabalhar". "Quando se pedem contribuições monetárias, nunca ninguém sabe exactamente para onde vai o dinheiro. Não queremos isso. Como é possível saber se o dinheiro que estou a dar é mesmo para aquele fim? Coloco-me no papel e não tenho garantia nenhuma de que tudo está a ser gasto em material. Mas se forem as pessoas a comprar o material, todos fazem parte de uma cadeia de ajuda", considera.
O colecionador de elásticos
Na verdade, há várias formas de ajudar, muitas vezes as mais inesperadas. Que o diga José Rodrigues, pai de Daniel, um designer que tem posto assente no espaço de coworking do OPO'lab.
Por estes dias, Daniel mostrou ao pai um vídeo com as viseiras e deu-lhe a conhecer a plataforma internacional. Solicito, José Rodrigues lembrou-se de algo que poderia ser útil: as centenas de elásticos que foi guardando ao longo de anos.
Trabalhava numa grande multinacional ligada à indústria farmacêutica, fazia distribuição de medicamentos. E aquilo vem nuns pacotes que estão embrulhados nuns elásticos. Sempre pensei que pudessem vir a ser úteis e fui guardando
Esta terça-feira foi, por coincidência, o último dia de trabalho de José Rodrigues, agora reformado, no emprego que o levou a acumular as pequenas bandas borracha.
"Trabalhava numa grande multinacional ligada à indústria farmacêutica, fazia distribuição de medicamentos. E aquilo vem nuns pacotes que estão embrulhados nuns elásticos. Sempre pensei que pudessem vir a ser úteis e fui guardando", conta. Centenas deles. "Se soubesse, tinha guardado ainda muito mais", conta.
José Rodrigues, que começou a trabalhar aos 17 anos e tem agora 64, nunca imaginou a utilidade que os elásticos viriam a dar. "Tenho pena de não poder contribuir com mais, mas é o que é possível", diz. A saída da empresa não tem nada a ver com o Covid-19, "graças a Deus ainda venho com uma reforma decente".
E, porque falamos da vida, das empresas, da economia e da indústria farmacêutica, vem à conversa a saúde e mais uma história: "Repare, quando foi da compra dos termómetros, a minha mulher chegou a ver uns que nós [a empresa onde trabalhava] vendíamos por um euro ou um euro e meio à venda por vinte euros", lembra. "Vergonhoso", conclui.
A OPO'lab, que recebeu os elásticos de José Rodrigues com alegria, tem atualmente cinco pessoas a trabalhar no laboratório e já entregou até ao momento sensivelmente 2 mil viseiras. "Mas não estamos 100% dedicados a isto, porque não podemos", adianta João Feyo. "Pomos as máquinas a trabalhar e vamos continuando a fazer outros trabalhos".
Para o responsável, "é prematuro estarmos com ilações ou a prever o que vai acontecer. Neste momento, o nosso interesse é não parar", e todos os clientes que telefonam é para saber se estão fechados. Não estão. "Explicamos que devido a este trabalho nas viseiras podemos demorar um pouco mais do que gostaríamos a entregar alguns trabalhos, mas estamos a trabalhar. Posso dizer que os pedidos que estamos a receber são para máquinas de reciclagem de plástico. Além disso, estamos a trabalhar com a Câmara Municipal do Porto, a fazer uma maquete de apresentação do PDM [Plano Director Municipal], uma coisa bastante grande, estamos a trabalhar com o World of Wine, um museu que vai abrir em Vila Nova de Gaia, e continuamos a trabalhar com a Livraria Lello. De resto, mantemos alguns trabalhos para arquitectos, que vão continuando a fazer coisas apesar das incertezas".
João Feyo admite que já começa a ser difícil encontrar alguma matéria-prima, como o PETG, que não é muito comum na industria nacional. "Costuma vir da Alemanha, mas os prazos de entrega de alguns fornecedores que já contactámos apontam para cinco semanas, o que é complicado".
A boa notícia, é que na passada sexta-feira "a grande indústria finalmente acordou, e já está a produzir moldes para fazer as viseiras e o produtos completo. Acontecendo isto, quem está na linha da frente vai agora vão ter acesso mais fácil a estes produtos, produzidos em maior escala, até 5 mil peças por dia".
Por isso, o OPO'lab já está a trabalhar noutros projetos, como "as válvulas que fazem a separação no ventiladores de ar. Geralmente, um ventilador é para uma pessoa, mas com uma construção de válvulas especial é possível que o mesmo ventilador dê para oito ou nove pessoas. Mas há outras peças importantes que é possível fazer em ambiente fab lab e com as máquinas que temos e nas quais já estamos a pensar", conclui João Feyo.
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