Na última semana muito se tem falado da Parler, uma rede social que se apresenta como uma alternativa ao Twitter e ao Facebook. Isto porque desde que foi anunciado pela comunicação social que Donald Trump terá sido derrotado nas últimas eleições americanas, a aplicação atingiu os tops das lojas de aplicações em todo o mundo. Se nos Estados Unidos chegou mesmo a aplicação número 1 da Apple Store, em Portugal o fenómeno não passou ao lado, encontrando-se hoje no número 10 das aplicações na categoria Notícias. No total, o número de utilizadores atingiu já os 8 milhões, quase o dobro dos 4.5 milhões que tinha na semana anterior às eleições.
A Parler foi fundada em 2018 por John Matze (atual CEO) e por Jared Thomsom (atual Diretor Tecnológico). Pouco se sabe sobre as suas fontes de investimento. Segundo os dois fundadores, a empresa terá sido financiada por business angels [investidores individuais] anónimos. No entanto, no início de 2020, o comentador político e ex-candidato ao Congresso dos Estados Unidos Dan Bongino anunciou ter comprado uma participação na empresa.
O nome Parler vem da palavra “Falar” em francês e na plataforma é possível escrever textos de até 1.000 caracteres, partilhar links ou publicar fotografias; replicar textos de outros utilizadores ou votar a favor desses textos (o equivalente ao “Gosto” nas outras plataformas). É possível ainda a troca de mensagens privadas entre utilizadores. Estas publicações aparecem aos utilizadores por ordem cronológica e não ordenadas por um algoritmo que destaque publicações em detrimento de outras, como acontece tanto no Facebook como no Twitter.
O modelo de negócio desta aplicação está assente na receita através da publicidade, mas, ao contrário de outras plataformas já conhecidas, o objetivo não é um modelo centralizado nos anúncios, mas sim, nos utilizadores da rede social. Ou seja, os anunciantes terão uma parceria não com a plataforma, mas com os seus utilizadores e a empresa receberá uma percentagem do valor destas parcerias. Desta forma, a plataforma desresponsabiliza-se do conteúdo da mesma, cabendo aos utilizadores a credibilização do mesmo.
No site da plataforma, a rede é descrita como um espaço para interagir e comunicar de forma livre, com pessoas reais e que nasceu como uma solução para os problemas que surgiram nos últimos anos devido a mudanças na política das Big Tech [Grandes Empresas Tecnológicas como o Facebook ou a Alphabet, dona da Google] influenciadas por vários grupos de interesses especiais. Mais, que é “construída sobre uma base de respeito pela privacidade e dados pessoais, liberdade de expressão, mercado livre e política corporativa transparente e ética”.
A chave para o crescimento da plataforma parece estar precisamente na referida “liberdade de expressão”. Com utilizadores como o filho e a nora de Donald Trump, ou Jair Bolsonaro e os seus filhos, a grande atração da Parler está no facto de ter diretrizes menos restritas que o Twitter e o Facebook que, durante as eleições adicionaram rótulos a várias comunicações do então presidente dos Estados Unidos da América e outras personalidades membros ou simpatizantes do Partido Republicano, como podendo ser enganadoras.
Este posicionamento tem levado a que várias personalidades solicitem aos seus seguidores que migrem para a nova plataforma, com especial incidência na ala conservadora americana, que se sente mais lesada pela verificação da veracidade de publicações que é feita noutras plataformas. E esta migração foi particularmente acentuada nos dias seguintes ao da eleição presidencial nos EUA, que Donald Trump tem contestado de forma sistemática no Twitter. Por essa razão, Parler tem sido identificada como sendo uma rede social com uma base significativa de utilizadores identificados como pró-Trump.
Em junho, numa entrevista à CNBC, Matze admitiu que o tom político que a plataforma está a assumir pode dificultar a angariação de investimento em Silicon Valley, uma zona de São Francisco considerada como o centro da alta tecnologia e inovação e que aparenta, segundo o próprio, ter uma inclinação Democrata e “definitivamente anti-Trump”. Para o CEO da Parler, a ideia para criar esta rede social surgiu da necessidade de existir um espaço na internet que espelhe o que se fala nas ruas, afirmando que “tudo o que se pode dizer nas ruas de Nova Iorque, pode dizer-se na Parler”, acrescentando que o seu objetivo não é ter uma câmara de eco das vozes conservadoras.
Para desafiar esta tendência, Matze procura trazer vozes mais progressistas para a rede social, para isso, está a oferecer 20 mil dólares [cerca de 17 mil euros] a qualquer analista abertamente progressista com mais de 50 mil seguidores no Twitter ou Facebook para que se registe na plataforma.
Neste momento, é difícil afirmar se a plataforma veio mesmo para ficar. Apesar do crescimento acelerado nos últimos dias, a sua utilização ainda fica muito aquém da do Twitter (mais de 300 milhões de utilizadores). E no ano em que se presenciou o boicote de grandes anunciantes a outras plataformas, precisamente pela falta de verificação de factos, é possível que a Parler venha a sentir dificuldades para sustentar o seu modelo de negócio.
Aliás, em termos de financiamento, o próprio CEO especula que a maior dos grandes investidores poderão não estar interessados, a menos que exista uma componente ideológica por detrás desse investimento.
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