A avaliação do motorista Fawzi Kamel na aplicação deverá sofrer um pequeno ajuste, em baixa. É que no dia do Super Bowl, 6 de fevereiro, um dos passageiros ficou algo descontente com a forma como a viagem terminou. A história podia ficar por aqui, não fosse um pequeno (grande) pormenor: o cliente era o patrão da Uber, Travis Kalanick.

Ao som de Maroon 5 e com uma rapariga de cada lado, Kalanick ia entretido com o telemóvel na mão e a conversar com as amigas. No lugar do meio, o Chief Executive Officer (CEO) da empresa norte-americana dançava e mantinha uma conversa de circunstância.

As mulheres vão fazendo perguntas: do signo, ao balanço das contas da empresa, que parecem estar a passar por tempos difíceis. Kalanick desmente: “Eu certifico-me de que cada ano é um ano difícil. Se for fácil não estou a esforçar-me o suficiente”, diz o CEO às jovens.

Os números, porém, não concordam com Kalanick. No primeiro semestre do ano passado, a empresa perdeu mais de mil milhões de dólares. A culpa? Os subsídios atribuídos como incentivo para recrutar novos motoristas e clientes nos mais recentes mercados.

À medida que a concorrência ganha força, os problemas da empresa de São Francisco crescem. E as crenças do CEO de que tudo não passa de uma forma de motivação não chegam aos motoristas.

É aqui que entra Fawzi Kamel, motorista do serviço Uber Black (o topo de gama da empresa). Depois da viagem, quando Kalanick se preparava para sair, Kamel aproveita a oportunidade para fazer alguns reparos ao patrão.

“Não sei se te lembras de mim, mas tudo bem”, diz o motorista de 37 a Kalanick, que se prepara para sair. A trabalhar na empresa desde 2011, Kamel quer chamar a atenção para as dificuldades dos trabalhadores da Uber. “Estás a subir a exigência, mas a baixar os preços”, diz ao CEO, depois de este último lhe ter dito que o número de carros do serviço Uber Black vai diminuir, reduzindo a concorrência, o que deverá ser bom para Kamel.

“Não vamos baixar o preço do Black”, responde Kalanick. No geral, porém, lembra Kamel, o preço está a baixar, o que Kalanick justifica com a concorrência: “Temos de o fazer; temos concorrência. De outra forma vamos à falência”.

“Concorrência?”, diz Kamel. “Meu, tinhas o modelo de negócio nas tuas mãos. Podias ter os preços que quisesses, mas escolheste comprar uma viagem a toda a gente”.

“Não, não, não. Entendeste-me mal.”, corrige Kalanick. “Começámos como topo de gama. Não passámos para baixa gama porque quiséssemos. Passámos porque tínhamos de o fazer ou estaríamos falidos”.

Kamel pergunta se a culpa é da Lyft, empresa com serviço semelhante. E acrescenta que combater a empresa é “muito fácil”.

“Muito fácil porque eu os derrotei”, acrescenta Kalanick. “Se não tivesse feito aquilo que fiz, teríamos sido derrotados, juro”.

Deixando os prejuízos da Uber e concentrando-se nas perdas pessoais, Kamel diz que perdeu quase 100 mil dólares por causa da empresa: “As pessoas já não confiam em ti”, diz o motorista. “Perdi 97 mil dólares por tua causa. Estou falido por tua causa. Mudas as coisas todos os dias”, acusa Kamel.

“Espera lá”, diz Travis Kalanick. “O que é que eu mudei no Black?”, pergunta. “Mudaste o negócio todo. Baixaste os preços”, responde-lhe Kamel.

“Treta”, diz Kalanick já irritado. “Começámos com 20 dólares. A quanto está a milha agora? 2 dólares e 75 cêntimos?”, responde Kamel. Kalanick insiste: “Treta”.

“Sabes uma coisa”, diz Kalanick, “Algumas pessoas não gostam de assumir a responsabilidade pelas suas próprias [coisas]. Deitam as culpas de tudo nas suas vidas noutras pessoas. Boa sorte!”.

“Boa sorte para ti”, responde Kamel enquanto Kalanick sai. “Mas sei que não vais longe”, conclui o motorista. Kalanick bate a porta com força e Kamel vai embora.

Sentido pedido de desculpas

Depois de a Bloomberg divulgar o vídeo, a Uber já emitiu um pedido de desculpas de Kalanick aos motoristas da empresa.

“Dizer que estou envergonhado é pouco. O meu trabalho como vosso líder é liderar… E isso começa com comportar-me de forma que nos deixe a todos orgulhosos. Não foi isso que fiz e não há explicações que o desculpem”, pode ler-se no email.

“É claro que este vídeo é uma reflexão de mim --  e as críticas que recebemos são uma forte lembrança de que eu tenho de mudar fundamentalmente como líder e crescer. É a primeira vez que estou disposto a admitir que preciso de ajuda na liderança e estou disposto a encontrá-la.”

“Quero pedir desculpas profundas ao Fawzi e a toda a comunidade de condutores e passageiro, bem como à equipa da Uber.”, conclui o CEO.