Luke Harding é jornalista do The Guardian e autor de "Os Ficheiros de Snowden", o livro que serviu a Oliver Stone para realizar "Snowden" que estreou a 22 de Setembro em Portugal. Na pré-apresentação do filme, num debate público sobre as implicações das ações do ex-analista contratado pela National Security Agency (NSA) norte-americana, Harding revelou que tapa a câmara de vídeo do seu computador portátil. Em meados de Setembro, também o diretor do FBI revelou que colocava fita-cola sobre a câmara do seu portátil. James Comey defendeu mesmo que todos o devem fazer.

Antes, em Junho passado, Mark Zuckerberg estava a anunciar os 500 milhões de utilizadores da rede social Instagram (adquirida pelo Facebook em 2012), quando a imagem que partilhou mostrava não só a câmara do seu computador tapada, como fazia o mesmo ao microfone.

A descoberta sobre o criador do Facebook foi revelada na conta de Twitter de Christopher Olson. Mas de onde surgiu esta tendência? E ela deve ser seguida?

Para James Comey, trata-se de uma questão de bom senso. "Há algumas coisas sensatas que se devem fazer e essa é uma delas", explicou numa recente conferência no Center for Strategic and International Studies (CSIS), em Washington (EUA). "Entra-se em qualquer escritório do governo e todos temos as pequenas câmaras em cima do ecrã", disse. "Todas têm uma pequena tampa que se fecha sobre elas. Faz-se isso para que as pessoas que não têm autorização não olhem para si. Acho que é uma coisa boa".

Comey já era conhecido por fazer isto, segundo revelou em Abril passado, numa outra conferência: "eu ponho um pedaço de adesivo sobre a câmara porque vi alguém mais esperto do que eu" a fazer o mesmo, disse na altura. Assim, quando se percebeu que também Mark Zuckerberg tapava com adesivo a câmara e o microfone do seu portátil, houve quem se questionasse se não estava a ser paranóico.

A Mashable, por exemplo, considerou que esta estratégia não é funcional, de todo, propondo uma alternativa mais radical de destruir um auscultador para ocupar a entrada desse dispositivo auricular e, assim, bloquear um acesso não autorizado.

RAT é "barato, fácil de adquirir e de usar"

O acesso indevido a um dispositivo, denominado de "ratting" no relatório "Selling 'Slaving", da Digital Citizens Alliance (DCA), aponta que não é um método exclusivo do subconjunto de hackers conhecido por "ratters", quando a própria NSA tem programas para aceder às câmaras e microfones dos portáteis, segundo documentos revelados por Edward Snowden.

O termo "ratting" refere-se à ferramenta normalmente usada, denominada de Remote Access Trojan - ou programa troiano de acesso remoto, um software que é "barato, fácil de adquirir e de usar", segundo a DCA.

O problema do "ratting" parece acentuar-se no segmento feminino (particularmente jovens), segundo o relatório desta organização, e é conhecido desde 2014, pelo menos.

Nesse ano, um alerta do organismo inglês sobre privacidade dos dados pessoais, o Information Commissioner’s Office (ICO), recordou que "se você pode aceder às suas imagens de vídeo através da Internet, o que impede alguém de fazer o mesmo?"

As câmaras no computador portátil permitem ver e gravar o que o utilizador está a fazer, enquanto o microfone no dispositivo pode registar o som das teclas - que também pode ser usado para se saber o que foi escrito nesse teclado, com uma precisão de 96%, como descobriram investigadores da Universidade da Califórnia em 2005.

Em Abril passado, uma empresa de segurança informática mostrou como um anónimo colocou no YouTube vídeos capturados de "webcams" numa espécie de "real online show", salientando que se tornou uma "atividade popular para jovens hackers" e muito fácil de concretizar, explicando nessa altura que o melhor era mesmo ocultar a câmara do computador portátil.

O problema é que estes "ratters" estão a capturar as imagens que muitos pais querem ver, das câmaras que registam imagens dos seus filhos. Mas não só.

Em 2014, um site mostrava imagens de crianças em Birmingham, o interior de um ginásio em Manchester ou uma loja em Londres. Eram mais de 4.500 "feeds" de videocâmaras em todo o mundo.

No total, esse site acedeu a 4.591 câmaras nos EUA, 2.059 em França e 1.576 na Holanda, por exemplo. O responsável do site alegava que o problema se devia aos proprietários das câmaras manterem as "passwords" originais dos fabricantes, enquanto estes se defendiam de não conseguirem impor aos utilizadores a mudança dessas senhas de segurança.

Perante este cenário, "não é de doidos que o diretor do FBI também se preocupe com a sua segurança pessoal", como constatou James Comey na referida conferência do CSIS.