O que mais há a conhecer sobre Fernando Pessoa? A sua história já foi bem contada por figuras como José Gaspar Simões, António Quadros, Fernando Cabral Martins, Maria Manuela Nogueira ou José Paulo Cavalcanti Filho. Além disso, há dimensões que nunca nos serão reveladas — afinal de contas, tratou-se de um homem que conteve múltiplas pessoas (literárias) dentro de si.
Esta montanha de expectativas, todavia, não travou a escalada de Richard Zenith ao cume do Monte Everest metafórico que é traçar a vida do genial poeta. Um dos maiores especialistas da obra pessoana vivos — e grande responsável pela sua promoção no mundo anglo-saxónico — “Pessoa. Uma Biografia”, o seu projeto de longa-data foi recebido em 2021 nos EUA e no Reino Unido com enorme sucesso, explorando não só a sua produção literária, como também os recantos mais obscuros da sua personalidade, como a sua relação com a política e com a espiritualidade. Por cá, chegou pela mão da Quetzal — e se este tomo de 1088 páginas parece intimidante, pode-se sempre ir lendo ao longo do verão.
Falando de coisas intimidantes, um dos eventos literários do ano — pelo menos no panorama europeu — é o regresso de Michel Houellebecq aos romances. Cada vez que o escritor francês lança um livro, já se sabe que traz polémica nas suas páginas — muitas vezes, infelizmente, ofuscando a própria qualidade da obra. Foi assim com “Submissão”, onde imaginou uma França governada por um presidente islâmico, eleito com a ajuda do partido socialista francês para derrotar a extrema-direita de Le Pen — apenas estas palavras ajudam a destapar a controvérsia que se seguiu.
Todavia, uma pandemia depois (durante?), o francês parece ter baixado as armas — tanto quanto possível, já que é de Houellebecq de que se trata. Em “Aniquilação” as perturbações quanto ao declínio das sociedades ocidentais continuam presentes neste que é, no fundo, um thriller político, que tem como pano de fundo uma série de atentados terroristas em França durante uma campanha presidencial. No entanto, o foco está sobretudo num casal infeliz e a crítica tem apresentado este romance como mais melancólico e matizado da carreira do autor. Como vem sendo hábito, chega a Portugal pela Alfaguara.
No que toca a melancolia, de resto, a literatura de ficção em torno do Holocausto e dos terrores da II Guerra Mundial tem sido pródiga a explorar este sentimento — em demasia, e até os mais indefectíveis fãs poderão admitir que este é um filão sobrexplorado. Por essa razão, é preciso destacar quando há exceções que podem ser engolidas pela enxurrada de títulos de tema similar. É o caso de “Jacob, o Mentiroso”, romance em que o protagonista vive no gueto judeu de Łódź, numa Polónia ocupada pelas forças nazis.
A “mentira” a que se refere o título deve-se ao facto de mencionar a uma menina de que possui um rádio e que ouviu que há forças soviéticas nas proximidades, prestes a libertar a população subjugada. A notícia espalha-se e enche o gueto de esperança e o protagonista fica dividido entre sustentar uma farsa e destruir a pouca esperança que gerou. Considerado um clássico da literatura alemã, aquilo que difere este livro dos demais é que o seu autor, o polaco-alemão Jurek Becker, foi ele próprio vítima dos horrores, sobrevivendo a Łódź e aos campos de concentração de Ravensbrück, onde a mãe pereceu, e de Sachsenhausen. Publicado em 1969, é agora editado pela primeira vez em Portugal através da Guerra e Paz.
Indo à boleia dos horrores do século XX, os nazis vieram a demonstrar-se particularmente fãs de “Queimar Livros”, título e tema de análise e pesquisa para Richard Ovenden. Atual diretor da Biblioteca Bodleiana de Oxford — o principal santuário de pesquisa da famosa universidade e uma das mais antigas bibliotecas da Europa —, Ovenden dedicou a maior parte da sua vida a curar, preservar e divulgar o livro, em particular o antigo e inestimável.
Nesta obra, editada por cá pela Editorial Presença, o bibliófilo traça uma história de três mil anos onde vários regimes e povos procuraram destruir o saber alheio de forma deliberada ou fizeram-no de forma involuntária, por incúria. O percurso vai desde a infame destruição da lendária biblioteca de Alexandria até casos mais recentes, onde o belicismo em Sarajevo ou Bagdad levou vidas e páginas, ambas irrecuperáveis. O olhar de Overden, porém, também se estende aos esforços de proteção ao longo dos tempos, muitas vezes sem apoio estruturado ou investimento.
Se a incúria humana nos furtou de pérolas de saber, Ivy Lin furta o que for necessário para singrar num mundo inclemente. Em “O Sonho Americano de Ivy Lin”, a escritora Susie Yang desenha uma personagem amoral e presa entre dois mundos — o de seguir o sonho americano e ascender socialmente, custe o que custar; e o de manter-se fiel às tradições da sua família chinesa emigrada em Boston.
A sua personalidade cativante dissimula as coisas que rouba e as mentiras que espalha, tanto até que consegue atrair a atenção de um colega de turma proveniente de uma família rica. A estratégia não logra sucesso, porque Ivy Lin é recambiada de volta para a China. Todavia, anos mais tarde, a mulher regressa aos EUA com o ex-colega abonado Speyer na mira. Descrito como um romance com laivos de thriller, esta obra foi altamente elogiada aquando do seu lançamento no mercado anglo-saxónico, e foi agora editada no nosso país pela Porto Editora.
Outros lançamentos:
Pode consultar aqui outros livros que foram lançados esta semana, e cujos excertos mereceram a pré-publicação no SAPO24.
“Não Contes a Ninguém”, de Gregg Olsen (Lua de Papel)
“Português de A a Z”, de Marco Neves (Guerra e Paz)
“À Conquista da Paz - Do Iluminismo à União Europeia”, de Stella Ghervas (Desassossego)
“Informadores da PIDE — Uma Tragédia Portuguesa”, Irene Flunser Pimentel (Temas e Debates)
A ter em conta também o lançamento de “A Besta” (Planeta), de “Carmen Mola” (se não sabe porque é que o nome está em aspas, leia isto), a antologia poética “O Olhar Diagonal das Coisas” (Assírio e Alvim), de Ana Luísa Amaral, “Assombro” (Editorial Presença) do vencedor do Pulitzer Richard Powers e “Corações Feridos” (Topseller) do fenómeno da literatura Young Adult Colleen Hoover.
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