“Gabriel” é, de acordo com o realizador, um “filme de boxe”, de alguém que imigra para Portugal “à procura de algo” e que usa aquele desporto “como uma forma de integração social e cultural”.
A Nuno Bernardo interessa sobretudo, disse em declarações à agência Lusa, o “cinema que mostra a vida como ela é, um cinema que se baseia muito no realismo, em pessoas, em personagens”.
O realizador tentou que “Gabriel” fosse, “acima de tudo um filme narrativo. “O objetivo final é contar uma boa história, contar a história do Gabriel e das outras personagens que entram no filme”, afirmou.
Embora o argumento não seja baseado em factos reais, Nuno Bernardo inspirou-se em “pequenas coisas” que viveu nos últimos anos.
A decisão de “fazer um filme de boxe” surgiu na Irlanda, onde, “há quatro ou cinco anos”, esteve a filmar “um documentário sobre comediantes de ‘stand up’ para uma televisão local”.
“Um destes comediantes era um ex-lutador de boxe e achámos que era boa ideia ir para um clube de boxe filmá-lo a lutar”, recordou. Embora o boxe “nunca tenha sido um desporto que acompanhasse”, Nuno Bernardo “adorou” filmá-lo, “o dinamismo, a ação”. “Fiquei apaixonado porque visualmente, cinematograficamente, é um desporto muito interessante de se filmar”, afirmou.
O clube onde decorreram as filmagens, “num bairro numa das zonas mais degradadas de Dublin”, era usado por um ex-campeão de boxe nos anos 1960 “para tentar tirar jovens adolescentes das ruas, dos gangues”.
Nesse momento mudou “radicalmente” a perceção que tinha “daquilo que é o boxe, daquilo que são os lutadores de boxe”, porque “a primeira ideia de quem não conhece é que é um desporto violento”.
A ideia de juntar a imigração ao filme veio da experiência de trabalhar em vários países nos últimos anos. “Estas histórias de alguém que não está no seu país de origem são algo que me liga, me emociona”, partilhou.
O protagonista do filme, Gabriel, é Igor Regalla, que em comum com a personagem tem “a memória do que é ser diferente num país diferente”. Nascido na Guiné-Bissau, Igor Regalla mudou-se com os pais para Portugal com um ano. Entretanto voltou para a Guiné, tendo regressado definitivamente a Portugal com dez anos, ‘empurrado’ por uma guerra civil.
Dar vida a um pugilista exigiu uma preparação que “foi dura”. “Tento preparar-me consoante as personagens, consoante os desafios, mas não sou uma pessoa muito ativa no que toca aos ginásios, então esta foi seguramente a parte mais trabalhosa, a parte da adaptação ao corpo de um pugilista”, contou à Lusa, salientando que “tudo o resto foi um prazer enorme”.
Tudo o resto passou por “pesquisar o que é ser um pugilista, a solidão de estar no ringue de boxe e a solição que é a vida à volta daquele ringue”.
“Tentei focar-me muito nisso, porque, apesar de tudo, a personagem do Gabriel está muito sozinha no mundo. A mãe acabou de morrer em Cabo Verde, ele vem para Portugal em busca do pai, porque é a última referência que ele tem de família”, contou.
A música tem uma presença constante no filme, com uma banda sonora que inclui vários ‘rappers’, entre os quais Vado Más Ki Ás, que assina quatro das músicas da banda sonora.
O nome de Vado foi uma sugestão de Igor Regalla. “Houve músicas que ele fez e nas quais me inspirei quando estava a preparar-me para a personagem”, partilhou o ator.
Vado cresceu no Bairro 6 de Maio, na Damaia (Amadora), “um bairro muito problemático na Damaia [Amadora], e é degradante mesmo, as condições das pessoas que lá estão são desumanas”. “Ver uma pessoa como o Vado a vingar, é dessa garra que o Gabriel é feito”, referiu Igor Regalla.
O realizador Nuno Bernardo lembra que o ‘rapper’ “tem uma comunidade de seguidores fantástica”, mas que “se não toca na rádio, se não passa nos jornais, na televisão, acaba por estar fora do olhar o grande público”.
Vado fez uma música original para o filme, que, para Igor Regalla, “se não for nomeada para Melhor Canção pela Academia Portuguesa de Cinema, [é porque] as pessoas estão muito desatentas”.
Igor Regalla está “expectante pela positiva” com a estreia do filme. O ator acredita que “Gabriel” é “um filme que vai quebrar com todos os preconceitos que o cinema português tem”.
“Que é aquela coisa do cinema muito parado, o cinema para as pessoas que têm que pensar, que é mais que legítimo e eu adoro. Mas este filme em concreto é muito rápido. Eu sou suspeito, porque entro em 98% do filme, mas acho que vai ser muito bem aceite pelas pessoas que vão ver, porque há ali uma grande dose de verosimilhança”, defendeu.
O realizador espera que o filme leve ao cinema “pessoas que normalmente não vão ao cinema”, mas também que seja a escolha “de pessoas que vão uma ou duas vezes por mês”.
“Gabriel”, que tem ainda no elenco atores como José Condessa, Ana Marta Ferreira, Almeno Gonçalves, Sérgio Praia e Andala, contou com o apoio do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), da RTP e da NOS.
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