Falar de hip-hop e de rock n' roll ao mesmo tempo é parafrasear a velha canção: muito mais é o que os une que aquilo que os separa. A$AP Rocky provou isso mesmo, na sua estreia em território luso, perante uma multidão efusiva que, será seguro dizê-lo, viveu morrendo de sede de um grande espetáculo de hip-hop há já vários anos. O norte-americano, uma das figuras de proa do rap desta década, pouco teve de fazer para ser recebido como uma verdadeira estrela rock. Na verdade fez até muito pouco: os beats são pré-programados e atirados pelo DJ que o acompanha, os versos dos rappers que o ajudam em cada uma das suas faixas são escutados em modo playback, e a A$AP basta aparecer em palco (foi, aliás, construído um corredor entre este e o público de propósito para o receber), com um sorriso de ouro e uma energia imparável, para que centenas de braços se ergam no ar na sua direção.

Estrela rock, sim. O próprio A$AP Rocky sabe-o, sempre que leva o microfone à boca. Os trejeitos estão todos lá: chamadas pela cidade em que se encontra, ordens para pular e moshar, calão, irreverência. Mais que versos, gritou palavras de ordem, expressões do vernáculo afro-americano que polvilham grande parte do hip-hop mainstream de hoje em dia. A mesma loucura sentida por milhões de jovens que viram uma guitarra elétrica ao vivo nos anos 60 e 70 é agora sentida por aqueles que, na era da Internet, já se contentam em ter apenas os seus ídolos a uma distância de 20 ou 30 metros. São tempos novos e é perfeitamente aceitável que os melómanos da velha guarda vejam em A$AP Rocky algo blasfemo ou vergonhoso. No entanto, a ideia de base – música e espetáculo de jovens e para jovens – está lá.

Começando com um mini-DJ set que serviu para aquecer o público (ou exasperá-lo), o espetáculo A$AP Rocky encontrou os seus momentos mais rock quando, a dada altura, houve dois soutiens que aterraram em cima do palco. Soutiens esses que o rapper roçou nas partes íntimas com o maior sorriso do mundo no rosto. Soa estranho ou asqueroso? Lembremo-nos da Beatlemania ou da forma como os Rolling Stones eram recebidos no seu auge. A supracitada velha guarda pode continuar a berrar e a espernear o que quiser, mas o hip-hop é, de facto, o novo rock. E sem que o primeiro menospreze o segundo: afinal de contas, a t-shirt que A$AP Rocky envergava era dos Def Leppard...

Até porque essa mesma velha guarda teve direito ao seu próprio concerto horas antes, com a subida das norte-americanas Breeders ao palco NOS, naquele que foi o regresso da banda ao festival. Uma mais que simpática Kim Deal fez as lides da casa e repescou, ao baú do grunge, os temas de discos como “Pod” ou “Last Splash”, que muito fizeram as delícias dos presentes (neste caso e sobretudo maiores de 35). Simpática, quando não humorística, como quando afirmou que quem não estivesse a gostar poderia sempre ir queixar-se a Steve Albini..., que produziu os discos da banda e se apresentou ao vivo num outro palco, com os Shellac.

Pouco antes, nem simpatia nem humor. Afinal de contas, era black metal – uma mistura do género mais satânico com o mais sagrado, o gospel, mas ainda assim black metal. Nas mãos dos Zeal And Ardor, o género transforma-se e adquire uma qualidade ainda mais demoníaca do que aquela que fez manchetes nos anos 90, na Noruega; a fusão entre dois estilos que parecem tão díspares resulta na perfeição e o que resta, no final, é a eterna questão que surge nas mentes dos melómanos quando algo de absolutamente extraordinário assome o palco como um cometa: “como é que nunca ninguém se lembrou disto antes?”. No mesmo dia em que lançaram o seu novo álbum, a banda suíça (que é, na realidade, um projeto a solo de Manuel Gagneux) lançou o repto: ainda ouviremos falar muito, muito deles.

Dos Grizzly Bear não rezará muito a história, ainda que o seu indie rock estridente tenha proporcionado um agradável encontro do público com o final de tarde (de sol, felizmente), num dos novos palcos do festival (Seat). Estridentes, pelo ruído que iam adicionando às canções, sem descurar as melodias que encantaram e continuam a encantar através de discos como “Veckatimest” (2009). O seu grande sucesso, 'Two Weeks' (mais conhecido como “a música daquele anúncio”), não foi obviamente esquecido. Assim como a sueca Fever Ray, uma das metades dos extintos The Knife, não se esqueceu de nos fazer questionar sexualidade e género, apresentando-se ladeada por duas outras vocalistas, uma das quais num impressionante fato todo ele músculo, para um concerto onde “bizarro” foi a palavra de ordem – seja a performance teatral a que se ia assistindo em palco, seja a sua própria música, uma pop eletrónica que a certos espaços descaia para o lado mais tribal do ritmo.

Num dia onde a falta de um artista mais chamativo levou uma quebra na quantidade de festivaleiros presentes (A$AP Rocky, embora seja um nome de peso, não é Lorde nem Nick Cave), um dos momentos mais ternos partiu de Amen Dunes, que veio apresentar as canções do seu mais recente trabalho, “Freedom”, editado este ano (e um dos melhores discos destes últimos seis meses). Amen Dunes é tudo o que Father John Misty gostaria de ser: um autor de canções dolorosas e completas, uma sensualidade escondida por entre um romance cândido, ou um poeta digno desse nome digno. Mesmo estando no Porto, Amen Dunes não esqueceu Lisboa; foi, aliás, na capital que compôs muitos destes temas, durante uma residência artística na Galeria Zé dos Bois. A beleza de “L.A.”, canção sobre Frank Sinatra, serviu para nos fazer esquecer momentaneamente do estouro que foi o concerto dos barcelenses Black Bombaim, uma das bandas rock mais cativantes dos últimos anos – e também uma das mais pesadas. Mas apenas isso: momentaneamente.