Agora editado pela Imprensa da Universidade de Lisboa, o livro foi publicado, no original em inglês, em 2010, pela Yale University Press, e venceu o prémio R.R. Hawkins da Associação Americana de Editores, assim como o prémio de excelência em trabalhos de referência, atribuído pela mesma associação.

As viagens efetuadas entre a costa ocidental de África e as costas americanas refletiram a “deportação forçada de 12,5 milhões de africanos para o Novo Mundo”, naquele que é considerado “um dos maiores crimes contra a humanidade”, escreveu o historiador David Brion Davis, no prefácio da obra.

O motivo do desenraizamento destas pessoas e o seu transporte forçado para uma outra geografia distante “era a ganância”.

Os traficantes portugueses, espanhóis, holandeses, britânicos, franceses, dinamarqueses, suecos, brasileiros e norte-americanos forneciam mão-de-obra barata para a produção e exportação de metais preciosos, açúcar, rum, arroz, tabaco, algodão, café, índigo “e outros bens de luxo”, escreve Brion Davis, fundador e diretor do Centro Gilder Lehrman de Yale para o Estudo da Escravidão, Resistência e Abolição.

Este transporte, “que se pode chamar Sistema Atlântico de Escravos, prenunciava muitas características da nossa economia global moderna. Vemos investimento internacional de capital em regiões coloniais distantes, onde o trabalho de grupo de escravos, de baixo custo e altamente produtivo, produzia mercadorias para um mercado transatlântico”, escreveu Brion Davis.

“Em relação ao consumismo, sabemos agora que o açúcar, o tabaco, o café, o chocolate e outros luxos produzido por escravos não apenas alteraram a dieta europeia, como no final dos anos 1700 ajudaram a moldar uma mentalidade consumista entre as massas”, prosseguiu Brion Davis, especialista em História da escravatura e do abolicionismo. Foi no final do século XVIII que o comércio de seres humanos atingiu o seu pico de todos os tempos”.

O “Atlas do Comércio Transatlântico de Escravos”, numa tradução de Helder Guégués, é apresentado na terça-feira, às 18:30, no auditório 3, da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, por um dos seus autores, o historiador David Eltis, e por José da Silva Horta, professor de História de África na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

A obra inclui 189 mapas, referenciando pontos de partida e de chegada, sem traçar as rotas reais dos navios que efetuaram este comércio entre 1501 e 1867. Para Brion Davis este é “um dos exemplos mais extremos da história da desumanidade da humanidade”.

Este tráfico implicou - salienta Brion Davis - “a cumplicidade indispensável dos africanos na criação e manutenção do comércio de escravos”.

Realçando a importância deste atlas, Brion Davis afirma que “apenas os mapas podem transmitir com precisão as alterações das origens africanas dos escravos, os seus destinos no Novo Mundo, e, não menos importante, os graus em que diferentes nações europeias e americanas participaram no comércio de escravos”.

O “livro demonstra em pormenores impressionantes, [que] os portos de embarque e desembarque eram às centenas. Num sentido importante, a história e o significado do comércio atlântico de escravos estão ligados à geografia, portanto, à mistura e colisão de povos, culturas e imperativos económicos, encontros impulsionados pela ganância, império, correntes oceânicas e desejo de converter os corpos dos seres humanos em culturas comerciais. O poder, até a beleza, dos mapas deste livro oculta o horror do comércio, mesmo quando elucidam as suas fontes, os seus destinos, o seu escopo: a implacável e surpreendente conquista de tempo e espaço na água e na terra”, escreveu o historiador David W. Blight no posfácio.

A principal fonte deste Atlas é o banco de dados do portal www.slavevoyages.org, que regista cerca de 35.000 viagens transatlânticas de navios negreiros.

Brion Davis chama a atenção que a mão de obra negra “se tornou indispensável na criação do próspero Novo Mundo que em meados do século XIX começou a atrair milhões de imigrantes europeus voluntários que, ironicamente, tendiam a escolher o ‘solo mais livre’, uma vez que os migrantes brancos nunca desejavam competir com os escravos em regiões tropicais ou subtropicais, onde a agricultura em plantações florescia”.