Antes de nos debruçarmos sobre a série, é importante contextualizar o legado literário de Hiaasen e a sua história com adaptações para o ecrã. Carl Hiaasen é um jornalista conceituado tornado autor, conhecido pelos seus romances satíricos que expõem a corrupção e a excentricidade da vivência da Florida, de onde é natural e onde ainda hoje reside aos 71 anos. Em 1996, o seu romance “Striptease” foi adaptado para cinema e Demi Moore escolhida para ser a protagonista. O problema? Como lembra esta crítica da altura, no livro todas as personagens são hilariantes. No filme, todas as personagens continuam hilariantes, exceto a de Demi Moore. E isso desiludiu muitos fãs do material original.

No entanto, como frisa o Chicago Sun Times, “Bad Monkey” traz melhores notícias neste departamento das adaptações. Com Bill Lawrence (co-criador de “Ted Lasso”, “Shrinking” e “Scrubs”) no leme e um elenco liderado por Vince Vaughn, e com John Ortiz, Jodie Turner-Smith, Michelle Monaghan e Natalie Martinez a acompanhar, esta adaptação em 10 episódios para a Apple TV+ parece ter conseguido o feito difícil de reter os elementos suculentos, extravagantes e perversamente divertidos do material de origem de uma forma imensamente cativante. E ao contrário do que aconteceu com Moore, Vince Vaughn tem aqui um papel feito à sua medida. O seu falatório a 200 k/hm e o estampado floral das suas camisas assentam-lhe bem, dando a sensação de que é tudo natural, de que nada é forçado.

Na essência, “Bad Monkey” é o epítome da chamada “Summer TV” no seu melhor. Como observa a Variety, é o tipo de série que evoca a sensação de um dia de sol sem a necessidade de abandonar o conforto do ar condicionado. É capaz de manter o nosso interesse com alguma bagagem mais criminal e sombria, mas é leve o suficiente para ser consumida sem gastar muito neurónio cansado ou de férias, oferecendo uma distração bem-vinda das preocupações do quotidiano.

Bad Monkey
Bad Monkey créditos: Apple TV+

A série abre com uma voz grave a narrar: “A questão com as histórias de pesca é que começam sempre num barco”. E é precisamente num barco que esta história começa, ao som de “American Girl” de Tom Petty, numa cena que poderia facilmente pertencer a um postal turístico da Florida, não fosse o macabro detalhe que se segue: um turista em lua-de-mel pesca um braço humano, ainda adornado com uma aliança e o dedo médio erguido num último ato de desafio.

É então que mergulhamos de cabeça no dia-a-dia de Andrew Yancy, interpretado por Vince Vaughn, um ex-detetive de Miami acabado de ser despedido da polícia devido a um incidente com o marido da namorada (sim, é o que é), mas que vê no tal misterioso braço humano pescado o seu caminho de redenção. Como tal, dá início a uma investigação por sua conta e risco que, acredita, vai fazer com que recupere a carreira profissional — se conseguir provar que se trata de homicídio. Porém, de modo a desvendar o mistério, Yancy depara-se com uma diversa galeria de vigaristas, máfia, polícias corruptos e até praticantes de magia vodu.

Noutros termos: “Bad Monkey” é uma comédia negra que rapidamente se transforma numa investigação cada vez mais absurda e cativante, repleta de reviravoltas, que explora a fundo a ganância e corrupção tanto nas Florida Keys, um arquipélago em pleno mar das Caraíbas com ilhotas ligadas por uma estrada no Estado da Florida, como nas Bahamas.

Do que nos faz lembrar? Lembra-nos outras incursões televisivas pelos meandros da conhecida excentricidade da Florida, como “Florida Man” ou até mesmo “Bloodline”, duas produções da Netflix, sendo a última uma das primeiras apostas dramáticas da plataforma ambientada em Florida Keys. Mas, reminiscências à parte, a verdade é que tem uma voz própria, uma vez que mistura o estilo característico de Lawrence com o sabor único da prosa de Hiaasen.

Bad Monkey
Bad Monkey créditos: Bad Monkey

Depois, há que dizer que um dos elementos mais intrigantes é a narração omnipresente do Capitão Fitzgerald, interpretado por Tom Nowicki. Como observa a Rolling Stone, a sua voz grave tem duas funções cruciais: guiar o espectador através de uma trama cada vez mais labiríntica e capturar a voz peculiar e caprichosa da escrita de Hiaasen. Entre a narração e o uso frequente de músicas de Tom Petty, vocalista da banda de rock “Tom Petty and the Heartbreakers” e um dos artistas que mais vendeu na história da música, a série exala um aroma distintamente floridiano.

Ah, e claro: não podemos falar de “Bad Monkey” sem mencionar o próprio macaco do título, que aprendemos rapidamente que se chama Driggs. Interpretado pela famosa macaca Crystal — vimo-la na saga da Ressaca e é tão popular e tem tanto trabalho em Hollywood que até tem página no IMDb —, Driggs é uma presença mais simbólica do que central. Apesar do título sugestivo, Crystal não tem muito para fazer, mas a sua presença serve como um lembrete constante da excentricidade que permeia toda a narrativa.

Em última análise, “Bad Monkey” é como um dia bem passado na praia — divertido, refrescante, com o toque certo de excitação para manter as coisas interessantes, ainda que por vezes pareça que se arrasta um pouco demais quando o vento começa a ficar desagradável (há episódios que superam os 50 minutos e isso nota-se um pouco).

Para quem está à procura de uma série para acompanhar as derradeiras semanas do verão, a busca pode dar-se por terminada. Embora não seja imaculada, é aquele pôr do sol (no sofá) bom de se ver graças ao carisma de Vince Vaughn, que volta a desempenhar o tipo de personagem que o catapultou para a ribalta. É um cocktail de mistério, comédia e drama feito apenas com ingredientes tropicais que consegue ser tão refrescante quanto um bom mojito em tempos de calor.

  • Os três primeiros episódios de Bad Monkey já estão disponíveis na Apple TV+.