“Esta política editorial é diretamente responsável por um empobrecimento real destes profissionais e pelo definhamento geral de editores e livreiros, além de prestar um mau serviço aos leitores, escritores, mas também, e acima de tudo, à língua portuguesa”, referem os subscritores da carta aberta publicada hoje no jornal Público.
Sublinham que “tendo em conta os preocupantes números relativos aos hábitos de leitura em Portugal” é urgente que o Governo recentemente empossado e “em particular a nova ministra da Cultura, Dalila Rodrigues”, preste especial atenção à regulação e transparência no uso de inteligência artificial generativa (AI) no setor editorial.
Na carta aberta é pedido que as editoras sejam obrigadas legalmente a indicar a fonte de qualquer tradução, explicitando-a no frontispício dos livros e pedem a criação de mecanismos de incentivo ao financiamento e publicação de traduções não geradas artificialmente.
O documento é assinado, entre outros, por Frederico Lourenço, historiador e tradutor; pelos escritores, Afonso Reis Cabral, Manuel Alegre, Luísa Costa Gomes, Richard Zenith, Dulce Maria Cardoso, Richard Zimler; pelos professores universitários e historiadores Diogo Ramada Curto e António Araújo (Fundação Francisco Manuel dos Santos) e por António Feijó, presidente da Fundação Calouste Gulbenkian.
Além de revisores, livreiros e jornalistas a carta aberta é firmada pelos editores Bárbara Bulhosa (Tinta-da-China), Carlos Vaz Marques (Zigurate), Dinis Machado (Poets and Dragons Society) Francisco José Viegas (Quetzal), Isabel Minhós Martins (Planeta Tangerina), Maria do Rosário Pedreira (Leya), Rosa Azevedo (Snob), Rui Couceiro (Contraponto) e Vasco Santos (VS).
Na carta, é referido que a tradução de livros feita essencialmente com recurso a programas de inteligência artificial (programas ChatGPT e DeepL) “tem sido uma prática cada vez mais utilizada em certos setores do meio editorial português, sem aviso aos leitores.
Os “certos setores” não são especificados na carta aberta.
Para os subscritores “é normal que haja tradutores que recorram a programas de tradução automática para executarem fases do trabalho” mas, acrescenta, que a ocultação do uso das ferramentas como instrumento principal ou quase exclusivo de tradução, “que transforma os tradutores em revisores de linguagem gerada por máquinas, não pode ser ignorada”.
“Em muitos destes casos, os livros traduzidos por esses instrumentos desrespeitam os códigos de autor, infringindo regras editoriais elementares: nas fichas técnicas não se indica nem o título original da obra nem a língua a partir da qual se traduz, nem os nomes dos tradutores e revisores”, acusam.
“A tradução feita de raiz a partir de programas de tradução automática implica uma inegável regressão na qualidade das obras. Nestas edições encontram-se erros ortográficos e gramaticais, mistura de acordos ortográficos, termos brasileiros e diversas incoerências idiomáticas”, acrescentam os subscritores.
Os nomes que firmam a carta aberta frisam que traduzir obriga a decisões e escolhas interpretativas altamente variáveis, cuja qualidade depende de conhecimento especializado, experiência e “de uma visão poética” sendo que as consequências são “lamentáveis” para os leitores.
“Este modo de tradução tem ainda repercussões graves ao nível laboral. Uma vez que as obras assim produzidas dispensam a tarefa do tradutor, o trabalho do revisor é duplo: não só tem de fazer uma revisão, mas também uma re-tradução de um texto que não é fruto da reflexão de ninguém, recebendo em troca a menor remuneração de entre os dois serviços, o que agrava uma situação já de si precária”, acusam ainda os subscritores.
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