Nesta encenação de “Hamlet”, a Companhia do Chapitô centra a ação da peça de Shakespeare numa torre, à maneira de “Playtime” (“Tempos modernos”), de Jacques Tati.
Fatos cinzentos, camisas azuis e brancas, gravatas e ténis compõem o figurino dos quatro atores em palco, que remete para um local de trabalho de políticos e da alta finança, conforme a atual "vida moderna", e em que todos acabam por desempenhar o protagonista da tragédia de Shakespeare, cuja ação original se passa na Dinamarca.
No “Hamlet” que a Companhia do Chapitô estreou no ano em que celebrou o 22.º aniversário, há lugar para a traição, a vingança, a corrupção, a moralidade, sem que haja qualquer violência em palco que não seja a verbal.
“É engraçado porque é uma peça de um homem moderno, o Hamlet, que é o primeiro discurso interior duma personagem, e nós não fizemos discurso interior nenhum. Nós demos ação onde não havia ação e, onde há ação - as mortes e tudo isto -, não existe ação", explicou o diretor da companhia, José Carlos Garcia, aos jornalistas, quando da estreia, em janeiro de 2018.
Nesta encenação, em que se desconstruiu o texto shakespeariano para pôr o público a pensar e parao deixar curioso para ler o original, não há atos de violência. "A violência é toda verbal, tem a ver com os nossos tempos", disse o encenador, corroborado pela coencenadora Cláudia Nóvoa.
“Esta violência verbal que existe é terrível”, referiu José Carlos Garcia, sublinhando que a companhia trabalhou também a questão “do não toque”: os atores não se tocam, a não ser na morte ou quando estão a fazer a ratoeira para Claúdio, disse.
“Hoje em dia as pessoas já não se tocam. E nós, atores, bailarinos ainda nos tocamos sem ser uma questão de assédio”, acrescentou José Carlos Garcia, ressalvando, porém, que o assédio é outro dos temas abordados na peça.
Os amores, a corrupção e a guerra económica são assim três pontos fulcrais em que assenta a ação deste "Hamlet", integralmente passada entre as quatro paredes de uma torre habitada por políticos ou agentes da alta finança.
Os sons que se ouvem na peça, e que são todos feitos pelos atores, remetem aliás para esse ambiente, onde as gravatas são importantes: servem de impressoras, de cartão de ponto, de telefone, para ligar ou desligar o ar condicionado.
Nesta peça é ainda possível descortinar a alusão a personalidades políticas, como a do “responsável pela destruição da Cultura no Porto”, numa alusão do encenador ao antigo autarca e presidente do PSD, Rui Rio.
Com direcção de José Carlos Garcia, Cláudia Nóvoa e Tiago Viegas, e interpretações de Jorge Cruz, Susana Nunes, Patrícia Ubeda/Ramon de Los Santos e Tiago Viegas, "Hamlet" vai estar em cena até 24 de fevereiro, com espetáculos de quinta a domingo às 22:00.
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