“Trust”, no título original, é “um romance fascinante situado numa América do passado, que explora a família, a riqueza e a ambição, através de narrativas interligadas, apresentadas em diferentes estilos literários, um exame complexo do amor e do poder num país onde o capitalismo é rei”, disse o júri, durante a atribuição dos Pulitzer, na segunda-feira à noite.
Editado este ano em Portugal pela Livros do Brasil, “Confiança” já tinha estado nomeado para o Prémio Booker, um dos mais importantes da língua inglesa.
O escritor nascido na Argentina, em 1973, criado na Suécia e residente nos Estados Unidos, entrou no mercado literário de forma surpreendente, com o seu primeiro livro, “Ao longe”, publicado em 2017, a ser finalista do Pulitzer e do PEN/Faulkner.
Em “Confiança”, Hernán Diaz desconstrói o mito americano do ‘self-made man’, através de uma história centrada num empresário de Wall Street, contada em quatro diferentes versões, cada uma compondo um livro: há um romance dentro do romance, uma autobiografia, memórias e um diário, cabendo ao leitor o papel de detetive do texto, que tem de juntar as peças.
A inspiração para a história nasceu quando o autor constatou que não conseguia encontrar romances que lidassem com fazer dinheiro nos Estados Unidos.
Numa entrevista à Lusa, por altura da publicação em Portugal do seu primeiro romance, Hernán Diaz confessou que achou “fascinante a ideia de que a noção de bem-estar, de dinheiro, é tão essencial para o imaginário norte-americano, mas é algo que não é assim tão falado em ficção”.
Foi por se interessar muito por esses “ângulos mortos” que pegou no tema: “Como é possível que este género que tem tanto poder ideológico, não tenha crescido na história da literatura? Como é que neste país, nesta cultura tão obcecada com dinheiro, não haja romances sobre dinheiro? O que se passa? Esta foi a questão”, revelou, na altura.
O outro romance distinguido com o Pulitzer de ficção, “Demon Copperhead”, de Barbara Kingsolver, que não está publicado em Portugal, foi descrito pelo júri como “uma magistral reformulação de ‘David Copperfield’, narrada por um rapaz dos Apalaches cuja voz sábia e inabalável relata os seus encontros com a pobreza, a dependência, os fracassos institucionais e o colapso moral, e os seus esforços para os vencer”.
“Demon Copperhead”, que está também na corrida ao Women’s Prize for Fiction, figurando entre as seis finalistas, reinventa o “David Copperfield”, de Charles Dickens, centrando-o num rapaz que cresce nas montanhas pobres dos Apalaches, na Virgínia.
Na área da não-ficção, o prémio foi para “His name is George Floyd: One Man’s Life and the Struggle for Racial Justice”, da autoria de Robert Samuels e Toluse Olorunnipa, jornalistas do Washington Post, que fizeram a cobertura do caso da morte de George Floyd e do movimento Black Lives Mater que se seguiu.
Segundo o júri, este é um “retrato íntimo e fascinante de um homem comum cujo encontro fatal com agentes da polícia em 2020 desencadeou um movimento internacional de mudança social, mas cuja humanidade e história pessoal complicada eram desconhecidas”.
O livro, que mais do que uma história de vida, aborda as questões raciais nos Estados Unidos, foi transferido pelo Conselho de Administração da categoria biografia para a de não-ficção.
No que respeita a biografia, o prémio foi então para “G-Man: J. Edgar Hoover and the making of the american century”, de Beverly Gage, que lança “um olhar profundamente investigado e matizado sobre uma das figuras mais polarizadoras da história dos Estados Unidos, retratando o antigo diretor do FBI em toda a sua complexidade, com feitos monumentais e falhas incapacitantes”.
Ainda na literatura, o Prémio Pulitzer 2023 para drama distinguiu “English”, de Sanaz Toossi, uma peça de teatro de grande impacto sobre quatro adultos iranianos que se preparam para um exame de inglês numa escola perto de Teerão, onde as separações familiares e as restrições de viagem os levam a aprender uma nova língua que pode alterar as suas identidades e representar também uma nova vida.
Na poesia, o Pulitzer foi para “Then the war: And selected poems, 2007-2020”, de Carl Phillips, na opinião do júri, “uma coleção magistral que narra a cultura americana à medida que o país luta para dar sentido à sua política, à vida, na sequência de uma pandemia, e ao nosso lugar numa comunidade global em mudança”.
Na categoria de História, Jefferson Cowie conquistou o prémio com o livro “Freedom’s dominion: A saga of white resistance to federal power”, “relato estrondoso de uma Alabama dos séculos XIX e XX, moldada pelo colonialismo pela escravatura, um retrato que ilustra a evolução da supremacia branca, estabelecendo ligações poderosas entre ideologias anti-governamentais e racistas”.
O vencedor da categoria memória ou autobiografia foi “Stay True”, de Hua Hsu, “um relato elegante e pungente sobre o amadurecimento, que considera as amizades intensas e juvenis, mas também a violência aleatória que pode alterar súbita e permanentemente a lógica das narrativas pessoais”.
Na música, o grande vencedor foi “Omar”, de Rhiannon Giddens e Michael Abels, uma ópera “inovadora e convincente”, estreada em maio de 2022, sobre pessoas escravizadas trazidas para a América do Norte de países muçulmanos, “uma obra musical que representa respeitosamente as tradições africanas e afro-americanas, expandindo a linguagem da forma operática ao mesmo tempo que transmite a humanidade dos condenados à escravatura”.
O Pulitzer é um prémio norte-americano que distingue os melhores projetos na área da composição musical, do jornalismo e da literatura.
Em 2022, o Pulitzer de ficção foi para “A Família Netanyahu”, de Joshua Cohen, editado em Portugal pela Dom Quixote.
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