O programa tem uma dotação orçamental prevista de 300 mil euros, para o primeiro ano (2019), mas deverá ser aumentada nos anos seguintes, segundo o primeiro-ministro, e visa o apoio à produção de artistas portugueses contemporâneos.

O Governo vai “criar um programa de aquisição anual por parte do Estado de obras de artistas plásticos contemporâneos”, disse hoje António Costa, referindo que esta medida surge no âmbito do “reforço progressivo do orçamento da Cultura”, que reconheceu ser “limitado”.

O programa entra em vigor já no próximo ano, com uma verba de 300.000 euros, disse Costa que acrescentou: “Tenho esperança que, anualmente, possa ir crescendo e desenvolvendo-se”.

O primeiro-ministro apelou em seguida à colaboração dos artistas plásticos para a constituição de uma comissão que, de forma transparente, escolha as obras que o Estado venha a adquirir.

“É absolutamente essencial que não somemos aos protestos do Cinema e das companhias de teatro os dos artistas plásticos, quanto ao critério das escolhas”, disse.

Costa defendeu um “modelo democrático e plural”.

“Historicamente as Artes Plásticas, há muitos anos, não são objeto por parte do Estado, de programas como os que têm as artes performativas, a música, a dança, o teatro, ou o cinema”, disse António Costa, para lembrar em seguida “uma velha regra que existia no tempo de Estado Novo, e que, durante algum tempo da Democracia foi restabelecida, em que em cada obra pública tinha de haver um percentagem dedicada à aquisição de obras artísticas, que foi caindo em desuso, com o esforço de contenção orçamental”.

António Costa referiu a iniciativa “Arte em S. Bento”, como uma forma de dar visibilidade à arte contemporânea, mas também incentivar os colecionadores privados.

À atual exposição de obras da Coleção António Cachola, de Elvas, na Residência Oficial de S. Bento, suceder-se-á, no próximo ano, a mostra sobre obras da Coleção Norlinda e José Lima, de São João da Madeira.

O chefe do Governo realçou ainda o esforço do seu executivo em salvaguardar obras arte contemporânea, ao colocar sob a esfera do Estado as coleções resultantes dos processos de falência dos bancos, e o esforço em adquirir os seis quadros de Maria Helena Vieira da Silva.

Costa citou ainda a coleção Miró, resultante da falência do Banco Português de Negócios, depositada em Serralves, a de fotografia do Novo Banco (BesArt, do ex-Banco Espírito Santo), que deverá ficar em Coimbra, e está à procura de uma solução para a Coleção Elipse, arrestada no âmbito da falência do Banco Privado Português, que era liderado por João Rendeiro.

O primeiro-ministro falava na residência oficial, onde, acompanhado pelo ministro da Cultura, recebeu artistas plásticos que vieram pedir o apoio do Estado, a exemplo do que acontece noutros países da Europa, como Reino Unido e França, e lhe entregaram uma carta, com mais de 200 signatários, com um diagnóstico sobre a "situação preocupante da arte contemporânea em Portugal", envolvendo mercado, crítica, galerias, coleções, instituições e museus.

O pintor Pedro Proença disse aos jornalistas que esta carta “pode ser um ponto de partida e de trabalho” para se repensar a relação entre o Estado e os artistas plásticos.

O artista plástico Manuel João Vieira reconheceu que esta comissão vai ser “um bico d’obra”, até porque os “artistas são fechados em si e desorganizados”, mas que “se ia chegar a bom porto”.

O artista plástico José de Guimarães defendeu a reposição do benefício fiscal de 50% sobre os rendimentos, ou seja o artista só era coletado sobre a metade dos rendimentos auferidos. Este benefício foi sendo retirado paulatinamente desde há cerca de dez anos.

António Costa prometeu apenas que ia ser tema de reflexão.

Guimarães afirmou que “é bom que o Estado e os nossos governantes saibam que os artistas são seres humanos, têm problemas gravíssimos não só da sua autossobrevivência como de desorganização”.

Um dos artistas plásticos presentes, Miguel Rondon, fez questão de entregar a António Costa o seu extrato bancário e revelar que teve de pedir dinheiro emprestado para pagar a renda de casa.

José de Guimarães foi claro na data escolhida, em vésperas de apresentação do Orçamento, para o Estado “reservar algumas verbas para comprar obras aos artistas vivos, porque os mortos já tiveram as suas glórias”.

Por outro lado, defendeu a reposição do benefício fiscal, que, afirmou, “é só uma linha no Orçamento do Estado”.

Na carta entregue, os artistas portugueses requerem, entre outras medidas, a criação de "um fundo do Estado para aquisições, a criação de uma agência para a arte contemporânea, separada da DGArtes [Direção-Geral das Artes], e urgentes alterações fiscais".

O artista Pedro Proença, que fazia parte da delegação presente em São Bento, disse que 300 mil euros representam "um pequeno passo" neste processo, adiantando, porém, que as grandes revoluções têm início com pequenas ações.

O artista argumentou a necessidade “da existência de um horizonte mínimo para as pessoas trabalharem, e não é apenas uma questão económica”.

Proença defendeu a criação de “um clima de entusiasmo no país” pelas Artes Plásticas, e referiu que os artistas “continuam a trabalhar, a expor, a dar o seu melhor, a fazer coisas a troco de nada, porque gostam e é a sua vocação, mas esta vocação cria casos humanos dramáticos que não são poucos”.


Notícia atualizada às 21:47