Apelidado de Neil Armstrong árabe, Muhammed Faris foi o segundo árabe a chegar ao espaço, depois de Sultan bin Salman Al Saud, em 1985, e o primeiro sírio a conseguir tal proeza. O reconhecimento veio depois da odisseia espacial. Faris deu nome a escolas, pontes e hospitais, em Alepo, a sua cidade natal. No entanto, o seu maior desejo não chegou a ser concretizado. Mas, em relação a isso, falaremos mais à frente.
O rumo que a sua vida tomou trouxe a Muhammed Faris algumas certezas. “Treinar para ir ao espaço foi muito difícil, mas agora, quando penso nisso, concluo que foi muito fácil comparado com aquilo que eu, a minha família na Síria e os meus compatriotas tiveram de suportar nos últimos anos”, afirmou em dezembro em entrevista ao Middle East Eye.
Recuando no tempo, o trajeto de Muhammed Faris começou com o alistamento na Academia da Força Aérea Síria, em 1969, e a sua graduação como piloto militar em 1973, tendo começado a servir na Força Aérea síria como piloto e instrutor.
Depois de um processo muito rigoroso de seleção, Faris foi escolhido em 1985 para integrar o programa espacial soviético Interkosmos. Mas o processo foi tudo menos simples. O ex-astronauta ficou no grupo de quatro finalistas a integrar o programa espacial de uma lista que inicialmente tinha 60 candidatos.
As relações com a União Soviética eram as melhores. No poder estava Hafez Assad, pai de Bashar al-Assad, que o tinha conquistado graças ao apoio soviético. Apesar de Faris não ser o preferido do governo de Assad, foi escolhido por ser o mais qualificado e o treino para integrar a estação espacial Mir começou. A viagem concretizou-se em julho de 1987.
“Aqueles sete dias, 23 horas e cinco minutos mudaram a minha vida”, confidenciou ao The Guardian. Junto dos seus companheiros soviéticos, Faris desenvolveu experiências científicas e fotografou o seu país a partir do espaço, algo que lhe deu uma nova perspetiva, para a sua própria vida. “Quando vemos o mundo inteiro através de uma janela deixa de existir o eu e o eles, não há política”, explicou.
E foi esse sonho que acalentou quando regressou à Síria: contribuir para a educação dos seus compatriotas nas áreas da ciência e da astronomia. Mas o regime de Assad tinha outros planos. Quando Faris propôs ao presidente a fundação de um instituto sobre ciência espacial, a resposta de Hafez Hassad foi clara: nem pensar.
Muhammed Faris tem uma explicação. “Ele quis manter o povo ignorante e dividido, com conhecimento limitado”, até porque é desta forma que “os ditadores se mantêm no poder. Só a ideia de dar às pessoas a visão que um instituto científico podia trazer era perigosa”.
Como recompensa pelos serviços prestados ao país, um desiludido Muhammed Faris foi colocado na Academia da Força Aérea nacional onde ensinou centenas de jovens a pilotar máquinas de guerra. Mais tarde, com a morte de Hafez Assad e a subida ao poder do filho Bashar, em 2000, o ex-astronauta tornou-se conselheiro militar.
De herói nacional a traidor do regime
Em 2011, a vida parecia estar definida para Muhammed Faris. O militar sírio preparava-se para gozar a reforma, depois de anos ao serviço do país. Até que a Primavera Árabe aconteceu.
“Quando os protestos começaram foram em tudo pacíficos, durante meses a fio”, relembrou. E Faris fez parte desse movimento. Ele e a mulher juntaram-se aos protestos em Damasco e pediram uma mudança pacífica. Apesar de sofrerem ameaças por parte dos apoiantes do regime, isso não os travou, pois acreditavam que estavam a defender o futuro do seu país.
Mas as marchas pacíficas evoluíram para uma espiral de violência e aí tudo mudou. Quando foram dadas ordens à Força Aérea síria para começar com os bombardeamentos, tendo como alvo cidadãos do país, e depois de perceber a “lavagem ao cérebro” de que os seus alunos tinham sido alvo, Muhammed Faris abandonou a Força Aérea.
“Ali estavam os pilotos, alguns dos quais eu tinha treinado, a bombardear o nosso povo. Era insuportável e inaceitável”, explica, acrescentando que “eram mantidos em isolamento e nós não tínhamos a hipótese de comunicar com eles. Sofreram uma lavagem ao cérebro, foram levados a acreditar que, se não levassem a cabo estes ataques, os rebeldes iam matá-los a todos”.
De herói nacional, Muhammed Faris transformou-se em traidor do regime, em 2012. Tentou por diversas vezes voar para a Turquia, mas só foi bem sucedido quando passou a fronteira de carro, junto com a família e com os poucos bens materiais que lhe restavam. Ainda hoje se mantém como um dos maiores desertores do regime de Assad.
Hoje reside em Istambul, onde leva uma vida bem mais modesta do que a que tinha na Síria, na companhia da mulher e dos quatro filhos, e onde tenta ajudar os compatriotas que, como ele, tiveram de fugir do país.
Desde que chegou à Turquia têm chovido convites para dar palestras na Rússia e para dar a cara por diversas Organizações Não Governamentais (ONG). Recusou todos os convites. Por um lado, não acredita nesta Rússia, que considera ser bem diferente da União Soviética que um dia conheceu. Por outro, não confia que as intenções das ONG sejam genuínas porque “elas não interferiram quando eram necessárias”, relembra.
O seu novo sonho é só um: poder um dia regressar ao seu país. “Recordo-me de ter dito aos meus filhos que regressaríamos à Síria dali a um mês, no máximo, quando estávamos de partida. Como estava enganado!”, concluiu, em declarações ao Middle East Eye.
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