O livro, com a chancela da Editorial Caminho, é assinado pelo arquiteto Jorge Mangorrinha, que soma anos de investigação de fenómenos musicais, como os festivais da canção e da Eurovisão, em contexto social, e pelo investigador Abel Soares Rosa, que nesta obra lista 50 canções "em homenagem aos 50 anos do 25 de Abril de 1974".
“As influências de poetas de esquerda ou de direita deram origem a movimentos que viam na música uma forma de crítica social e de chamamento a favor ou contra. Todos tinham o sonho de mudar a realidade do mundo, até porque os poetas movem os povos e os músicos criam os sons para construir belas melodias”, lê-se na nota introdutória.
“Canções de Liberdade. A Política Cantada em Portugal e no Mundo (1964-1974)" divide-se em “Lado A”, assinado por Jorge Mangorrinha, e “Lado B”, por Abel Soares Rosa, que olha "para a última década da ditadura portuguesa", através das 50 canções selecionadas, "mas convocando várias geografias”, escreve o investigador.
Mangorrinha define o conceito de “canções de liberdade” que “mais do que o canto de intervenção social”, procuram “o melhor para a sociedade”.
O recurso ao termo “canção de liberdade” resolve, segundo Mangorrinha “o conceito historiográfico que, em diferentes autores, não é consensual, ou é mesmo ambíguo, pois esta é a expressão através da qual este fenómeno pode ser mais bem definido”, sejam canções revolucionárias, rebeldes, políticas, patrióticas, de autor, de texto de protesto, de crítica, de conteúdo político ou de compromisso.
Soares Rosa refere que “a canção comprometida, de protesto, de intervenção e de luta, pode assumir diversas formas”.
“Nem sempre uma música com atitude apela à luta armada ou à revolução, ou mesmo aos direitos dos cidadãos”, acrescenta Soares Rosa, para quem “uma canção de amor pode ser revolucionária, assim como pode apelar à rutura do quotidiano e à denúncia da hipocrisia das mentes conservadoras e da falsa moral burguesa”.
“Uma música sem letra até pode inspirar fortemente a mudança”, escreve Abel Soares da Rosa, que publicou, em novembro passado, “Santa-Bárbara, capista de Zeca”, sobre o artista gráfico que concebeu as capas de diferentes álbuns do criador de "Grândola, vila morena".
Entre as 50 canções selecionadas, além das inevitáveis de José Afonso, José Mário Branco, Sérgio Godinho, sem esquecer temas como a “Canção dos Verdes Anos”, de Carlos Paredes, “Trova do Vento que Passa”, por Adriano Correia de Oliveira, e "Resiste", de Luís Cília, constam também “The Times they Are-Changin’”, de Bob Dylan, "We shall overcome", por Pete Seeger, ”Revolution”, dos Beatles, e "Imagine", de John Lennon, “War Orphans”, de Charlie Haden, pela Liberation Music Orchestra, e as escolhas estendem-se até títulos como "Amesterdam", de Jacques Brel, e “Désabilez-Moi”, de Juliette Gréco.
Miriam Makeba (“Beware, Verwoerd!”), Violeta Parra (”Gracias a la Vida”), Nina Simone ("Four Women"), Aretha Franklin ("Respect"), Joan Baez ("Saigon Bride") são outros nomes na lista de Soares Rosa que também conta com Victor Jara ("El derecho de vivir en paz"), Chico Buarque ("Fado tropical"), Caetano Veloso ("É proibido proibir"), Jean Ferrat ("La Commune") e Leo Ferré ("Le Chien"), a par de Fernando Tordo ("Tourada"), Simone de Oliveira ("Desfolhada"), José Cid ("Pigmentação"), Amália Rodrigues ("Abandono/Fado Peniche") e Duo Ouro Negro ("Venho de Longe").
Soares Rosa refere que “a música de resistência utilizou os meios que a indústria oferecia". "Raras foram as organizações políticas, sindicatos ou movimentos sociais que editaram os seus próprios discos com discursos, canções de combate, hinos, promovendo mensagens e ideais, sabendo que a divulgação desses trabalhos nem sempre tinha passagem garantida nas rádios”.
Para o investigador “a canção, a música, continua hoje a ser uma ‘arma’, e a cultura é a nossa melhor resistência contra a ameaça global do populismo e da extrema-direita, que persiste”.
“Há muito em jogo, a luta continua e a música é parte integrante desses caminhos pela liberdade”, defende Abel Soares da Rosa. "Expressa sentimentos e a sua utilização é uma forma de abrir os olhos [...] para as questões que afligem o mundo e [é] uma expressão do amor coletivo”, lê-se na nota introdutória à obra.
Mangorrinha baliza cronologicamente este trabalho entre 1964 e 1974, o ano da Revolução de Abril. O ano de 1964 “lança uma espécie de vibração coletiva para que dois anos depois Brian Wilson, líder dos Beach Bois, escreve ‘Good Vibrations’”, afirma.
Em termos históricos, Mangorrinha sublinha que “a formação de canções com estas características remonta à Revolução Francesa [em 1789]”, excluindo porém “os hinos religiosos do puritanismo inglês, por causa da necessidade de se criarem blocos sociais quase sempre em confronto".
São canções, afirma Mangorrinha, para “se ouvir de olhos abertos”, pois foram compostas num “processo de troca entre artistas e público, entre passado e presente, o que permitiu a materialização de novas e alternativas formações sociais”.
Mangorrinha cita o poeta e músico Boris Vian, ao defender que “uma canção atrai pela música e perdura pela letra”.
“As Canções, em si mesmas, podem não mudar o mundo, mas certamente têm a capacidade de mudar as mentes das pessoas que podem mudar o mundo”, afirma Mangorrinha, também ele poeta, com obra gravada por Teresa Radamanto, Ana Laíns e Sidónio Pereira e coautor, com João Carlos Calixto, de "Portugal 12Pts. Festival da Canção".
A temática da canção, durante os anos que abalaram a música e o mundo, foram abordadas também, em diferentes perspetivas, quando passam 50 anos sobre o 25 de Abril, em obras do musicólogo Luís de Freitas Branco ("A Revolução antes da Revolução", Zigurate) e José Jorge Letria ("Abril também se fez a Cantar", Guerra & Paz), que em tempos escreveu o "Tango dos Pequenos Burgueses".
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