Miguel Esteves Cardoso escreveu um dia que há uma importante fronteira que separa o norte do sul de Portugal: a fronteira da utilização da salsa (mais a norte) ou dos coentros (mais a sul).

É certo que as diferenças gastronómicas entre o norte e o sul do país não se resumem a ervas aromáticas, mas não deixa de ser verdade que a influência do Atlântico e do Mediterrâneo, bem como as respetivas dietas – que neste contexto significam hábitos ou padrões alimentares de comer e beber – faz-se sentir à medida que descemos do Minho em direção ao Algarve.

Com menos tempo de estudo do que a sua congénere mediterrânica, a dieta atlântica “pode ser definida como a dieta dos povos que viviam na orla do Atlântico, mas Atlântico na costa europeia e não na costa americana”, conta-nos Manuela Vaz Velho, professora no Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC) e investigadora deste tipo de alimentação.

“Por uma série de fatores, como as guerras sucessivas e invasões, os países nórdicos ou da Europa do Norte perderam esses hábitos [de alimentação] tradicionais, pelo que neste momento a dieta atlântica está referida como a dieta tradicional da região Norte e Centro de Portugal, da Galiza e das Astúrias”, continua.

“São estas as regiões em que a dieta atlântica mantém o seu conceito mais tradicional, e portanto será nestas regiões que podemos encontrar as receitas e os ingredientes que caracterizam a dieta atlântica”, prossegue a professora do IPVC.

E mesmo quando pensamos em pratos tradicionais de Portugal, “pensamos claramente no cozido à Portuguesa, no bacalhau com todos, no caldo verde (outra referência nacional)”, sendo que “nenhum destes pratos são pratos mediterrânicos, não há ingredientes mediterrânicos na sua composição, não há formas de cozinhar mediterrânicas na sua composição”, acrescenta ainda Manuela Vaz Velho, como que a demonstrar que Portugal é sobretudo um país “atlântico” no que toca à sua dieta, sendo o Minho uma das principais regiões nacionais onde isso é mais evidente.

Apesar de unidas pelo azeite (um dos poucos ingredientes comuns a ambas), as dietas atlântica e mediterrânica são bastante diferentes, sendo um exemplo disso um prato bastante comum no nosso país: as sopas.

“As sopas não são tradicionais do Mediterrâneo, são tradicionais do Atlântico – só as minestrones [tipo de sopa originário de Itália] é que são sopas do Mediterrâneo.

A dieta atlântica e os seus benefícios para a saúde

Por falar em sopas, recentemente um grupo de investigadores do IPVC desenvolveu uma sopa específica para idosos com recurso a farinha de couve, ou seja, “em vez de usar as couves frescas, migadas, usa couves desidratadas e que tem benefícios para a saúde dos idosos, que daí retiram proteína, fibra e cálcio”, conta Manuela Vaz Velho.

Contudo, os benefícios da dieta atlântica não estão limitados a esta sopa.

“Devido a um estudo português, [realizado a um universo de 820 pessoas com doenças cardiovasculares), verificou-se que a mortalidade era menor nos pacientes que tinham hábitos alimentares atlânticos”, explica a professora do IPVC, acrescentando ainda que “esse estudo [Oliveira, Lopes e Rodríguez-Artalejo, publicado em 2010 no American Journal of Clinical Nutrition] correu mundo e em 2013 foi publicado outro estudo, neste caso com um grupo de população espanhola (10231 indivíduos > 18 anos), onde da mesma forma foi demonstrado que os hábitos do padrão alimentar atlântico estavam relacionados com a menor incidência de marcadores de doenças cardiovasculares”, o que tende a demonstrar os benefícios da uma alimentação baseada no peixe e vegetais (como as referidas couves), para citar alguns exemplos de produtos que fazem parte deste tipo de alimentação.

E é aqui que entra o Minho, que recentemente lançou a sua Carta Gastronómica e em que a dieta Atlântica tem um peso fundamental.

Manuela Vaz Velho diz que hoje em dia “entramos num supermercado e vemos que os slogans que nos atraem para a compra de determinados alimentos estão completamente alterados [relação ao passado]” e que “atualmente buscamos por produtos naturais sem aditivos químicos, locais, frescos”, assim como “alimentos pouco processados, simples, mas da época”.

Ora, sendo certo que este tipo de produtos são importantíssimos para a gastronomia de qualquer região, é também verdade que no Minho isso tem particular relevância, uma vez que as “receitas tradicionais da Carta Gastronómica do Minho estão [genericamente] associadas a uma época do ano, produto da época é a cara do Minho e na Carta Gastronómica isso reflete-se também. As estações do ano estão lá refletidas”, refere Manuela Vaz Velho, antes de elogiar a publicação recente do referencial gastronómico minhoto.

“Uma região com a minhota deve ter esse referencial. A força da gastronomia minhota obriga a que exista esse referencial. Esta região é muito particular no seu receituário gastronómico e diferente. As referências [da Carta]mantém-se nos hábitos alimentares, mantém-se na cultura familiar. Foi um excelente trabalho, vai ter frutos e o Minho merece ser usado como uma referência numa cultura gastronómica tão rica”, termina.

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