“Este concerto de 1987 é sobretudo um encontro em forma de dueto de amor entre Amália e o público, com as guitarras de fundo”, disse à agência Lusa o coordenador da edição discográfica, Frederico Santiago.
Frederico Santiago referiu que, "como é óbvio", em 1987, Amália já não estava no auge da sua voz, tinha 67 anos e "quem se concentrar apenas nas falhas vocais torna-se ridículo, pois com aquela idade e com aquela carreira atrás, não ter a voz cansada seria impensável".
"Mas a voz era só uma parte do génio da Amália, todas as outras partes até se aprofundaram; a maneira de frasear e de improvisar, a comunicação com o público, a medida de espetáculo e até o gosto que tinha pelo risco artístico”, afirmou.
O responsável realçou à Lusa o facto de Amália, neste concerto, ainda estrear repertório, nomeadamente do compositor Alain Oulman, "Soledad", com poema de Cecília Meirelles e “Prece”, de Pedro Homem de Mello, que não tinha sido ainda editado em disco.
Dois poetas que Amália já cantara: Homem de Mello é autor de “Povo que Lavas no Rio” e “Cuidei que Tinha Morrido”, entre muitos outros, e Cecília Meirelles de “As Mãos que Trago” e “Naufrágio”.
Estes concertos tinham sido alvo de uma edição em vinil em 1987, numa caixa com três LP.
"Essa edição incluía partes dos dois dias – 03 e 04 de abril -, e tinha um eco insuportável. Nesta nova edição, o som vem das bobines originais e não da mistura feita para o vinil, e inclui o registo integral do primeiro dia, bem como partes do segundo”, explicou Frederico Santiago.
A edição em CD inclui ainda um texto de Jorge Muchagato, "um historiador que há muito tem investigado profundamente a carreira da fadista".
“Amália começou a dar recitais, em Portugal, muito tarde. Aquilo que ela fazia desde os anos 1940 no resto do mundo, só aconteceu em Portugal na década de 1980”, disse Frederico Santiago, referindo que o primeiro concerto a solo de Amália Rodrigues em Portugal foi em 1985, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa.
“A Amália em recital não aconteceu em Portugal antes de 1985", ou seja, “aquilo que é habitual, e excessivo tantas vezes, nos fadistas de hoje, dar um concerto, só aconteceu à Amália em Portugal em 1985, 40 anos depois de o ter começado a fazer pelo mundo inteiro, fruto por um lado da mentalidade tacanha e conservadora do Estado Novo, que não via um fadista, mesmo tratando-se da Amália, digno de cantar sozinho num espetáculo e da cegueira pós-revolucionária que odiava o fado e, muito em particular, a grandeza da Amália”, disse o responsável.
Este concerto de 1987, que foi o seu segundo concerto em Lisboa, inclui quase todos os maiores êxitos de Amália: “Ai Mouraria”, "Gaivota", "Lágrima", “Povo que Lavas no Rio” ou “Maria Lisboa”, entre outros.
"A ovação depois de 'Povo que lavas no Rio' foi um dos momentos mais comoventes na carreira de Amália e, pode dizer-se mesmo, na história do espetáculo mundial, como a Amália comentou a propósito dessa noite, 'Eu não volto a ver aquilo'", disse.
Outro CD de Amália deverá sair em dezembro, intitulado “Fados’67”, que reúne todos os fados e canções gravados em estúdio pela fadista com o Conjunto de Guitarras de Raul Nery, entre 1966 e 1968.
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