
Entre quedas ensaiadas e personagens em construção, que vivem narrativas pessoais e em articulação com outros lutadores, o wrestling faz-se de mais do que suor e acrobacias, fundindo combate e teatro no ringue.
O circuito nacional procura ancorar-se em mais eventos, e maior dispersão geográfica, e o Porto acompanha a tendência, como no WrestleFest, que juntou adeptos e lutadores entre luzes, cordas e aplausos - a próxima paragem será o evento “Morte Súbita”, a 07 de junho, no Ginásio Clube de Corroios (Setúbal).
A par dos eventos, uma nova academia dedicada a esta prática tem convertido curiosos em aspirantes a lutadores como John Cena, Dwayne ‘The Rock’ Johnson ou Saraya, dentro de um ginásio na Rua Faria Guimarães, no Porto.
Durante um treino, no interior do Six-pack Academy, Mauro Chaves, conhecido no ringue como “Baltazar”, dá indicações aos seus alunos, enquanto conta à Lusa o que motivou a abertura da escola, em outubro de 2024.
“O grande objetivo da Invicta Wrestling é adquirir um ringue [para o Porto, que ainda não há,] e não é barato”, explicou o lutador, de 32 anos.
Mauro Chaves destacou ainda que o wrestling em Portugal precisa de mais investimento e profissionalização, apesar de, “no espaço de três anos, haver espetáculos de norte a sul de Portugal”, algo que considera “surreal”.
Natural de Sintra, Mauro Chaves descobriu a paixão pela modalidade aos 10 anos, mas só aos 19 deu os primeiros passos no ringue, no Centro de Treinos de Wrestling (CTW), em Lisboa, e foi no Wrestling Portugal (WP) que desenvolveu habilidades até à estreia oficial, na Taça Tarzan Taborda em 2014.
Com poucas oportunidades no país, o lutador seguiu para o Reino Unido, onde permaneceu durante cinco anos, tendo regressado durante os anos da pandemia de covid-19, determinado a abrir caminho para quem, como ele em criança, via o wrestling como um sonho distante.
“Gosto de wrestling desde miúdo, mas durante anos não houve nada no país. O WP era em Lisboa. Em outubro do ano passado, esse sonho ganhou pernas para andar”, contou à Lusa o aluno Pedro Silva, de 28 anos, natural de Valongo.
Também é comediante de ‘stand-up’ e vê semelhanças entre os dois mundos, porque “ambos os palcos exigem entrega e capacidade de entreter”.
“No fundo, é tudo arte e a arte só existe com público”, declarou.
Já Rita Lopes, 19 anos, entrou para a Invicta Wrestling em março deste ano, e vem todas as quintas-feiras de Esposende, Braga, motivada pelo sonho de um dia se tornar lutadora profissional, mesmo que o seu entusiasmo não leve à compreensão da escolha por quem a rodeia, como a avó, a única pessoa da família que sabe da prática, sem apoiar por completo.
“A minha avó não percebe que isto é uma ‘performance’. Acha que andamos mesmo à porrada e que ‘não é coisa de menina’”, apontou, depois de um treino na academia.
Para a aspirante, “ainda há poucas oportunidades” no país, mas acredita que, se conseguir alcançar os seus objetivos, “talvez outras raparigas também queiram experimentar”.
Se a escola é onde se sonha, foi no Porto WrestleFest, realizado no Ideal Clube Madalenense, em Vila Nova de Gaia, no distrito do Porto, a 17 de maio, que os sonhos ganharam forma.
Organizado em parceria com o Portugal WrestleFest, sediado em Lisboa, o evento atraiu fãs como Daniela Teixeira, 23 anos, residente no Porto, que cresceu a ver a produtora americana World Wrestling Entertainment (WWE) e aproveitou o espetáculo para conhecer o panorama nacional.
“Grande parte dos eventos são sempre em Lisboa”, lamentou à Lusa, defendendo que “deveria haver uma regionalização” da modalidade.
A paixão pelo wrestling ultrapassa regiões, como prova Teresa Posadas, 29 anos, que viajou desde Sintra para assistir ao Porto WrestleFest.
“Isto é muito mais que luta. É teatro, compromisso, paixão. Os lutadores envolvem-se emocionalmente,” afirmou.
Mauro Chaves vê essa emoção como essencial na construção dos lutadores – o nome de ringue que carrega é uma homenagem à mãe, Paula Baltazar, que já morreu.
O lutador defende que deve existir “um fundo de verdade” nas personagens, de modo a gerar conexão com o público, acrescentando que, ao contrário de outros lutadores que escolhem ser ‘face’ [bonzinhos] ou ‘heel’ [vilões], o seu Baltazar acaba por se “moldar” consoante a narrativa.
“O Baltazar voltou da pandemia como o bom da fita. Depois, ganhou um título e virou mau, porque queria ser campeão. Mais tarde, as pessoas voltaram a gostar dele e decidimos trocar. Tem tudo a ver com a história”, esclareceu.
Quem partilha essa visão é Cláudia Freitas, conhecida como Cláudia Bradstone, natural de Queluz, Lisboa, que descobriu o wrestling ainda em criança, influenciada pelo pai que lhe passou “o bichinho”.
“Durante muitos anos eu tentei ir buscar coisas que eu não era e falhei completamente. Nunca consegui criar uma conexão genuína com o público. Após várias tentativas, finalmente comecei a perceber que tinha de ser um bocadinho mais eu própria. E funcionou”, contou à Lusa.
Neta de Matateu, antiga lenda do futebol do Belenenses, a lutadora, de 32 anos, iniciou a prática em 2009, no WP, tendo surgido a oportunidade de treinar em Inglaterra, em 2014, trabalhando hoje entre terras britânicas e Espanha.
Atualmente, acompanha com entusiasmo o crescimento do wrestling em Portugal e reconhece que o cenário atual é “incomparável ao de há 10 anos”, contudo realça que, tal como Mauro Chaves, continua a ter de conciliar a modalidade com outra profissão.
Atento à ação no ringue e ao entusiasmo do público, Luís Duarte, um dos organizadores do Portugal WrestleFest, falava à Lusa sobre a ambição de elevar o wrestling nacional a um novo patamar.
“O objetivo passa por profissionalizar a modalidade, especialmente a produção e a apresentação dos espetáculos”, sublinhou, acrescentando que esse esforço “implica trabalhar muito com as autarquias e com as comunidades locais”.
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