Dinamizado há cerca de uma década, o projeto “Educar pela Arte” tem levado o cante alentejano às crianças do pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico, as quais, semanalmente, aprendem na sala de aula modas do cancioneiro tradicional do Alentejo.

“Acho estas aulas fixes, porque gosto de cantar”, conta à agência Lusa o pequeno Martim, de 7 anos, aluno da turma G do 2.º ano do Agrupamento de Escolas de Ourique.

Sentado à secretária, com o estojo e os manuais escolares arrumados a um canto e uma cópia da letra da canção “Castelo de Beja” nas mãos, Martim revela que também aprendeu algumas modas com a mãe e que, “às vezes”, canta em casa.

A sua preferida é a “Moda do Assobio”, num gosto partilhado com a colega de turma Iara, da mesma idade, que também assume gostar muito das aulas de cante alentejano: “Gosto de cantar com os meus colegas e costumo cantar em casa”.

As aulas de cante alentejano neste agrupamento escolar são orientadas por José Diogo Bento, também ele cantador e membro de diversos projetos musicais, que reconhece que o futuro desta tradição pode passar por projetos desta natureza.

“Antigamente, as crianças aprendiam as modas com os seus familiares e, nos tempos de hoje, isso já não acontece assim. O contacto que hoje em dia as crianças têm com o cante alentejano começa aqui na escola e o futuro, certamente, passa por aqui”, diz.

José Diogo Bento acrescenta que, na sua opinião, o “objetivo principal” deste projeto não passa por fazer com que as crianças envolvidas “sejam cantadores no futuro, mas sim que possam ser ouvintes”.

“Que saibam ouvir e saibam aquilo que é o cante alentejano, para que possam respeitar aquilo que é a sua tradição”, frisa.

O ensino do cante alentejano nas escolas de Ourique partiu da câmara municipal, através do projeto “Educar pela Arte”, lançado em 2009/2010 e já reconhecido com dois prémios de âmbito nacional.

“Ter o cante alentejano nas escolas é a melhor forma de salvaguardar este património”, justifica à Lusa o presidente do município, Marcelo Guerreiro.

De acordo com o autarca, este trabalho “tem-se vindo a intensificar” nos últimos anos, “pelo interesse que o cante veio a suscitar”, após a classificação desta manifestação cultural como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), há 10 anos, em 27 de novembro de 2014.

Por isso, “iremos certamente, no futuro, continuar a aprofundar este mesmo trabalho, a criar as condições para que possamos trabalhar o cante alentejano nas nossas escolas e a transmitir este património tão importante às nossas crianças”, garante Marcelo Guerreiro.

As aulas de cante alentejano nas escolas de Ourique acabaram por ser igualmente a ‘semente’ da qual ‘germinou’ o grupo coral infantil deste concelho, que começou os ensaios em janeiro de 2023 e, atualmente, envolve cerca de 40 crianças, dos 6 aos 12 anos.

Apesar da sua curta existência, os jovens cantadores já atuaram diversas vezes e até partilharam o palco com artistas como Buba Espinho e Luís Trigacheiro, ambos alentejanos, estando previsto também que participem no espetáculo do primeiro, a 18 de janeiro de 2025, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa.

Para os elementos do Grupo Coral Infantil de Ourique, esta tem sido uma experiência que lhes tem ‘enchido as medidas’.

“Tenho gostado dos ensaios, de ir aos concertos e isso tudo. E, além de ser fixe, realizei um sonho: ir cantar com vários cantores famosos”, conta à Lusa Janine, de 12 anos, antes de mais um ensaio do grupo.

Também João Francisco, de 10 anos, assume que tem gostado muito de cantar neste grupo coral infantil, que integra desde o primeiro ensaio.

“Gosto de cantar e sentia-me à vontade para vir”, diz, lembrando que, antes de fazer parte do grupo coral, “já cantava, porque tinha aulas na escola”.

Agora, no palco do centro de convívio da vila, alinhados em três filas e de braços cruzados, João Francisco, Janine e os restantes cantadores do grupo começam por entoar a moda “Fui colher uma romã”.

O ponto e o alto são indicados por José Diogo Bento, que ‘veste o fato’ de ensaiador e, no final da interpretação, faz os acertos necessários antes de nova tentativa.

“Esta acaba por ser mais uma oportunidade que as crianças têm de aprender algo mais sobre o cante alentejano, embora já seja mais exigente”, nota José Diogo Bento.

Segundo o ensaiador, os mais novos já olham para o cante alentejano “de uma outra maneira” e o grupo coral infantil “acaba por ser o futuro” desta tradição no concelho: “Esperamos que os pais e toda a comunidade possa estar envolvida, porque só assim é que isto pode andar para a frente”.

* Carlos Pinto (texto) e Nuno Veiga (fotos ), da agência Lusa