Enoque cresceu rodeado de música, fosse em casa, no culto aos domingos ou nos grupos de jovens evengélicos. Cantar era-lhe natural, depois tornou-se algo sério.

Durante muito tempo viu a música como um hobby, não como uma carreira. Estudou Marketing e foi ginasta (trampolins). Mas o maior salto deu-o depois dos outros reconhecerem em si talento e o incentivarem a ganhar autonomia enquanto artista.

Agora a solo, conhece bem os palcos. Colaborou com Héber Marques, primeiro como back vocals dos HMB, depois ao partilhar com a banda o sucesso do single “Naptel Xulima” em 2014. Com eles fez estrada, começou a escrever os seus próprios temas e encontrou a sua identidade enquanto artista.

Assinou ainda temas com Áurea, Anselmo Ralph ou Sara Tavares e ao lançar o primeiro trabalho em nome próprio reconhece que o maior desafio foi encontrar a sua voz no meio de tantas referências. Tem-se escrito que será a próxima cena da música portuguesa, porém, o músico prefere não ter ilusões e garante seguir o seu caminho com os pés bem assentes na terra.

"Na Tua Mão" já chegou às lojas e Enoque sai do estúdio para colocar-se nas mãos de quem o queira ouvir e partir à descoberta desta jornada que partilhou em conversa com o SAPO24.

Esta sexta-feira à noite dá, na FNAC do Colombo, em Lisboa, o último de uma série de dez showcases.

Nasceste no Brasil, mas vieste aos 3 anos para Portugal. O que é que veio contigo?

Os meus pais trouxeram [para Portugal] a cultura, a gastronomia, a música, alguns hábitos como a maneira de falar... Então, quase que acabei por crescer neste cruzamento das duas culturas. Ia para a escola onde aprendia a escrever o português de Portugal, mas em casa tinha todo um outro mundo brasileiro.

De que região do Brasil são os teus pais?

De Minas Gerais.

Mas hoje não tens sotaque nenhum.

Acabei por perder. Quando lá ia de férias acabava por recuperar, mas já não vou há muitos anos.

Quando foi a última vez que voltaste?

Em 2010, já foi há oito anos.

Como é que nasce a paixão pela música?

A música, na verdade, sempre esteve comigo. Os meus pais vieram para Portugal numa organização cristã. Cresci no meio cristão-evangélico onde há muita música. Todas as nossas celebrações acabam por ter música, com mais ou menos instrumentos. A minha mãe tocava guitarra e o meu pai baixo. Apesar de que, para mim, cantar era uma coisa natural, algo que toda a gente fazia bem. Só mais tarde é que fui percebendo que não era assim tão normal. Foi nos grupos de jovens que fui percebendo que tinha algum jeito e fui apaixonando-me por cantar e, mais tarde, por aprender a tocar instrumentos.

Enoque é um nome bíblico e é o teu nome no BI, não um título que escolheste para te apresentares artisticamente. Que significado tem o teu nome para os teus pais?

Os meus pais escolheram-no porque tinham um amigo, nessa organização onde trabalhavam, que se chamava Enoque. E eles admiravam-no muito por ser uma pessoa muito dada e muito dedicada. Gostavam tanto dele e do nome que decidiram dar-mo.

Para quem não sabe, na Bíblia quem foi Enoque?

Enoque é uma personagem bíblica do Antigo Testamento, que Deus tomou para si.

Ainda fazes parte de um coro gospel?

Já não. Aliás, nunca participei num coro. Fui back vocals do Héber Marques [dos HMB], num projeto evangélico que ele tem. Também foi nesse meio que comecei a escrever canções, as primeiras tinham letras sobre Deus.

"O teu trabalho vai ser aquilo que te vai fazer levantar de manhã. E a minha motivação, aquilo pelo qual me sentia realmente apaixonado, era a música"

Qual é o momento em que percebes que a música é o que queres, dado que entretanto estudaste Marketing e Publicidade?

Quando terminei... Aliás, ingressei na faculdade na mesma altura em que comecei a participar com os HMB ao vivo. Ao longo da minha licenciatura foram acontecendo muitas coisas, no que à música diz respeito, gravei uma canção para uma novela, por exemplo. Para mim, o facto de esta ser uma indústria difícil e uma vida instável, daquilo que observava...

Não é um trabalho das 9h00 às 17h00, com um ordenado fixo ao final do mês...

Sim. Então, a estudar, encarava a música como um hobby. E pensava: quando terminar [o curso] vou trabalhar na área do marketing e quando puder faço música. No final da licenciatura, foi quando começou a bater mais este momento decisivo, o momento em que penso: ‘Enoque, o que é que queres fazer para o resto da tua vida?'. Foi também [nesse período] que decidi.

créditos: Enoque com os HMB na Casa da Música, em 2015 | Hugo Moura

Referias agora que encaravas a música como um hobby e li numa outra entrevista que o trabalho com os HBM era, para ti, um part-time que não vias como carreira. Quando é que essa mudança se dá e dizes 'isto é para ser a tempo inteiro'?

Quando comecei a compreender que aquilo que escolhesse ia ditar a minha vida. Porque o facto de ter um hobby é bom, mas o teu trabalho vai ser aquilo que te vai fazer levantar de manhã. E a minha motivação, aquilo pelo qual me sentia realmente apaixonado, era a música. Foi um momento difícil, até mesmo para os meus pais. A expectativa que tinham não era a de que quisesse fazer música, até porque eu nunca tinha mostrado esse interesse. Acho que foi isso, o momento em que tive de tomar uma decisão. Estou muito satisfeito por [tê-lo feito] e ter escolhido a música.

Como é que esta amizade com o Héber surgiu?

Através do meio cristão. Nós conhecemo-nos num grupo de jovens e adolescentes, apesar de eu ser muito mais novo do que ele.

Tu és bastante novo, que idade tens?

25 anos.

...

Nesse grupo de jovens fazíamos muitas atividades e usávamos muito as artes. Aliás, esse grupo ainda existe e continua a atuar da mesma forma. E, assim, começámos a tocar ao vivo. Nessa altura percebi que sabia cantar e as pessoas até me diziam: 'tu tens jeito para isso'. O Héber foi uma dessas pessoas que viu o meu talento e a partir daí a nossa amizade foi crescendo e foram surgindo oportunidades a nível profissional. Ele apoiou-me em tudo o que fui fazendo e acabou por dar um empurrão na minha carreira.

Nos últimos anos foram muitas as bandas que surgiram de circuitos religiosos, na maioria evangélicos ou baptistas, para o ouvido do grande público. Quem ouve a música não tem de saber qual o percurso da banda ou do músico, mas a música pode ser um veículo para espalhar uma mensagem espiritual?

Depende das circunstâncias... Acho que a música tem também uma componente espiritual. Então, a música que faço ou farei nunca vai ser muito distante daquilo que sou e em que acredito. Dificilmente me ouvirás a cantar músicas a dizer asneiras ou esse tipo de coisas. Porque não tem a ver comigo. Apesar de a minha música não falar sobre Deus, as pessoas vão perceber a mensagem que transmito. Que é uma mensagem positiva, pode até ser romântica, mas sempre numa perspectiva positiva.

O teu primeiro disco intitula-se "Na Tua Mão". Que significado tem este título? Na mão de quem?

Nas mãos de todas as pessoas que me quiserem ouvir. O tema com o mesmo título foi uma das primeiras canções que escrevi e, talvez por isso, também tenha um significado especial, pela jornada tão grande que foi começar a escrever e começar a encontrar a minha identidade enquanto artista, enquanto mensagem e enquanto aquilo que eu queria cantar e escrever. Até ao momento em que isto se torna um disco e em algo que as pessoas possam passar por uma loja e ver, ouvir e quem sabe dar-me uma oportunidade. Agora, está nas mãos das pessoas ouvir aquilo que eu tenho para cantar.

créditos: Enoque ao vivo | Hugo Moura

Antes escreveste alguns temas para outros músicos. Fala-nos um pouco sobre essa fase.

Surgiu muito do meu relacionamento com o Héber.

O Héber é um pilar importante nesta “jornada”?

Sim. No processo de escrita destas canções que fazem parte do meu disco... passámos muito tempo juntos a trabalhar e com ele comecei a ter outras propostas para escrever para outras pessoas. E acabei por entrar nesse processo. 'Olha, tenho aqui umas canções para escrever para a Áurea, não queres fazer isso comigo?'. Desafiou-me. Para a Áurea, para o Mickael Carreira e para outros músicos. Esse foi também um processo que me fez crescer enquanto compositor de canções. Era tudo muito recente para mim, o Héber já tinha muita bagagem e eu fui aprendendo e desenvolvendo com ele. É muito bom quando tens alguém do teu lado que já cometeu vários erros e já sabe como é que a coisa se faz. [Melhor] do que estar totalmente sozinho. Foi uma oportunidade e uma aprendizagem muito boa, que me abriu, também, algumas portas para mais tarde escrever para outras pessoas em nome próprio.

"Gravar um primeiro disco, pelo menos para mim, foi muito tentar encontrar o meu som e a minha identidade"

Há alguém para quem gostasses de escrever no futuro? Um sonho?

Neste momento o meu sonho é fazer a minha música e chegar a toda a gente. Começar a ver as pessoas a cantar as minhas canções e ter a oportunidade de fazer palcos, por Portugal e quem sabe lá fora.

Do lançamento do primeiro single, em 2016, ao lançamento do álbum, em abril deste ano, foram dois anos. Dois anos, acredito, de composição e produção. O que se passou neste período e como é que decorreu?

Foi [pausa]... muitas vezes frustrante, muitas vezes feliz... Acho que gravar um primeiro disco, pelo menos para mim, foi muito tentar encontrar o meu som e a minha identidade. Que acho que de certa forma ainda estou à procura. Mas acaba por ser um processo que tem de fazer parte das tuas vivências. Quando estás a escrever canções convém também ter alguma coisa para dizer de interessante. E acho que esse foi um pouco o desafio. Também pelo facto de ter trabalhado com o Héber e ter começado, já mais no fim, a fazer parte da produção das minhas canções. Algumas foram mesmo praticamente todas produzidas por mim, num processo onde fui ganhando autonomia. No início não tinha expectativas de que isto viesse a ser disco, por isso é que foi um processo mais longo. Não havia aquela [ideia] do 'olha, tens até ao dia x para terminar isso'. Aprender a escrever em português também foi um desafio, que a nossa língua por vezes é tramada. Um 'I Love You' pode soar melhor que um 'Amo-te'... Para aquilo que queria fazer em português, meti um grande grau de exigência na maneira como escrevia.

créditos: Enoque com os HMB no NOS Alive, em 2017 | Arlindo Camacho

Para além do trabalho com o Héber, colaboraste também com os HMB. Esta vossa proximidade traz maiores responsabilidades? Isto é, preocupa-te que as pessoas não saibam distinguir onde terminam os HMB ou onde termina a influência do Héber, e onde é que começa o Enoque?

É aquela pressão que não queres sentir, mas que está lá na mesma. Qualquer artista que está a começar acaba por ser influenciado por aquilo que o rodeia e pelo que ouve mais. O facto de também já andar na estrada com os HMB já há algum tempo fez com que desenvolvêssemos uma amizade muito grande, temos gostos muito parecidos. Artisticamente, muitas vezes, vamos beber aos mesmos sítios.

Que sítios são esses?

Muita música soul e R&B, maioritariamente norte-americana. Talvez também pelo facto de ser muito jovem quando comecei a estar com eles. Estavam a conversar e eu tipo 'okay, não estou a perceber nada'. Obrigou-me a educar-me [musicalmente]. E isso acabou por colocar os nossos gostos muito próximos. Como te dizia antes, o facto de, já no fim, começar a pôr mão na produção e muitas das canções já serem escritas só por mim também me ajudou a descobrir a minha identidade. Há parecenças, claro, são cantadas em português, têm soul, funk, R&B...

Como foi, então, colaborar com o Anselmo (“Jura”) e com a Áurea (“I Feel Love Inside”)?

O Anselmo conheci por ocasião do meu primeiro single ["Nunca é bom demais"]. Ele gostou bastante, tivemos oportunidade de nos conhecermos pessoalmente e ficou a ideia de fazermos uma coisa juntos. Já tinha a canção na gaveta e pensei que fazia todo o sentido que fosse essa. A colaboração acabou por ser muito bem sucedida. Gostei muito do resultado final e ele também. Às vezes olhamos para um artista, que já está cá há muitos anos, e pensamos que ele não deve estar com muita paciência para estas coisas, mas não; ele foi super acessível. Estar em estúdio com ele foi também uma aprendizagem. Com a Áurea também foi tudo muito natural; a canção era uma das que eu e o Héber tínhamos escrito para ela, e então o convite, para mim, fez todo o sentido. Foi uma honra, não é? Partilhar o tema com uma cantora como ela, que é incrível, e ser uma canção que me diz muito. Fiquei muito orgulhoso dos resultados.

"Acredito que tudo o que é feito com trabalho e com esforço eventualmente dará frutos"

Tem sido dito que és 'a próxima grande cena da música nacional'. Como é que lidas com esta expectativa?

O facto de já estar a trabalhar na música há algum tempo fez-me perder um pouco essa coisa da expectativa. Tento não me iludir muito, ter os pés assentes no chão e saber que... É como começar um negócio: tens de dar tudo e na verdade não sabes se as pessoas vão lá comprar, e se gostam do que tens à disposição. Tento ser fiel a mim mesmo e verdadeiro. E acredito que tudo o que é feito com trabalho e com esforço eventualmente dará frutos.

E o que é que o público te tem dito?

Tem sido surpreendente ver tanta gente a comprar o disco. Porque hoje em dia é preciso gostar mesmo para se comprar um disco. Mas tem sido bom. Ver pessoas a deixar comentários positivos nas redes sociais...

Ter comentários positivos nas redes sociais é mesmo um bom sinal...

[Risos] Sim, nos dias que correm... Mas eu não lido mal com a crítica. Gostos são gostos. E tanto a crítica positiva como a negativa fazem-me crescer, perceber o caminho.