São 14:00 e um grupo de cerca de 50 homens desloca-se em passo apressado para o Centro Islâmico do Bangladesh - Mesquita Baitul Mukarram. Vai começar a oração.
É neste espaço que o imã Abu Sayed afirma, em declarações à Lusa, que não há muitas diferenças entre Portugal e o Bangladesh, lamentando apenas o facto de estar longe da família.
“A única diferença é que as pessoas não têm família, estão aqui a viver sozinhas. As pessoas ficam tristes por não ter cá a família”, conta o líder religioso, que mora no bairro desde 2010. Diz estar feliz por viver em Portugal, destacando a simpatia dos portugueses.
A cerca de 600 metros, encontra-se a sede da Associação Renovar a Mouraria, no Beco do Rosendo. À porta está a vice-presidente, Filipa Bolotinha, que explica que a associação ajuda a integrar as comunidades imigrantes, através dos vários projetos que desenvolve no bairro há 12 anos.
“Fazemos visitas ao bairro em que os guias são imigrantes. Através das suas histórias pessoais e das suas culturas mostram o bairro para o público em geral e para as escolas. Temos um jornal comunitário que espelha a multiculturalidade do bairro”, sublinha, orgulhosa, a dirigente.
Filipa Bolotinha refere que a Mouraria mudou muito desde 2008, passando de uma zona “marginal e desconhecida” para um dos espaços mais procurados por quem pretende experiências culturais e gastronómicas do sul da Ásia.
“Tornou-se num bairro cosmopolita mais frequentado por gente jovem que procura a oferta étnica de restaurantes”, observa, salientando que a comunidade imigrante foi abrindo espaços comerciais ao longo dos anos.
À semelhança de outros bairros da cidade, a Mouraria tem sofrido com a especulação imobiliária, que tem levado as pessoas para outros locais.
“Sentimos que o bairro está vazio, porque são habitantes de curta duração, não só pelo turismo… Ficam aqui por dois ou três meses”, conta Filipa Bolotinha. O que se pretende para o bairro, diz, é que as pessoas vivam numa comunidade que englobe todas as culturas.
A creche Encosta do Castelo é um dos exemplos mais paradigmáticos de integração. Neste espaço há 32 crianças de seis nacionalidades.
No edifício gerido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a diretora, Teresa Moita, conta num tom orgulhoso como é a vivência diária neste “caldo cultural”, em que predominam crianças nepalesas.
“Por volta dos 02 anos, eles começam a dizer algumas palavras em português. Apesar de ainda não falarem muito, tudo aquilo que nós dizemos eles percebem”, descreve.
Já com os pais das crianças a estratégia de comunicação “é diferente”, uma vez que a maior parte “não fala muito português”. Nesses casos a alternativa é o inglês ou o recurso a livros de imagens.
É na Rua do Benformoso, uma das artérias mais multiculturais de Portugal, onde cheiros exóticos inundam o olfato, que se encontram dezenas de espaços comerciais que fazem qualquer pessoa sentir-se como se estivesse a milhares de quilómetros.
Numa loja de artigos dos Himalaias, atende Kopila Dil Karki, imigrante nepalesa, com um sorriso envergonhado. “Gosto dos portugueses e de Portugal”, afirma a comerciante, de 36 anos, enquanto embrulha um anel.
Kopila chegou a Lisboa em julho de 2007, após ter conhecido no Nepal um empresário português com quem se casou. “Ele foi comprar material e visitar o Nepal e conhecemo-nos lá. Quando chegámos cá abrimos a loja, em 2008”, conta.
Hoje, gosta mais da comida portuguesa: “Eu gosto de tudo. Gosto mais do que a nepalesa. A nepalesa tem comida mais à base do arroz, legumes, carne, picante e caril. Há muito caril”.
Com um português quase perfeito, Moin Uddin Ahmed, bangladeshiano de 32 anos e residente em Portugal há 10, aponta várias diferenças em relação ao seu país: “A roupa, a comida, a cultura, a música. É um outro mundo”, salienta, admitindo, contudo, que há também algumas semelhanças.
“Eu não sabia que falamos cerca de 1.500 palavras em português no Bangladesh, como janela, saia, pagar”, exemplifica, acrescentando que as ligações entre Portugal e a sua pátria são visíveis também no património religioso cristão erigido naquele país do sudeste asiático.
Moin viveu na rua e passou fome. Atualmente trabalha no Centro Nacional de Apoio ao Imigrante. “Decidi não pensar nas coisas por que passei. O que aconteceu, aconteceu. Fui aprender português para exprimir as minhas emoções”, relata.
É num dos corredores do Centro Comercial Mouraria, junto à praça do Martim Moniz, que se encontra Nita Kumar Balvantrai, proprietária de uma pequena mercearia.
Num ambiente acolhedor, entre especiarias do Índico, a moçambicana, de 57 anos, diz que gosta de viver na Mouraria e que há harmonia entre todas as comunidades do bairro.
Para esta descendente da comunidade indiana de Moçambique, a língua hindi é fundamental para quebrar as barreiras linguísticas: “Toda a gente entende. Conseguimos lidar com todos. Conseguimos lidar com as diferentes religiões e eu sinto que Deus é único e é o nosso pai. Há uma relação humana e mais nada”.
Numa deslocação ao bairro, o sheik Munir, principal líder da comunidade islâmica em Portugal, aproveita para cumprimentar com um “salaam aleikum” (“que a paz esteja contigo”) algumas caras conhecidas.
Contudo, quando questionado sobre a multiculturalidade na zona, o seu rosto fecha-se e revela algum desconforto. No seu entender, o Benformoso converteu-se num “gueto” e num foco com potencial de radicalismos e fundamentalismos.
“Pode haver aqui discursos de radicalização, de alguma agressividade e discursos de fomentar ódio e nós não queremos isso. Não é que isso tenha acontecido. Nós estamos a prever o que possa acontecer se as pessoas não se sentirem integradas”, alerta.
O sheik Munir refere que o conceito de multiculturalidade “é muito bonito”, mas sublinha que “a realidade não é um filme”.
“O que eu posso fazer para me integrar? Aprender a língua portuguesa, a cultura portuguesa e alguns hábitos. A prática da religião é importante. A nossa identificação nacional é portuguesa”, comenta.
De acordo com dados provisórios, não validados, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, na cidade de Lisboa existiam 4.697 bangladeshianos e 7.691 nepaleses em 2019.
Em 18 de dezembro de 2019, a base de dados Pordata divulgava que os nepaleses e os franceses foram os estrangeiros residentes em Portugal que mais aumentaram nos últimos 10 anos. No entanto, a maior comunidade imigrante residente no país é a brasileira.
Os nepaleses a viver em Portugal aumentaram 21 vezes entre 2008 e 2018, embora não ultrapassem os 11.487. Em 2018 viviam no país 26.445 britânicos, 24.856 chineses, 14.066 espanhóis e 11.340 indianos.
* Fábio Canceiro e João Moura Lacerda (texto), Hugo Fragata (vídeo) e Mário Cruz (foto), da agência Lusa
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