A peça, que se estreou originalmente em 1979 e foi uma “resposta subversiva” do dramaturgo húngaro George Tabori à aclamada “Mãe Coragem” de Bertold Brecht, vai ser apresentada pela primeira vez em solo nacional, encenada por Jorge Silva Melo, dos Artistas Unidos, que não hesita em considerar que o nome mais adequado para o espetáculo seria “a lata da minha mãe”.

“Lata”, porque consegue salvar-se com uma mentira, ao enfrentar um soldado alemão e afirmar que a sua prisão é ilegal, porque tem um salvo conduto da Cruz Vermelha, documento que, naturalmente, não possui, mas mesmo assim, consegue escapar ao destino que lhe estava reservado juntamente com outros quatro mil judeus deportados de Budapeste para Auschwitz em julho de 1944.

Esta é a história real de Elsa, que aos 55 anos sai de sua casa, em Budapeste, para ir jogar cartas com a irmã, e é presa para ser conduzida para o campo de concentração de Auschwitz, mas ao fim de 12 horas, de algumas aventuras e uma mentira, consegue escapar-se, regressar de comboio a Budapeste, e chegar a casa da irmã para o jogo de cartas.

“A coragem da minha mãe” é uma “história autêntica” que Tabori recolheu da mãe já velhinha: “Quando ele volta à Áustria encontra-se com a mãe, já teria 80 anos, que lhe conta a história deste dia maluco que ela viveu em 1944, portanto no fim da guerra”.

“A mãe tinha escrito umas coisas sobre este dia especial da vida dela, para dar ao filho que era escritor. O filho pôs aquilo mais bonitinho do que a mãe tinha escrito, então [na peça] a mãe está sempre a dizer ‘olha que não é bem assim’, há um dialogo entre ele e a mãe, em que ele recolhe confidências muito íntimas da mãe e do horror dos campos de concentração, ao mesmo tempo que a mãe se diverte com as histórias: ‘os policias eram uns gordos que nem conseguiam correr atras de mim para me prender, e eu é que tive de ficar à espera deles para me prenderem’”, conta o encenador à Lusa, afirmando tratar-se de uma “história muito cómica, muito filme burlesco americano”.

Jorge Silva Melo sublinha que esta peça tem sempre presente a perspetiva de Tabori de que é preciso “fazer troça do Hitler e do nazismo” e não se pode “ter medo”.

“É um herdeiro, de certa maneira, de ‘O Grande Ditador’, do Chaplin”, afirmou

A peça consiste na narração do episódio por Pedro Carraca, que interpreta George Tabori, com algumas correções e ajustes no relato que vão sendo feitas por Antónia Terrinha, no papel da mãe.

São dois atores em palco, até um dado momento, em que entra em cena uma terceira personagem, o soldado alemão com quem a mãe fala e que acaba por autorizá-la a partir, interpretado por Hélder Braz.

Fora isso, são várias outras personagens que se apresentam na história, mas apenas através de vozes gravadas.

O espetáculo é montado no centro do placo, vazio, com uma poltrona onde se senta a mãe e uma cadeira para o filho, embora este esteja quase sempre de pé, deambulando pelo palco enquanto fala, ou entrado na casa da mãe, um cenário secundário, lateral ao palco principal, que apenas se consegue entrever pelas portas abertas.

Um piano, um cadeirão, mesa e cadeiras, uma cómoda com um naperão, um radio e uma candeeiro, são alguns dos elementos que se conseguem ver do interior dessa casa.

Na opinião de Jorge Silva Melo, “A coragem da minha mãe” é também uma peça “muito ternurenta”.

“Há aqui uma admiração pela mãe e por esta esperteza saloia da mãe que a ajuda a vencer. Não é uma peça que nos exorte aos grandes atos heroicos, não fala de heroísmo, não fala de resistência, fala de esperteza para sobreviver”.

O espetáculo “A coragem da minha mãe” nunca antes foi apresentado em Portugal, e esta é a primeira vez que Jorge Silva Melo encena Tabori, apesar de ter editado há alguns anos várias peças de George Tabori, nos “Livrinhos de Teatro”.

No entanto, salvaguarda que a versão portuguesa é uma tradução da tradução alemã, porque o original inglês foi perdido pela última mulher de Tabori, que o traduziu para alemão.

Esta peça estava prevista há dois anos, quando a companhia de Jorge Silva Melo começou a rever a tradução e a tratar da calendarização. Começaram a trabalhá-la no ano passado, depois veio a pandemia e só agora estão a conseguir estreá-la.

Mesmo assim, com alguns receios: “Virá gente não virá? Temos tido pouquíssimo público com os ‘Quartos’ [de Enda Walsh], há várias sessões que não se chegam a realizar, em que não há nenhum espectador”, contou.

Em relação a esta, “não sabemos como será, nem como serão as próximas”.

“A coragem da minha mãe” vai estar em cena entre os dias 18 de novembro e 19 de dezembro, das 19:00 às 20:30, aos dias de semana. Por enquanto, devido às medidas de contingência contra a propagação da pandemia, não se vão realizar sessões ao fim de semana.