Em outubro, quando decidiu visitar o parque com uma amiga, Jojo Thompson assistiu ao peru a aproximar-se de algumas pessoas. Para jogar pelo seguro, Thompson e a sua amiga refugiaram-se atrás de uma árvore, o que não resolveu o problema. A história é relatada pelo britânico The Guardian.
Gerald focou-se nas adolescentes e começou a persegui-las de forma ameaçadora. O peru perseguiu-as pela colina acima, até fora do parque. Durante a fuga, a jovem perdeu os seus dois sapatos, mas conseguiu filmar.
"Tinha ouvido falar dos seus ataques, mas nunca pensei que isso me pudesse acontecer", disse Thompson, citada pela publicação. "Tudo o que podíamos fazer era fugir".
De acordo com uma contagem de relatos online feita pelo The Guardian, Gerald assediou mais de 100 pessoas em 2020. Enquanto algumas vítimas descreveram apenas terem sido perseguidas, outras afirmavam ter sofrido lacerações das suas garras e apresentavam nódoas negras. Pelo menos uma pessoa alegou ter ido ao hospital para levar pontos. Apesar de nem todos os relatos terem sido verificados, as entrevistas com as vítimas e a confirmação de fotos e vídeos de ataques provaram muitos.
"Ele tinha este hábito de vaguear pelas escadas do jardim, quase a desafiar as pessoas a caminharem para cima ou para baixo", disse Maria Hunt, que foi atacada pelo peru duas vezes em 2020. "Gerald era como bicho papão alado, um Cerberus do Jardim das Rosas. Teria sido cómico se não tivesse sido tão ameaçador".
Na mitologia grega, Cérbero ou Cerberus não mais era do que um cão monstruoso de várias cabeças, que guardava a entrada do reino subterrâneo dos mortos.
O comportamento agressivo do peru Gerald alcançou um estatuto quase mítico em partes da cidade da Califórnia nos últimos seis meses. As histórias sobre o seu "reinado de terror" no local começaram por espalhar-se pela cidade e acabaram a fazer manchetes nacionais e internacionais.
Os relatos eram semelhantes. Gerald avistaria uma vítima do outro lado do jardim e saía a correr, perseguindo-as ou, caso não se movesse, montando-as e arranhando-as até as pessoas fugirem. Segundo conta o Guardian, escolhia frequentemente jovens e os mais velhos, e parecia especialmente atraído por veículos com rodas, incluindo carrinhos de bebé.
Os ataques tornaram-se tão regulares que algumas pessoas não entravam no jardim sem um pau ou um guarda-chuva. Outras deixaram até de ir ao parque por completo. Além de um peru adulto poder pesar até cerca de 11 quilos, consegue correr a 40 km/hora e voar até 88 km/h. Além disto, têm um vasto campo de visão, de 270 graus.
O que tornou Gerald agressivo?
Ninguém sabe ao certo há quanto tempo Gerald anda pelo jardim ou quando lhe foi dado o seu nome. Muitos dos visitantes reconhecem-no pela sua cauda em leque, que tem uma pluma em falta do lado esquerdo. Segundo conta a publicação, Gerald era calmo, mas em finais de 2019 ou princípios de 2020 começou a mudar.
Alan Krakauer, um perito em comportamento de perus, refere que “este não é um comportamento normal" e explicou que os perus machos lutam entre si pelo domínio sobre bandos de galinhas e, ocasionalmente, alguns machos direcionam essa agressão para pessoas.
Existem várias teorias sobre motivo da mudança de comportamento. Alguns visitantes sugerem o facto de as pessoas o alimentarem como a origem do problema e, segundo Krakauer, alimentar perus pode torná-los mais acostumados aos humanos e mais suscetíveis a uma aproximação. No entanto, outros visitantes sugerem que o peru é alimentado há anos.
"Gerald não era um problema até a covid ter aparecido", afirma Susan Jones, que vive junto ao jardim há mais de uma década, acrescentando que nunca tinha visto o jardim tão cheio como nos primeiros meses da pandemia.
A autora Jenny Odell também sugere a pandemia como principal causa. Odell escreveu sobre como nos relacionamos com o mundo natural, How to Do Nothing, sentada no Jardim das Rosas e observou muitas vezes Gerald e sugere que com tudo encerrado, o parque passou a ter muito mais gente, tornando o peru mais agitado.
A cisão da comunidade em torno da solução para Gerald
Os assédios de Gerald geraram um debate sobre o que deveria ser feito: evitar visitas ao parque, mudar o peru de local ou mesmo eutanasiá-lo?
As discussões geraram vários tópicos online e envolveram três agências municipais, o departamento de Pesca e Vida Selvagem da Califórnia e até chegou a ser chamado um especialista em caçar animais. O debate provocou uma cisão na comunidade, entre os que defendiam o abate do animal e os que tinham intenção de protegê-lo.
A 29 de maio, a cidade fechou o jardim para dar espaço a Gerald e "treinar o peru para manter distância dos humanos". A decisão atiçou ainda mais os que estavam contra o peru, que alegavam que as pessoas não deviam ser privadas de espaços verdes, principalmente durante a pandemia. O treino também não resolveu o problema.
Contra a vontade de muitos, Gerald ia ser morto a 22 de junho.
Mas mais uma vez o debate cresceu nas redes sociais e surgiu uma petição da Change.org para salvar o peru e rapidamente reuniu mais de 13 mil assinaturas. Os vizinhos preocupados enviaram e-mails aos serviços de animais de Oakland e à cidade, um grupo de defesa dos direitos dos animais com sede na Virgínia, chamado United Poultry Concerns, juntou-se à campanha e um santuário de animais ofereceu-se para acolher Gerald.
Durante este período, estavam a ser distribuídos panfletos que diziam "Procura-se", que incentivavam à matança de Gerald. Mas esta atitude deu lugar a uma onda oposta, começaram a surgir homenagens artísticas a Gerald, pintando-o como um deus egípcio.
Perante o retrocesso numa solução, a cidade começou a procurar alternativas e acabou por ser decidido capturar e deslocar Gerald para uma parte menos povoada da cidade. No entanto, a captura revelou-se complicada.
De acordo com relatos na região de Oaklandside, o pessoal dos serviços de animais e do departamento de Pesca e Vida Selvagem da Califórnia utilizou redes de solo, armas de rede e um guarda-chuva pintado para se assemelhar a um peru macho, tudo sem sucesso. Tentaram até usar os seus alimentos favoritos: mirtilos e amêndoas. Em junho, mais de 20 voluntários tinham tentado capturá-lo, mas todos sem sucesso.
Foi necessário recorrer a Rebecca Dmytryk, diretora dos Serviços de Emergência da Vida Selvagem, um grupo privado de voluntários sediado na costa central da Califórnia. A diretora, que se descreve como especialista em caçar animais, foi a responsável pela captura do animal.
Agora, a nova casa de Gerald era um pedaço de terra selvagem nas colinas de Berkeley, propriedade de uma companhia elétrica que tinha concordado em permitir ao peru viver por lá.
Porém, a calmaria pouco durou. Segundo o departamento de Pesca e Vida Selvagem, Gerald encontrou o caminho para o recreio de um novo parque no espaço de uma semana. Posteriormente, foi capturado e levado para outra localização.
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