O projeto, com quase 20 pessoas em palco, entre atores, cantores e instrumentistas, tem as suas primeiras apresentações em Coimbra, entre quinta-feira e sábado, num espetáculo que junta a companhia conimbricense A Escola da Noite, com uma forte tradição vicentina, e o Bando de Surunyo, grupo que tem dado vida a manuscritos musicais dos séculos XVI e XVII.
O desafio surgiu por parte do próprio Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV) aos dois grupos, sendo agora realizado em coprodução também com o Centro Dramático de Évora, o Centro Dramático Galego, o Teatro Nacional São João e a produtora Artway.
No palco, cantores e atores confundem-se – tanto cantam como interpretam -, numa peça que tem como figura central uma forja gigante (frágua), que prepara Portugal para um novo tempo, prometendo transformar e refundar quem nela entra – um escravo negro, a justiça ou um monge.
“A mim, sempre me interessou muito o lado sonoro e musical dos espetáculos e tinha vontade de trabalhar Gil Vicente com músicos e músicas. Havia sempre música, mas nunca tinha havido um encontro que proporcionasse ter quase uma miniorquestra e cantores [em palco]”, disse à agência Lusa o encenador António Augusto Barros.
Em cena, procurou uma “simbiose” entre o discurso falado e o discurso cantado, recordando que um crítico de Gil Vicente chegou a referir-se a esta peça como verdiana antes de Verdi existir.
A escolha da peça, escrita precisamente há 500 anos, é justificada pela forte presença da música em “Frágua de Amor”, onde Gil Vicente também se mostra como um homem do Renascimento e um músico, referiu Augusto Barros, notando que o espetáculo é escrito numa altura em que o dramaturgo procurava “uma certa sofisticação”.
O diretor musical do espetáculo, Hugo Sanches, do Bando de Surunyo, diz à Lusa que houve uma preocupação de pegar no texto e criar “uma coisa fluida”, com a peça a ter já em si, no seu formato original, uma forte presença de música.
No entanto, neste projeto, foi-se “além disso”, e surgem momentos da dramaturgia que acabam a ser musicados e cantados, mesmo que não houvesse indicação de Gil Vicente para tal.
“Esta peça tem referência a pelo menos quatro peças musicais que se conheciam na altura e bastava elas serem mencionadas que as pessoas reconheciam logo – eram como os ‘hits’ da altura. Nós incorporámos essas peças, mas fizemos também uma coisa que se chama ‘contrafacta’, que é usar uma melodia no cancioneiro da altura e meter o texto de Gil Vicente. Outra parte foi feita com peças que existiam naquela época, mas não são referidas por Gil Vicente, e ainda há composições originais baseadas nos processos de composição da altura”, aclarou.
O resultado final leva a que a música apareça como “mais um elemento, não um elemento que está a colorir, mas que fica impregnado na própria peça”, vincou Hugo Sanches, envolvido no projeto da Universidade de Coimbra “Mundos e Fundos”, de recuperação de manuscritos musicais dos séculos XVI e XVII do Mosteiro de Santa Cruz.
Para o músico e investigador, ter a possibilidade de transpor a dimensão performativa que existia nos concertos da altura “é espetacular”.
“Muita da música que descobrimos no ‘Mundos e Fundos’ era associada ao teatro, de alguma forma. Aqui, tivemos a oportunidade de finalmente, num contexto de teatro, poder fazer isso e, para mim, é uma alegria brutal”, realçou Hugo Sanches, assumindo que já era “um sonho antigo”.
A peça é apresentada na quinta e sexta-feira, às 21h30, e, no sábado, às 18h30 no Teatro Académico de Gil Vicente, em Coimbra. Os bilhetes podem ser adquiridos aqui e custam sete euros.
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