No mesmo dia em que foi conhecido um estudo do IPAM (Instituto Português de Administração de Marketing) que revela que o Festival da Eurovisão da Canção reconquistou as famílias portuguesas, entrámos na casa de Jaime e Elsa Guilherme para assistir à primeira semifinal do evento.
Conhecemo-los à saída do Family Show, um espetáculo dirigido às famílias por se realizar na tarde que precede o espetáculo ao vivo (Live Show), semelhante ao da noite embora ainda sem votações. Joana, 11 anos, e Inês, 9 anos, as filhas, seguravam em pequenas bandeiras nacionais. Sem vergonha, perguntámos se às 20h00 nos podíamos sentar no sofá da sua sala e partilhar da experiência de uma noite eurovisiva em família. Aceitaram. Trocámos números e moradas. Perfeito, não ficava muito longe da Altice Arena. “Até já!”.
Tocámos à campainha pela hora combinada. As pizzas, porque não podiam faltar num serão destes, essas, chegaram pouco depois. Faltavam minutos para começar a primeira semifinal e eles já sabiam como tudo ia acontecer. Se tudo corresse bem — que correu —não haveria surpresas.
Lá está ele, o hino da Eurovisão. Há também nele algo de familiar. Segue-se um vídeo com os principais pontos turísticos da cidade de Lisboa. "Ficou bem bonito", diz a mãe. "Sim, mas mete em HD que isto merece", responde Joana, a filha mais velha.
"Lá vêm elas", as apresentadoras. Joana prefere vestido da Catarina Furtado. "É tão bonito", viria a dizer várias vezes ao longo da noite.
Elogios também para o palco, "bem mais giro que o do ano passado". Recorda-se Kiev e o momento da pontuação, "Portugal, 12 pontos". Como foi emocionante ouvir "Portugal" tantas vezes e em tantos sotaques. "Protugal, Purtogal, Pórtugale", brinca Joana tentando imitar.
"Olha, olha, aqui é quando eles entram para preparar o palco", comenta Inês. É esta a magia de eventos como o Family Show, onde se mostra como tudo se faz, e como se faz, até chegar ao produto que vemos na caixinha mágica. "São precisos dez homens para ajudar a preparar o vestido da concorrente da Estónia", partilha Joana.
Azerbaijão com Aisel. Começou o desfile dos dezanove temas que esta terça-feira, 8 de maio, competiam por um lugar na final. Inês sabe a letra de "X My Heart" e canta-a. "Aquele senhor é português". Fala-se de Rui Andrade. Explicamos em tom de brincadeira que o Azerbaijão tem mais portugueses em palco que a representação nacional, quatro ao todo nos coros.
"Gosto desta canção que vem a seguir, a do rapaz da Islândia. Apesar de achar que puxa um bocado para o natalício", diz a mãe. Era a vez de Ari Ólafsson com "Our Choice".
Eugent Bushpepa pisa o palco em representação da Albânia. "Mall" não merece comentários.
Perguntamos a Joana se a Eurovisão é um tema que chega às conversas da escola. Umas amigas alinham, outras não. "Elas, o ano passado, gravaram na escola a música do Salvador", conta a mãe. "Este ano, porque temos um coro, cantamos "O Jardim", diz-nos a filha mais velha.
Vez da Bélgica. A música de Laura Groeseneken, "A Matter Of Time", arranca comparações a temas do imaginário de James Bond.
Já Mikolas Josef, da República Checa, e a trupe que o acompanha despertam a atenção das duas filhas da família. Fazem-se apostas sobre se a mochila que enverga tem algo lá dentro ou se é um mero acessório da atuação. E se tem, se o iria revelar. "Parece que ele vem da escola", diz a mais nova. A acrobacia com que termina gera alguma preocupação. Recorde-se que o músico teve um acidente, nos primeiros ensaios, que o levou ao hospital. Correu tudo bem.
O tema da Lituânia recebe elogios. Joana e Inês não parecem aborrecidas por voltarem a ver o que, quatro horas antes, lhes foi apresentado no palco da Altice Arena. "A grande diferença é mesmo o som. Lá tem muito mais impacto, é quase físico", diz a mãe. O pai aumenta o volume.
Ao intervalo o tema do Azerbaijão é o favorito. "Mas ainda vai haver muito firework em palco", diz Elsa. A expressão utilizada por Salvador Sobral pouco depois do momento em que sabe que é o grande vencedor da edição de 2017 ficará, pelo menos nos próximos anos, no vocabulário eurovisivo.
A grande favorita, até esta terça-feira, nas tabelas de apostas, Israel, não tem fãs lá por casa. "Gostava de ver a cara do Salvador", diz a mãe perante a atuação de Netta. "Ele estará a ver?", perguntamos nós. "Ele é o culpado disto tudo [da Eurovisão acontecer em Lisboa], tem de estar", brinca a mãe.
O próximo é Alekseev da Bielorrússia. A apelidada "música da rosa" traz detalhes que no espetáculo ao vivo não davam para perceber. Como o momento em que uma bailarina dispara, via arco e flecha, uma rosa que, com pontaria, acaba nas mãos do cantor. "Ele está a tremer", diz Inês. "Pudera, está a cantar para mais de 200 milhões de espetadores no mundo inteiro", argumenta a mãe.
Chegou a vez da Estónia. Finalmente. O tema de Elina Nechayeva, "La Forza", era um dos mais aguardados lá em casa. Culpa do vestido onde são projetadas imagens criando um efeito visual "majestoso". A voz também é elogiada. "É a Elsa do Frozen", diz Joana.
"Não parece a Sia?", pergunta a mais velha. "Quem?", responde a família. Falamos do elemento feminino do grupo que se segue, os Equinox, da Bulgária. Tranquilizamos Joana, "não és a única, há muita gente que faz essa comparação".
"Vai mudar de vestido. Olhem, já mudou. Mas ainda vai mudar outra vez", comenta Inês. Refere-se aos adereços de Marija Ivanoska, a voz dos Eye Cue, representante da Macedónia.
"Tu gostaste desta, não gostaste mamã?", diz Joana no momento da apresentação do tema da Croácia. "Mas isto ao vivo tem outro impacto, os graves da música..." e o pai volta a aumentar o som para tentar recriar o momento. "Mais alto, mais", pede a mais nova. "Mais não, ou os vizinhos, não tarda, também estão aqui no sofá a ver connosco", brinca.
Novo intervalo. O Azerbaijão continua nas preferidas de Inês, ainda que o tema antes apresentado também esteja entre os seus favoritos. "Então e Israel?, pergunta-lhe a mãe. Quem responde é, porém, o pai, "foi a que menos gostei desta semifinal". "Isto é porque tu és muito tradicional", pica a esposa, "és um fã de José Cid".
"Vem aí a da Irlanda, agora. Eu gosto do tema", diz a mãe. "Não, vão fazer outro intervalo para mostrar a vitória do FC Porto", ironiza o pai aludindo ao que aconteceu por duas vezes durante a gala em direto do Got Talent Portugal. "Uma falta de respeito para quem estava a assistir em casa, mas sobretudo para os concorrentes", critica a mãe.
Não era a da Irlanda a que se seguia, mas sim Cesár Sampson, a voz que representa a Áustria. "Para fugir um pouco ao José Cid, esta é gira", brinca o pai. "E ainda é capaz de ganhar...", prevê.
A concorrente da Grécia canta em grego para surpresa da sala. Pouco antes se tinha comentado que os países deviam apostar mais na sua língua materna. Ouve-se "Oniro Mou" e há mais um momento de fogo-de-artifício em palco. Brinca-se novamente e tenta-se imaginar qual a reação de Salvador Sobral a assistir ao espetáculo. "Nestes momentos deveria aparecer uma frase a dizer "Sorry, Salvador", diz a mãe.
A filha mais nova recorda então uma conversa que teve durante a tarde com a irmã. Tinha perguntado porque é que gosta da Eurovisão. "Porque é uma forma dos países se darem a conhecer pela música", responde novamente Joana.
Segue-se a Finlândia e vem um bolo caseiro de chocolate para a mesa. "Esta podia entrar já amanhã na playlist da Rádio Comercial", comenta o pai. Saara Aalto, a cantora, certamente não se importaria.
Faltam apenas quatro temas para fechar esta primeira semifinal. É agora a vez de Sevak Khanagyan, da Arménia, que também optou por trazer um tema na sua língua materna, seguido pelos ZiBBZ, grupo da Suíça. Estes últimos a surpreender pelo uso de duas tochas em palco. Joana recorda que durante a tarde alguns fãs tentaram ficar, como recordação, com o que restava do artifício já apagado.
O pai explica às filhas que a Irlanda detém o recorde de número de vitórias, sete. Ryan O'Shaughnessy já cantava no palco da Altice Arena, iluminado pelas lanternas dos telemóveis. "Antes era com isqueiros, até doer os dedos", diz-lhes.
O "Fuego" de Eleni Foureira, representante do Chipre, aquece plateia. "Olha a gritaria, parece a Shakira a chegar ao palco", diz a mãe. Joana e Inês gostam desta. E a olhar para as casas de apostas, não são as únicas. Imitam a dança e dizemos-lhes que se forem ao YouTube já têm um vídeo que ensina toda a coreografia. Algo nos diz que o farão.
Cerca de uma hora e meia depois, chegamos ao fim dos dezanove temas. É o momento da votação, mas antes tempo para recordar cada uma das canções. Joana arrisca nas dez que passarão à final: Azerbaijão, República Checa, Lituânia, Bielorussia, Estónia, Áustria, Grécia, Irlanda, Chipre e Suíça. Israel fica de fora, em casa da família Guilherme receberia zero pontos.
O momento que se segue recorda o tema que nos trouxe até aqui. Num vídeo, "Amar pelo Dois" é cantado por alguns dos intérpretes que disputaram com Salvador Sobral o troféu. Silêncio na sala. Faz este domingo um ano que Salvador Sobral disse à Eurovisão que "música é sentimento". "Isto é comovente, passado tanto tempo isto ainda comove", diz a mãe.
Aproveitamos o intervalo para fazer um balanço. "Receber a Eurovisão em Lisboa é a melhor forma de comemorar os vinte anos da Expo 1998", diz a mãe. "E terá retorno a curto e longo prazo. É um postal do que temos para mostrar, mas também do que somos capazes de organizar. Para contrariar um pouco aquelas vozes que não nos atribuem mérito", argumenta.
O entusiasmo pela Eurovisão, esse, acham que irá perdurar. "Há uma era antes e pós-Salvador. Independentemente dos resultados, vamos continuar a acompanhar o festival com este folgo que foi recuperado", dizem.
Sem atuação, mas com um vídeo gravado no espetáculo para o júri, que aconteceu esta segunda-feira à noite, Portugal (com um lugar na final por ser o país anfitrião), Espanha e Reino Unido (dois dos "big 5") apresentam as suas canções à Eurovisão. A família gosta da música portuguesa, mas confessa que as suas favoritas, no Festival RTP da Canção, eram as de Catarina Miranda e Joana Barra Vaz. Ainda há uma esperança por voltar a repetir o feito de Salvador Sobral, mas não estão confiantes.
O momento decisivo chegou. Sem demoras, é altura de conhecer os primeiros dez finalistas. Será que Joana acertou? Seis em dez. Apenas Israel, Bulgária, Albânia e Finlândia não estavam na lista da filha mais velha. Juntamente com a República Checa, Lituânia, Estónia, Áustria, Irlanda e Chipre, estes são os primeiros a conquistar um lugar na grande final.
Joana está satisfeita, mas reitera "espero que Israel não ganhe".
A festa eurovisiva termina aqui, por agora. Desta forma, em ambiente familiar, como o festival deve ser vivido. Agradecemos à família Guilherme por nos ter deixado sentar no sofá consigo e contar a sua noite. Em quantas salas de estar se repetiu?
Na quinta-feira competem 18 países pelos últimos dez lugares na final: Noruega, Roménia, Sérvia, São Marino, Dinamarca, Rússia, Moldávia, Holanda, Austrália, Geórgia, Polónia, Malta, Hungria, Letónia, Suécia, Montenegro, Eslovénia e Ucrânia. A final acontece este sábado, dia 12 de maio.
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