A exposição, que abre hoje ao público na galeria Jerwood Gallery, em Hastings, será a primeira a mostrar os cinco desenhos que a pintora portuguesa realizou após uma queda em janeiro deste ano.
Rego, de 82 anos, embateu com a cara num pavimento de cimento, resultando num golpe profundo na testa que precisou de ser suturado no hospital.
Todavia, poucos dias depois, a artista retomou o trabalho e começou a retratar-se a si própria no seu estado contundido, acrescentando uma nova dimensão aos quadros produzidos.
Paula Rego tem poucos autorretratos na sua obra, mas lembra-se de, certa vez, se ter feito representar usando uma máscara de macaco, algo mesmo assim invulgar.
“Eu nunca pinto autorretratos, prefiro pintar outras pessoas. Pintei-me com as feridas porque era interessante, deu-me uma razão para pintar um autorretrato. [O curador da exposição] Colin Wiggins gostou deles e levou-os do meu estúdio. Não tinha nenhuma razão para não os mostrar”, disse a artista à agência Lusa, aquando do anúncio da mostra.
A exposição, que permanece até 07 de janeiro de 2018, vai também apresentar o trabalho mais recente da pintora, uma série de quatro telas inspiradas nas histórias do livro de Hélia Correia intitulado “Bastardia”, vencedor do Prémio Máxima de Literatura em 2006.
A artista considera a narrativa “maravilhosa”, começando pelo primeiro capítulo, que relata “o que as sereias fazem às pessoas”.
“Eu sabia que podia usá-lo para fazer trabalho. Uma das personagens, uma menina, é violada. A avó dela fica tão transtornada que quer morrer, mas não consegue, e um menino cresce a pensar que o pai dele é o mar. No final, o céu é azul, o mar é azul e o menino é azul porque está morto. Maravilhoso”, exaltou.
A exposição foi programada por Colin Wiggins, que trabalhou nos museus Britânico e National Gallery, e abrange 28 anos da carreira de Paula Rego, incluindo gravuras, desenhos, pastéis e pinturas.
Entre os trabalhos já conhecidos estão quadros das séries “A Relíquia”, “O Último Rei de Portugal” e “O Primo Basílio”, desenhos das séries sobre depressão, litografas de “Jane Eyre”, “Peter Pan” e “Nursery Rhymes”, bem como alguns dos bonecos que faz em têxtil para servirem de modelos para as suas pinturas.
Wiggins disse à Lusa ter ficado fascinado quando descobriu os desenhos: “A minha reação inicial foi ficar em frente deles com a boca aberta e dizer: ‘O que raio é isto?'”.
Ao escutar a história da queda e de como Paula Rego escarafunchava os pontos, prolongando a recuperação e também a oportunidade para se pintar a si mesma naquele estado, o curador da exposição admite ter hesitado em pedir, mas Paula Rego não hesitou pareceu preocupada em mostrar os desenhos.
“Perguntei a Paula se, ao fazer esses trabalhos, ela estava, até certo ponto zangada com o declínio inevitável que todos vamos enfrentar se vivermos tempo suficiente. A resposta da Paula ao que eu pensava ser uma questão séria foi simplesmente rir e dizer ‘Oh não, eu só achei interessante ver como é que eu estava!'”, contou.
A Jerwood Gallery completou este ano cinco anos de atividade num edifício situado na orla marítima da cidade costeira de Hastings, onde tem uma coleção de arte do século XX e promove exposições de artistas contemporâneos, estabelecidos ou emergentes.
Para financiar esta grande retrospetiva da obra de Paula Rego, recorreu a uma campanha de financiamento coletivo na Internet (‘crowdfunding’) que superou a meta de angariar 25 mil libras (28 mil euros).
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