O 1.º Out.Fest aconteceu em 22 e 23 outubro de 2004, apresentando, na histórica Sociedade de Instrução e Recreio Barreirense ‘Os Penicheiros’, um cartaz com oito espetáculos e uma exposição. Vinte anos depois, são mais de 30 os espetáculos, ao longo de cinco dias, em vários espaços do Barreiro.
O festival, produzido pela associação OU.TRA, cresceu, e cresceu também o entendimento do que é “exploratório ou experimental” na música. “Felizmente há cada vez menos 'gavetas' na música. Acho que essa evolução, quer do lado do nosso programa quer da abertura das pessoas tem sido gradual e natural”, referiu o diretor do Out.Fest, Rui Pedro Dâmaso, em declarações à Lusa.
O percurso até chegar aqui “em vários aspetos foi fácil”, mas “noutros não tanto”.
“Dificilmente no nosso país um festival como o nosso pode durar 20 anos se não houver algumas circunstâncias a ajudarem-nos. Sentindo-nos privilegiados por podermos fazer isto ao fim deste tempo todo, se calhar até foi relativamente fácil”, disse Rui Pedro Dâmaso.
Em 2004, e durante os primeiros anos, o festival “foi sempre uma coisa muito pouco planeada”. “Acho que foi só um movimento de entusiasmo, de pessoas que gostavam muito de música, das várias dimensões da música: ouvir, fazer, dar a conhecer. Pelo menos nesta parte de dar a conhecer, de ouvir, querer continuar a conhecer música nova, seja feita agora ou tenha sido feita há 50 anos, [o Out.Fest] mantém-se absolutamente inalterado. Esse impulso base é o mesmo”, partilhou.
O grupo de pessoas na génese do Out.Fest cresceu no Barreiro, nas décadas de 1980/90, época em que a cidade “era muito autossuficiente do ponto de vista cultural, até de culturas mais das franjas e das margens”.
“Estamos aqui de alguma maneira a prestar uma homenagem a isso que existia e a tentar passar esse testemunho para gerações mais novas, para que o Barreiro não seja só vivido como um mero dormitório, porque na verdade nunca foi e corre o risco de passar a ser, como várias outras cidades correm”, contou Rui Pedro Dâmaso, fazendo referência ao processo de gentrificação em curso em vários concelhos portugueses, Barreiro incluído.
O Out.Fest só poderia acontecer naquela cidade, que está geograficamente perto de Lisboa – a meia hora de barco ou de carro -, mas continua a ser para muitos demasiado longe.
Rui Pedro Dâmaso acredita que “se um festival com as premissas do Out.Fest acontecesse em Lisboa, se calhar tinha tido mais públicos, ou mais apoios, ou ganhava uma [outra] dimensão”.
“Os exemplos de festivais parecidos com o nosso por essa Europa fora, a esmagadora maioria são em cidades de maior dimensão que o Barreiro. E de muito maior importância relativa para esses países, ou escala, do que o Barreiro é para Portugal”, disse.
No entanto, o Out.Fest só poderia acontecer ali.
“Do ponto de vista da identidade do festival e de um certo paralelo de periferia geográfica com periferia musical - ou esses casamentos conceptuais que depois fomos fazendo, fomentando e descobrindo - talvez [a localização] tenha resultado a nosso favor”, considerou.
O “sentimento de descoberta” está associado a muitos dos artistas e espetáculos propostos pela organização e muitos dos que vão ao festival “às vezes só ‘pré-conhecem’ dois ou três artistas e não os outros 20 e tal, mas estão dispostos a ouvi-los e dar atenção à mesma”.
“Isso tem um paralelo com esta proposta de descobrir o Barreiro também, que não é só para quem vem de fora mas também para muitos barreirenses. Temos noção que às vezes mostramos lados da cidade que as próprias pessoas daqui desconhecem”, disse.
O crescimento do festival tem sido gradual, com a adesão de “mais público de ano para ano, particularmente desde o regresso a seguir à pandemia”.
As edições de de 2022 e 2023 foram aquelas “com mais sucesso ou mais público de sempre”.
“Não estamos a falar de crescimento de 30% de um ano para o outro, mas coisas mais incrementais. Se calhar a saturação que algumas pessoas podem sentir com o rumo que Lisboa tomou levou-as a estarem mais abertas a sair para verem alguma coisa fora da cidade, fora de Lisboa. [Além disso] acho que a nossa reputação também foi ajudando, ainda acontece muito o passa palavra”, afirmou Rui Pedro Dâmaso.
O “crescimento turbo” no Barreiro aplica-se “ao processo de gentrificação da cidade, o preço das casas” mas não ao festival.
Em 2022 passaram pelo Out.Fest “muito perto de quatro mil pessoas”. No ano passado essa meta foi ultrapassada, tendo estado no festival cerca de 4.300 pessoas.
Com estes números, o teto máximo de público, cinco mil pessoas, “dentro do qual o festival é aquilo que tem sido e que permite manter o tipo de modelo e desenho” que tem tido, está quase a ser atingido.
“Se for para ultrapassar tem de haver alguma reconfiguração, porque estamos a chegar ao limite máximo do que o festival pode ser sem perder as características que tem”, disse.
A organização tem noção de que, se o festival acontecesse em Lisboa, teria “a vida facilitada, do ponto de vista de conseguir mais receita direta, ou assim”. No entanto, mudar de cidade “nunca foi uma coisa levada seriamente”.
“Enquanto fazes o festival percebes o que o festival é, e muito do que é tem que ver com o facto de ser no Barreiro e esta dinâmica toda que aqui está”, disse.
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