“A minha razão para fazer o filme era perceber a minha mãe. Era algo pessoal, mas também achei que as outras pessoas poderiam perceber melhor a obra dela”, através deste documentário, criado ao longo de dois anos, segundo o cineasta, em entrevista à agência Lusa.
Em “Paula Rego, Histórias & Segredos”, que já se estreou no Reino Unido, pela BBC2, a 25 de março – com “grande sucesso”, segundo o realizador – é traçado um retrato íntimo da vida da artista, revelando-se os episódios recorrentes de depressão, a relação complexa com o marido, o também artista Victor Willing (falecido em 1988), os casos extraconjugais de ambos, os abortos, a relação com a família e os problemas financeiros.
“Ela já me tinha contado algumas histórias, mas eu não sabia que tinha sofrido tanto com a depressão, por exemplo. Fiquei comovido porque quando era criança, e a minha mãe não falava, era muito fechada, pensei que a culpa era minha. Agora percebo muitas coisas. Foi uma libertação para mim e para ela fazer estas revelações”, disse o realizador, numa entrevista à agência Lusa.
Paula Rego saiu de Portugal com apenas 17 anos, para estudar em Londres, na Slade School of Fine Art, incentivada pelo pai, que repudiou o regime de Oliveira Salazar.
Na escola de artes viria a conhecer o marido, que era, na altura, já considerado um dos melhores alunos, muito promissor, vindo a tornar-se numa das pessoas mais importantes na vida da pintora, como orientador do percurso artístico de Paula Rego.
“Eram ambos artistas e ela ficou mais famosa, mas, curiosamente, o meu pai nunca teve ciúmes da minha mãe”, comentou Nick Willing que realizou, entre outros, os filmes “O Caçador de Segredos” (1997), “Alice” (2009) e também séries como “Olympus” (2015).
A ideia de fazer um filme sobre a mãe surgiu quando foi negociada com a autarquia de Cascais a criação da Fundação Paula Rego, para a gestão do Museu Casa das Histórias.
“Nessa altura falei mais com a minha mãe e ela contou-me algumas coisas. Depois eu quis saber mais e pensei no filme”, recordou o realizador, acrescentando que sentiu muito medo no início.
Por várias vezes, Nick Willing, ao montar o filme, receou que tudo corresse mal: “Perguntei-me, e se isto estragar a vida da minha mãe, a obra dela?”
Mas decidiu prosseguir: “As obras dela são tão mágicas. A minha mãe começa sempre com uma história, mas depois muda-a e entra a sua história pessoal, íntima. E é isso que lhe dá um poder”, comentou.
Os abortos, as depressões, as dificuldades financeiras em Portugal e em Londres, mostram que a pintora “sofreu muito”, mas foi ultrapassando as suas crises “com o apoio da família e da pintura”.
Nick Willing disse que Paula Rego – que continua a pintar diariamente, no seu ateliê, em Londres, aos 82 anos – “gostou muito do filme”.
“A minha mãe inventa muitas coisas nos quadros, mas esta é a sua história verdadeira, e tem um poder real. Ela disse que o filme era honesto e que não tinha truques, e gostava disso”, acrescentou o realizador, que, enquanto criança, nunca podia entrar no ateliê, e agora finalmente conseguiu, aos 56 anos.
Paula Rego fechava-se no ateliê e os filhos – Nick e as duas irmãs – batiam à porta para tentar entrar, embora soubessem que a mãe separava muito bem os universos do trabalho e da família.
Nestes dois anos, além dos segredos, Nick Willing descobriu um conjunto de pinturas guardadas por Paula Rego, ainda inéditas, numa série sobre a sua própria depressão, que foram revelados em março, numa exposição em Londres, na Galeria Marlborough, que representa a artista.
“Estou muito orgulhoso da coragem da minha mãe. Ela sempre teve medo. Viveu num mundo dominado pelos homens, mas conseguiu fazer coisas mais importantes do que eles. É uma pessoa muito extraordinária”, concluiu.
A ante-estreia do filme, em Portugal, está prevista para 4 de abril, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e será acompanhada, nessa semana, pela inauguração de uma nova exposição na Casa das Histórias, em Cascais, também designada “Paula Rego. Histórias e Segredos”, com 80 obras da artista e do seu marido, Victor Willing.
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