A “neurose” de corresponder à sua exigência de escrita, de “fazer algo bonito e emocionalmente importante”, explicou, em entrevista à Lusa, o escritor, nascido na Argentina, em 1973, criado na Suécia e residente nos Estados Unidos.

Embora escreva desde criança, foi só em 2017 que Hernán Diaz publicou o seu primeiro livro, “Ao Longe”, depois de passar “muitos, muitos, muitos anos” a ser rejeitado, tendo escrito anteriormente um romance que não foi publicado.

Contrariando esse historial, “Ao longe” chegou ao mercado de forma surpreendente, como finalista do Pulitzer e do PEN/Faulkner, e este ano lançou o segundo romance, “Trust”, que foi nomeado para o Prémio Booker, um dos mais importantes da língua inglesa.

“Ao longe” foi publicado em Portugal este ano pela Livros do Brasil e “Trust” chegará ao mercado nacional em fevereiro do próximo ano.

“Eu não escrevo com um prémio em mente, apenas escrevo o livro que quero escrever. Durante muitos anos, ninguém me publicou, durante muitos, muitos, muitos anos, e de repente o ‘Ao longe’ saiu e tudo isto aconteceu. Foi desorientador e confuso, muito alegre também, mas cria igualmente alguma pressão”.

O escritor reconhece que a fasquia está elevada e confessa algum medo, mas tenta não se deixar intimidar: “claro que é algo que me atravessa a mente e penso nisso de vez em quando. Acho que há um certo nível de ansiedade antes de começar um novo projeto, mas tem mais a ver com querer fazer algo bonito, que faça sentido, que seja emocionalmente importante para mim, e essa é para a mim a principal fonte de pressão, a minha própria neurose”.

Foi o que aconteceu com “Ao longe”, a história de um rapaz sueco, Hakan, que desembarca na Califórnia, sozinho, sem dinheiro nenhum e sem entender uma palavra de inglês, com o único propósito de se encontrar com o irmão mais velho, na costa oposta, em Nova Iorque, onde acredita vir a obter uma vida próspera e tranquila.

Hakan põe-se então a caminho, a pé, e durante essa travessia esbarra com o fluxo de gente que procura no Oeste ouro e terras férteis, conhece naturalistas, criminosos, fanáticos religiosos, índios, homens das leis e das armas e, entre avanços e recuos, à medida que se torna um homem, torna-se também uma lenda.

“Ao longe” é uma obra que aborda a solidão, a emigração, e desmistifica a ideia romantizada da colonização do oeste americano, e toda esta ideia estava com o autor “há muitos anos”, porque reúne diferentes níveis de interesses.

“Por um lado, eu fui um estrangeiro a vida inteira, vivi em diferentes países, por isso queria falar, explorar essa ideia. Por outro lado, uma coisa que sempre me interessou foi os desertos, daí a ideia de alguém completamente perdido neste imenso vasto espaço”, contou.

“Portanto, à medida que o projeto crescia e decidi que se passaria nos Estados Unidos, tornei-me muito interessado no oeste americano e nos mitos em torno da fundação dos Estados Unidos”, acrescentou.

Hernán Diaz quis “reexaminar” todas essas questões e “reuni-las como constelações”, o que lhe demorou “muitos anos”, seis dos quais só para escrever o livro.

O antigo ‘western’ “esteve muito no centro do projeto”, porque para o autor este é um “importante segmento da História americana, que foi glorificado e fantasiado”.

“Todos os aspetos mais brutais da história americana, de extermínio, genocídio, misoginia, a mania das armas, a ganância, a vigilância, tudo isto são características do Oeste, mas que aparecem sob uma luz positiva, e isto para mim era muito interessante”.

Outro aspeto sobre o qual quis refletir foi a razão pela qual, até aos anos 1950/60, o Oeste foi relegado como um género literário menor.

Apesar da inevitável leitura do tema da migração à luz da atualidade, Hernán Diaz sublinhou que não só não pretendeu metaforizar a realidade, como não gosta de “literatura alegórica, pedagógica ou didática, que ilustra ou exemplifica certos temas atuais”.

“Há um lugar para esses livros, são importantes, mas não é o tipo de literatura que eu escrevo ou leio, não é para mim”.

“Se o assunto está no livro é por duas razões: primeiro, porque eu próprio sou imigrante, por detrás do aspeto político, é algo que me constituiu e faz de mim aquilo que eu sou, e sinto-me compelido a falar sobre isso. Segundo, se vou abordar a História dos Estados Unidos, como faço neste livro, é impossível não falar de imigração, porque é um país feito de imigrantes. Acontece que o livro apareceu num momento que é muito crítico nos Estados Unidos, por isso acho que tem ressonâncias na atual urgência, o que me deixa contente, que o livro possa fazer as pessoas pensar na imigração sob um diferente ponto de vista, mas não foi inicialmente a minha intenção. Foi minha intenção chamar a atenção para o facto de que não é uma coisa nova nos Estados Unidos, que tem estado lá desde sempre, e que tem sido tratada de uma forma miserável desde sempre”.

Com o segundo romance, Hernán Diaz desconstrói o mito americano do ‘self-made man’, através de uma história centrada num empresário de Wall Street, contada em quatro diferentes versões, cada uma compondo um livro: há um romance dentro do romance, uma autobiografia, memórias e um diário, “e o leitor torna-se uma espécie de detetive do texto, que tem de juntar as peças”.

“São quatro diferentes perspetivas, géneros, e autores que escrevem em estilos completamente diferentes. Esta ideia veio tarde no processo, quanto mais lia sobre dinheiro, mais percebi que as mulheres eram completamente excluídas dessas histórias, não tinham voz, então pensei: acho que este romance é sobre voz, sobre quem tem voz e a quem é negada a voz”.

A inspiração para a história nasceu quando o autor constatou “que não conseguia encontrar romances que lidassem com fazer dinheiro nos Estados Unidos”.

“O que achei fascinante foi a ideia de que a ideia de bem-estar, de dinheiro, é tão essencial para o imaginário norte-americano, mas é algo que não é assim tão falado em ficção, e eu interesso-me muito por estes ângulos mortos na tradição dos textos: como é possível que este género que tem tanto poder ideológico, não tenha crescido […] na história da literatura? Como é que neste país, nesta cultura tão obcecada com dinheiro, não haja romances sobre dinheiro? O que se passa? Esta foi a questão”.

Hernán Diaz, o escritor que escreve com caneta de tinta permanente e só depois transcreve para o computador, que escreve muito, mas pouco por dia, que edita constantemente o que escreve, que lê “muitíssimo” e tem na romancista George Eliot uma das principais inspirações, já está a trabalhar num novo romance, mas garante que ainda vai demorar alguns anos para sair.