Chegada mais uma edição do NOS Alive, ao passar pela porta principal do festival era fácil perceber para onde é que as atenções iam estar voltadas no resto do dia. A panóplia de camisolas dos Red Hot Chilli Peppers que circulavam pelo Passeio Marítimo de Algés, bem como o número de pessoas com alguma indumentária alusiva aos The Black Keys, davam a sensação de que a maior parte do público já tinha escolhido o Palco NOS como o sítio onde ia passar o primeiro dia do festival.

Red Hot Chili Peppers no NOS Alive: não foi picante o suficiente
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E, em abono da verdade, não estavam a tomar necessariamente uma má decisão. Como escreveu o Paulo André Cecílio na sua crónica do dia para o SAPO24, ambas as bandas deram concertos distintos (os The Black Keys um pouco mais frouxos), deixando uma ou outra das canções principais de fora das suas setlists. Contudo, "Little Black Submarines" em The Black Keys ou a "Under The Bridge" em Red Hot Chilli Peppers criaram momentos especiais, que ajudam um pouco a explicar o porquê de se difícil ouvir mais bandas à medida que ficamos mais velhos: com tanta coisa bem feita para trás, será que precisamos mesmo de mais músicas na nossa playlist?

No entanto, antes de ambos os concertos, passava pelo Palco Heineken um artista especial. Eram 20h30 e, enquanto algum público começava uma pausa técnica para jantar, milhares de pessoas enchiam o palco secundário do NOS Alive para outro dos momentos mais esperados da noite.

Diogo Gomes | MadreMedia

Mais do que um fenómeno da Internet

Jacob Collier parece ter 18 anos, mas na realidade já tem quase 30. Nasceu para a indústria musical há sensivelmente 10 anos, depois da sua versão de "Don’t You Worry Bout a Thing" de Stevie Wonder ter-se tornado viral no YouTube e chamado a atenção de nomes como Quincy Jones (lendário produtor de Frank Sinatra e Aretha Franklin) e Herbie Hancock (pianista e um dos maiores compositores de jazz). É um produto do melhor que as redes sociais nos trouxeram, permitindo que um jovem a fazer música no seu quarto em Londres pudesse ser descoberto por dois ícones musicais no outro lado do mundo. O seu estilo musical não é propriamente fácil de definir, mas acaba por ser uma fusão entre o jazz, a música clássica e o pop, com grande destaque para sua capacidade de criar harmonias acapella.

O documentário "Jacob Collier: In the Room Where It Happens", exibido pela BBC em 2022, mostra, todavia, que a história do artista britânico é muito mais do que um caso de estar no sítio certo à hora certa. Há um contexto familiar que nos é apresentado e que nos dá a sensação de que, mesmo que quisesse, dificilmente teria conseguido escapar à música. O avô fez parte da Royal Academy of Music e tocou em orquestras no mundo inteiro. A mãe é violinista e professora de música. Aos 14, Jacob já compunha, produzia e editava as suas próprias músicas, quer no piano, quer na guitarra, quer no baixo. Aos 20, dava a conhecer ao mundo o seu "one-man show", com o primeiro concerto no famoso Montreux Jazz Festival, na Suíça.

"Detalhes" interessantes, mas que já pouco interessavam na altura de pisar o "Heineken" e cumprimentar as milhares de pessoas que por si aguardavam.

Já não é só um youtuber, é um dos artistas britânicos mais bem-sucedidos dos tempos recentes com quatro álbuns lançados ("In My Room", "Djesse Vol. I, II e III") e quatro Grammys. Já não é simplesmente um protegido de Quincy Jones, é alguém requisitado por artistas de todo o espectro musical como Coldplay, Hans Zimmer e Stormzy. Por isso, a expectativa era grande, mesmo tendo passado por Lisboa há menos de um ano, com um concerto a solo no Coliseu dos Recreios.

Diogo Gomes | MadreMedia

O fim do "one-man show"

A primeira surpresa para quem via Collier pela primeira vez foi o facto de o seu espetáculo já não ser um "one-man show". Em tours anteriores, o artista fazia-se rodiar de uma série de instrumentos que ia utilizando a seu gosto, às vezes em simultâneo, para pôr cá fora todas as sonoridades que queria que chegassem ao público, à semelhança do que faz Ed Sheeran, mas com mais coisas. Agora, já não é bem assim. Há um conjunto de artistas em palco que não só fazem muitas das melodias com a voz, como também o acompanham com alguns dos instrumentos. Porém, não deixa de ser impressionante a sua versatilidade e o número de coisas que faz no espetáculo.

A sonoridade continua parecida, as harmonias continuam a resultar, mas a perda do estilo mais frenético de estar a gerir uma "máquina" de 8 ou 10 instrumentos musicais, parece retirar um pouco da aura a quem tinha como base performances suas no YouTube. Dito isto, há coisas que continuam a resultar: as harmonias com o público (que não foram assim tão frequentes) ou singles como "The Sun is in Your Eyes" ou "All I Need" mostram um artista que sabe pôr o público a trabalhar para ele, no melhor sentido possível.

A versão de "Can’t Help Falling in Love" de Elvis Presley não é propriamente a canção mais bem-conseguida do britânico, pelo menos se compararmos com outras como a "Somebody To Love" dos Queen. Infelizmente, coincidiu também com a altura em que se aproximava o concerto de The Black Keys no palco principal e houve um volume considerável de pessoas que aproveitou para se pôr em marcha para ir reservar o seu lugar. Sobrou ainda tempo para um momento especial com a portuguesa Maro, que integrou a banda de Collier em algumas tours e com quem mantêm uma boa amizade. "Lua", que gravaram em conjunto em 2019, foi a última canção para muitas pessoas, incluindo o autor deste artigo.

Para trás, ficou sentimento agridoce para muitas pessoas que se calhar esperavam um pouco mais do concerto, apesar dos bons momentos. É esse o preço a pagar quando se atinge o estatuto do qual Jacob Collier já goza e que terá certamente a oportunidade de voltar a comprovar em breve.

Ainda pelos palcos secundários

Por falar em "one-man shows", destaque para Ana Lua Caiano no Palco WTF Clubbing que deu um divertido "one-woman show". A jovem portuguesa, à semelhança daquilo que Collier fazia, também gere toda a parte instrumental e vocal do seu espetáculo e veio ao NOS Alive apresentar o seu EP "Se Dançar É Só Depois", lançado este ano, que mistura uma sonoridade muito típica portuguesa, principalmente através da sua voz, com uma onda mais eletrónica e pop. Tem algumas parecenças de voz com Ana Bacalhau dos Deolinda, mas com uma produção mais experimental, que acaba por resultar. No final do dia, é o que interessa.

Por último, uma palavra ainda para os "Men I Trust", um trio canadiano que curiosamente é liderado por uma mulher, Emmanuelle Proulx. Nem todos os concertos têm de ter pessoas aos saltos ou fãs a acompanhar cada música com o volume no máximo. Às vezes basta só captar a atenção e o grupo deu um concerto intimista que tinha um fit perfeito com quem estava a aproveitar o último sol do dia no Palco Heineken e escolheu a sua música com banda sonora desse momento.

O NOS Alive regressa amanhã com destaque para os concertos de Arctic Monkeys, Lizzo e Lil Nas X.