“Trata-se de uma questão sensível, mas a retórica, hoje em dia, é semelhante à dos anos 1930 contra os judeus. A extrema direita apropriou-se do discurso público. Muito do que a extrema direita diz sobre o assunto é falso. Os números que eles dão são falsos e não passam de retórica. De alguma forma o quadro que transmitem é o que está a criar medo nas pessoas”, acusa Janne Teller acrescentando que se trata de uma séria questão humanitária.

“As pessoas fogem das guerras e nós que vivemos em países seguros temos uma obrigação humanitária para com os refugiados. Para lhes darmos proteção até que os países de origem dos refugiados voltem a ser seguros outra vez”, afirma a autora da história publicada inicialmente em 2001 na Dinamarca e que se encontra atualmente traduzido em mais de vinte línguas.

O conto, encadernado como um passaporte da União Europeia, imagina uma situação de conflito para cada país onde é publicado.

“E se Portugal estivesse em guerra. Para onde ias tu? Se as bombas tivessem destruído a maior parte da cidade de Lisboa, a maior parte de Portugal, deixando o país em ruínas?” escreve a autora sobre uma guerra igual às guerras reais que afetam países como a Síria ou a Líbia, mas que desta vez atingiria a população portuguesa.

No texto, Janne Teller dirige-se diretamente ao leitor transformado em vítima de uma guerra em Portugal e obrigado como tantos outros a procurar refúgio longe do país onde nasceu.

“Seis semanas depois, estás no Egito. Vives numa tenda”, continua a autora que transporta o leitor para uma realidade que costuma afetar outros povos.

“Para Portugal escolhi um regime nacionalista e autocrático que, no rescaldo do fim da União Europeia, entra em guerra com o intuito de restabelecer o domínio português sobre a Espanha e o sul de França, como no tempo dos visigodos”, escreve a autora no posfácio da publicação

Especialista em macroeconomia, Janne Teller, 54 anos, trabalhou para a União Europeia e Nações Unidas, em questões ligadas a gestão de conflitos, sobretudo no continente africano.

“Eu sou descendente de refugiados austríacos que chegaram à Dinamarca através da Cruz Vermelha após a II Guerra Mundial (1945). O facto de as pessoas terem perdido tudo numa guerra não as transforma em pessoas menores e eu queria fazer com que as pessoas compreendessem o que é ser refugiado, o que é perder o controlo da própria vida, da identidade ou estatuto social”, explica a autora que pretende provocar a reflexão sobre os refugiados de guerra ou migrantes económicos.

“Este livro pretende ajudar a compreender os refugiados. Entendendo o problema as atitudes políticas podem ser melhores. Esse foi um dos motivos que me levou a escrever o conto em 2001. Mesmo na Dinamarca, pessoas tolerantes, informadas e com estudos começaram a referir-se aos emigrantes como pessoas de ‘terceira categoria’”, recorda.

Segundo a autora, o conto é “bem acolhido” pelos estudantes e pelas gerações mais jovens tendo sido já adaptado a peças de teatro e “transformado” em ópera na Alemanha, mas, refere, encontra resistência por parte de “alguns” políticos.

“Encontrei, por exemplo, grandes resistências entre os políticos dinamarqueses. Durante uma distribuição do livro no Parlamento um membro do governo disse que tal coisa não poderia acontecer na Dinamarca. O problema das pessoas que não conseguem imaginar-se como refugiados são aquelas que mais medo têm deste tipo de mensagem”, refere Teller sublinhando que antes de apresentar soluções é preciso entender “verdadeiramente” os problemas.

“Geralmente as pessoas não são más. Vivem preocupadas com as suas próprias vidas e com os problemas que têm de enfrentar todos os dias e é preciso que alguém ajude a imaginar a vida de outras pessoas e a literatura é um veículo para a imaginação. Quando somos confrontados com outras histórias acabamos por compreender melhor as outras pessoas. A literatura muda as ideias das pessoas e eu acredito nisso”.

O livro “Guerra – E se fosse aqui?”, da Bertrand Editora, que é ilustrado por Helle Vibeke Jensen, foi traduzido para português por Rosa Amorim e foi lançado esta semana em Portugal.