Numa casa com três Luíses, Luís Franco-Bastos era… Diogo. Quinze anos depois de ter começado a carreira, o humorista português estreia este sábado, em Guimarães, o seu quarto solo, num registo mais pessoal e familiar, diferente de tudo o que apresentou até agora, batizado com o seu segundo nome, aquele pelo qual os pais o tratavam durante a infância.

Talvez não seja estranho para a maioria das pessoas imaginar um nome diferente para o comediante, não tivesse ele já sido a voz de tantas outras personagens conhecidas da nossa praça. Mas para Luís é. Afinal, o mundo das imitações ficou para trás, onde ele queria que ficasse.

Em entrevista ao SAPO24, a propósito do lançamento do espetáculo, que em dezembro passa pelo Coliseu dos Recreios, onde decorreu esta conversa, confessa que nunca se viu “como um imitador ou um voice actor”, mas sim como um “humorista”.

Esta é uma viagem por uma década e meia de carreira, da desconstrução do ‘imitador’ à criação do humorista que quer fazer stand up até morrer e que encontrou um “Hotel” para alojar as suas vozes. A mensagem, ao fim de todos estes anos, é também um mote: “Se tu te cingires àquilo que as pessoas acham de ti, ou à maneira como te veem, estás a limitar aquilo que poderias vir a ser”.

créditos: Tomás Carranca | Madremedia

Começa este sábado a digressão com que assinalas 15 anos de carreira, que vai passar pelo Coliseu dos Recreios, em Lisboa. Onde, curiosamente, estavas, há precisamente 15 anos, a dar os primeiros passos.

Em 2007 estava no início do segundo ano da faculdade. Tinha acabado de fazer um workshop de humor nas Produções Fictícias, de abril a junho, e em setembro tinha começado a mandar clips para o Cómicos de Garagem, na Antena 3. Portanto, há precisamente 15 anos estava a gravar os meus primeiros clips em casa, com um pc que fazia mais barulho do que um avião e com um microfonezinho de lapela que eu tinha sacado das coisas do meu pai. Na altura isso foi mesmo o início de tudo… Passaram 15 anos bastante depressa, na verdade.

Nesses primeiros anos tornaste-te conhecido pelas várias imitações que fazias. Hoje o teu trabalho é distante desse registo. Houve uma vontade de te afastares ou foi uma mudança natural?

Foi uma vontade de me afastar que foi surgindo gradualmente. Nunca olhei para mim como um imitador ou como um voice actor, que é o termo que se usa nos Estados Unidos pelos tipos que são especializados em imitações, locução, dobragens - cá utiliza-se ator, ou até dobrador, para quase tudo. Eu sempre soube que era humorista, o meu objetivo era fazer as pessoas rir. A par disso, tinha uma predisposição e alguma especialização para tudo o que mexe com o campo vocal, desde as imitações às dobragens, locuções, coisas que eu ainda faço muito hoje em dia — à exceção das imitações.

"Se eu não preciso disto [das imitações] para ser relevante, então eu não quero ficar preso a isto. Até porque me saturei."

Ou seja, as imitações foram apenas um veículo do teu humor.

Sempre soube que era um humorista e as imitações eram uma ferramenta que eu estava a usar naquela fase, de entre várias de que poderia vir a dispor, para fazer as pessoas rir. O objetivo sempre foi criar coisas que fizessem as pessoas rir. Da mesma forma que, naquela altura, podia estar mais focado em fazer imitações, rapidamente percebi que o queria mesmo era fazer stand up, e fui incluindo as imitações no stand up durante algum tempo.

Começaste a descolar da imagem de ‘imitador’ com outro tipo de humor.

As pessoas não te conhecem tão bem como tu e não têm acesso ao mesmo grau de informação que tu tens sobre ti próprio. Com o passar dos anos tive de mostrar e ajudar as pessoas a perceber isso, porque ao início é muito fácil as pessoas colarem-te um rótulo. Veem-te a fazer uma coisa e pensam 'tu és isto'. Então, comecei de uma forma muito natural a reduzir a quantidade de imitações que fazia e a aumentar as outras coisas, storytelling, humor de observação e até mesmo usar vozes, mas de outra maneira, a fazer personagens que inventava quando contava uma história, sem que nenhuma delas fosse uma imitação... A coisa foi muito gradual e muito natural, mas a partir do momento em que consegui obter os mesmos resultados, ou até melhores, sem as imitações, então aí foi de cabeça. Se eu não preciso disto para ser relevante, então eu não quero ficar preso a isto. Até porque me saturei.

"Se tu te cingires àquilo que as pessoas acham de ti, ou à maneira como te veem, estás a limitar aquilo que poderias vir a ser"

Escrever um espetáculo baseado em imitações será muito diferente de escrever um solo mais confessional e baseado em histórias. Até porque estás circunscrito à caricatura daquela pessoa.

Havia uma coisa que me acontecia bastante - e que me chateava - que era eu estar dependente da vida daquelas pessoas. Podia haver uma personagem que eu fizesse e que me desse imenso material, por exemplo o selecionador nacional da altura, o Paulo Bento, que, de repente, é despedido. Claro que enquanto adepto fiquei felicíssimo, mas como humorista fiquei tristíssimo porque, subitamente, ele sai de cena e perco ali material que me dava jeito. Ou estou dependente da voz do novo presidente do Benfica: é exequível ou não é? Esse tipo de situações. A partir do momento em que nos viramos para coisas que nós criamos do zero, e que nós controlamos, passamos a ter uma liberdade muito maior, permite-nos descobrir coisas sobre nós próprios enquanto artistas que se calhar não imaginávamos que era possível.

Eu comecei a magicar o “Hotel” não porque queria muito fazer uma série, mas porque não tinha outra maneira de a fazer se não como um podcast. O raciocínio foi: eu quero ter um podcast, é uma plataforma super relevante e que todos os artistas realmente bons atualmente têm. Como é que eu faço um podcast que seja diferente dos outros? Já existem mil que são conversas, alguns são monólogos, como o Ar Livre ou o Ask.TM, portanto, como é que eu posso ter um podcast que seja diferente? Eu consigo inventar personagens, eu adoro séries desse estilo, por exemplo The Simpsons, Family Guy, em que o mesmo ator faz várias personagens e o criador está por trás de uma série delas, então aventurei-me e de repente descobri que adoro inventar histórias. Não estou a falar do storytelling do stand up, mas inventar um universo, inventar personagens.

A escrita do “Hotel”, a série de ficção em áudio que conta a história da família que gere o Grande Hotel da Marateca, é toda tua?

Sim, é toda minha. Criar um universo, criar personagens, criar um elenco, criar uma narrativa, trabalhar mesmo em termos de escrever ficção. Às vezes, se te cingires àquilo que as pessoas acham de ti, ou à maneira como te veem, estás a limitar aquilo que poderias vir a ser. Se ignorares isso, e se te aventurares efetivamente, descobres camadas dentro das tuas capacidades que se calhar nunca terias descoberto. E o “Hotel” foi uma boa descoberta para mim. Hoje em dia é uma coisa que eu faço e adoro fazer, e quero continuar a fazer, neste ou naquele projeto, que é contar histórias.

Gostavas de fazer outra série áudio?

O “Hotel” neste momento ainda está a decorrer, está a chegar ao final da quarta temporada e ainda vai ter, pelo menos, mais uma. Para além disso, sim, já dei por mim a pensar que gostava de inventar uma série do género, com o mesmo formato, uma série em áudio, mas noutro universo, com outras personagens, outra coisa. É um terreno que quero continuar a explorar.

Deixa-me voltar a insistir no início da tua carreira, para dar boleia a um salto temporal: há 15 anos era mais difícil escrever uma piada do que é hoje em dia?

Percebo a pergunta em termos do escrutínio, das sensibilidades e politicamente correto. Em alguns aspetos podemos dizer que sim, mas acho que não é assim tão difícil. Recentemente, revi vários sketches de Gato Fedorento, que adoro, e alguns deles acho que os humoristas de hoje em dia não fariam. Não é que não se atrevessem, é que ao pensar nas chatices que iam ter e na sensibilidade que se gerou em redor de certos temas, se iam censurar. Com isso podem perder-se coisas incríveis, como as que os Gato Fedorento fizeram. E, nesse aspeto, sim [é mais difícil fazer uma piada hoje], e é pena ver que em certos aspetos até se regrediu. Mas também acho que parte da responsabilidade é dos humoristas, e não só, dos criadores no geral, porque esta censura já chegou a outras áreas. As pessoas estão sensíveis no geral, não é só com o humor. Nã estou a falar obviamente dos atores que se descobrimos que violaram alguém, isso claro que tem de haver consequências, estou a falar em sensibilidades que chocam com declarações de há 20 anos. Acho que boa parte da responsabilidade de evitar que essa censura avance e que essa sensibilidade seja recompensada está nas mãos dos próprios criadores.

Como?

No episódio 200 do podcast ask.™, o Pedro Teixeira da Mota teve o Ricardo Araújo Pereira, o Bruno Nogueira e o Carlos Coutinho Vilhena como convidados. Durante a conversa eles tocaram num tópico muito interessante que é: o que é que é, efetivamente, a cancel culture em Portugal? Enquanto no estrangeiro tens exemplos como o do Louis C.K. que perdeu contratos, ou o Chris D’Elia que foi retirado de filmes, pessoas que perderam dinheiro, que perderam contratos... o que é efetivamente a cancel culture em Portugal? Essa componente cá não existe bem da mesma forma, até porque a maioria dos humoristas é independente. A grande penalização que podes ter cá é as pessoas não irem aos teus espetáculos ou não se rirem da piada que fizeste porque foi uma piada ao lado. Sobretudo num mercado como o português, onde as sensibilidades e as consequências, às vezes injustas, não chegam ao ponto a que chegam no mercado americano, acho que não deve haver tanto receio de fazer aquilo que se quer fazer e aquilo em que se acredita. O pior que pode acontecer é haver muita gente que não gosta, mas também pode haver muita gente que gosta. Desde que seja uma coisa que te tenhas esforçado para fazer bem feita, que não seja obviamente gratuita e sem conteúdo nenhum… Acho que existe uma componente grande de autocensura para além da censura. E por vezes até tem um peso maior.

Tu alguma vez te censuraste?

Já. De certeza que já aconteceu pensar 'vou escrever esta piada, vou fazer isto aqui' e às tantas dás por ti a pensar: 'será que as chatices compensam o retorno?'. E não o fazes. É um fenómeno complicado, mas acontece. Mas acho que nunca me aconteceu com nada muito importante, mas pode ter acontecido com uma one liner de Twitter...

créditos: Tomás Carranca | Madremedia

O Twitter pode ser mais perigoso que um espetáculo?

Às vezes é, sim. Bastante. Mas acho que nunca aconteceu de forma realmente grave, nem acho que tenha acontecido com a maioria dos artistas portugueses de quem eu gosto e que acompanho. Mas é preciso ter cuidado com isso, o receio das consequências ou o deixares-te levar por uma suposta onda de cancelamento ou de censura em Portugal leva-te a limitares-te um bocadinho, e não acho que seja motivo para tanto. Às vezes as pessoas caem no erro de dar demasiada exposição aos haters e aos que tentam cancelar e aos que se queixam. Basta tu não ires às redes sociais durante oito horas para poderes avançar para a coisa seguinte.

Ou seja, é válido desde que faça rir.

Sim, isso sem dúvida alguma.

"As pessoas às vezes são muito militantes com aquilo que não gostam, em vez de gastarem mais tempo com aquilo de que gostam"

Sendo que existe um certo grau de subjetividade, o que me faz rir a mim pode não ser o mesmo que te faz rir a ti.

Por isso mesmo é que temos de assumir uma lógica de tentativa e erro, e por isso é que algumas pessoas vão gostar e outras não. Às vezes vês aqueles empresários da restauração que têm 17 restaurantes diferentes, cada um com um tipo diferente de comida, e que às tantas abrem um nepalês no Príncipe Real e, ou por causa da localização, ou por causa do menu, ou por causa dos preços, o restaurante não funciona e fecha. Isso é tentativa e erro. Em todas as profissões existe tentativa e erro, mas no caso dos humoristas as pessoas dizem 'tentaste isto, foi ao lado, não funcionou, a tua carreira tem de acabar para sempre'. Ninguém diz 'este chef abriu um restaurante que não funcionou, não pode abrir mais nenhum restaurante'. Não é assim que funciona. Calha que na nossa profissão, a nossa tentativa e erro passe por mexer com conceitos e ideias que deixam certas pessoas melindradas. As pessoas às vezes são muito militantes com aquilo que não gostam em vez de gastarem mais tempo com aquilo de que gostam. De facto, existe alguma perseguição desnecessária, mas também está do lado do artista escolher quais é que são as reais consequências dessa perseguição.

Como é que tu fazes esse teste da tentativa e erro para os teus espetáculos?

Eu sou dos que vai testando, atuo o mais possível. Acho que o único que não testa, e é surpreendente como ele tem um nível de material tão elevado, é o Rui Sinel de Cordes. Já falei com ele várias vezes sobre isso, como é que se faz um ótimo solo de uma hora sem testar texto. Eu sou dos que testa, aproveito todas as ocasiões que tenho para testar material em locais mais pequenos.

É assim que chegamos a este espetáculo, onde assumes ao mundo o teu segundo nome, com que batizaste a tour. Foram precisos 15 anos para revelar que te chamas Luís Diogo?

Foram. E mesmo assim gostava que tivesse demorado mais um bocado, preferia que isso nunca tivesse saído, mas às tantas o espetáculo precisava de um nome.

"Se estás a falar de ti próprio ou sobre a tua família, as pessoas não têm propriamente o direito de ficarem ofendidas."

Isto é muito diferente de tudo o que já fizeste.

É bastante diferente, mais pessoal, mais íntimo. Falei muito sobre os outros, agora vou falar de mim. E há coisas neste espetáculo, não diria agressivas, mas mais sensíveis e às vezes até um pouco mais negras...

Desconfortáveis?

Acho que não chegam a ser desconfortáveis. Esse foi o desafio. Vários dos tópicos abordados no espetáculo são sensíveis, mas, primeiro que tudo, são meus. Se estás a falar de ti próprio ou sobre a tua família, as pessoas não têm propriamente o direito de ficarem ofendidas, se fosse sobre a família deles, deixaria ao critério deles… Demorei algum tempo até abordar alguns dos temas que estão neste espetáculo. Não é que eu não quisesse já falar deles há sete ou oito anos, mas demorei tempo até encontrar os ângulos certos para que funcionassem como eu queria. Ou seja, para conseguir ter as pessoas a rirem-se comigo ao invés de ficarem só desagradas ou desconfortáveis. E quanto mais sensível é um tópico, mais difícil é encontrar um ângulo que seja verdadeiramente interessante e que sirva a piada, que não seja só para escarafunchar num tema difícil. Por isso é que às vezes essas tentativas e erros sobre tópicos sensíveis, e o Twitter é uma plataforma muito volátil, dão mais chatices do que retorno, porque não é fácil em meia-hora, depois de ter acontecido uma tragédia, encontrar o melhor ângulo possível sobre o que aconteceu. O desafio é: a piada tem que justificar o tema sensível que vais abordar. Porque se a piada for muito superficial, o mais provável é que não tenha muita graça e que as pessoas não reajam como tu queres.

Quando falas de temas sensíveis, estamos a falar do quê?

Falo da minha educação, da minha família, o facto dos meus pais já terem falecido, luto, perda, como é que isso ainda influencia a minha vida ainda hoje, sobre como é que isso me influencia enquanto pai, todas essas coisas.

"Aquilo que me falta fazer é (...) continuar a fazer stand up até aos 50, 60, 70 anos. Até morrer."

Os amigos e familiares de um comediante têm mais facilidade em lidar com o ridículo e em saberem rir de si mesmos?

Acho que isso tem mais a ver com a personalidade da própria pessoa, às vezes até mais do que a educação que teve. Tu podes ter várias pessoas na mesma família e umas com muita predisposição para se rirem de si próprias e das coisas sensíveis e outras não. E tiveram os mesmos pais, andaram na mesma escola, etc., mas depois as cabeças vão para sítios diferentes. A minha família em geral tem bastante sentido de humor, e não acho que seja por minha causa. Eu acho que tenho sentido de humor muito por influência da minha família, nomeadamente o meu pai, que era das pessoas com mais sentido de humor que alguma vez conheci. Foi das melhores heranças que me deixou. Aliás, a única. Mas não acho que a minha família tenha mais predisposição para ter sentido de humor, estão, isso sim, mais habituados a lidar com alguém que nos jantares, batizados e eventos está sempre pronto para desconstruir o ridículo do que está a acontecer no momento. Já sempre meio à espera de que eu diga alguma coisa que preferiam que não fosse dito.

Atualmente fazes rádio, já falámos do “Hotel”, também tiveste um talkshow com o Pedro Teixeira da Mota, o “Erro Crasso”, o que é que achas que te falta fazer?

A minha carreira gira em torno de stand up, o que eu mais quero fazer, o que eu preciso de fazer sempre, é stand up. Portanto, aquilo que me falta fazer é, pelo menos que eu saiba, sendo que há coisas que só vou descobrir mais tarde que quero fazer, é continuar a fazer stand up até aos 50, 60, 70 anos. Até morrer. Portanto, é trabalhar de maneira a que isso seja possível, a que possa continuar, regularmente, a fazer tournés pelo país inteiro, se possível a fazer as melhores salas e a tê-las cheias. Esse é o meu objetivo e é contínuo. Não é por esta ser a minha quarta tourné e por já ter feito um Coliseu na tourné de 2016/17 e de agora ir fazer outro que isso se esgota. Quero continuar a fazer e vir aqui mais vezes. Muitos dos outros projetos são por vezes satélites que giram em torno do stand up e que ajudam a promover o stand up e a chamar as pessoas.

Perguntava isso porque tiveste projetos claramente disruptivos, o "Erro Crasso" estava longe de ser um talkshow banal, e o Hotel é uma audio série como creio que não existe outra em Portugal...

Tanto o “Hotel” como o “Erro Crasso” foram bastante desbloqueadores do potencial que a Internet e os projetos independentes têm, e eu acho que o futuro passa muito por aí.

créditos: Tomás Carranca | Madremedia

Não te vês tanto na televisão, por exemplo.

Não tenho nada contra a televisão, pelo contrário, mas se calhar neste momento a maioria das ideias que eu tenho é mais exequível num projeto independente do que propriamente em televisão. Não sei como vai ser o futuro, eu estou sempre aberto a estudar possibilidades. Os projetos que tenho na minha cabeça adequam-se mais a um futuro independente. Nos últimos dez anos fiz rádio em mais de oito — três na Antena 3, três na Mega Hits e dois e meio na RFM. Por esse motivo, fazer rádio outra vez não é de todo um objetivo que tenha, apetece-me pisar outros terrenos e ter outra liberdade. Mas também jamais diria que não vou voltar a fazer rádio porque, provavelmente, vai acontecer. Isso é uma das coisas que me deu sempre bastante gozo no meu percurso, de uma forma ou de outra, as minhas capacidades permitiram-me sempre fazer coisas muito diferentes umas das outras, desde stand up a rádio, televisão, projetos de Internet, locuções, dobragens... todas estas coisas são muito diferentes umas das outras, e eu sempre consegui safar-me minimamente bem a fazer todas elas. Isso deixa-me entusiasmado para o futuro.

No “Erro Crasso” trabalhavas com o Pedro Teixeira da Mota, como é que olhas para esta nova geração de comediantes em Portugal?

Acho que é incrível que possamos testemunhar o crescimento de uma geração com um trabalho tão profissional. Eu com a idade deles estava longe de obter os mesmos resultados, estava longe de obter os mesmos números e isso é possível quer pela qualidade deles, quer pelo desenvolvimento do mercado e das ferramentas que existem à disposição. Eu apanhei o nascimento da Internet para a comédia, eu também cresci muito com a Internet. O meu primeiro trabalho pago foi um vídeo para Os Incorrigíveis, no SAPO. Mas não nasci na Internet da mesma maneira que a nova geração, e o facto de eles poderem, só com recurso à Internet, meter projetos na rua e encher salas pelo país...

Vejamos o caso do Pedro e do Carlos Coutinho Vilhena, que fizeram muita coisa juntos. Só com um programa de YouTube, que foi o “Conversas de Miguel”, fizeram quatro Campos Pequenos e quatro Super Bocks Arenas. Estamos a falar em mais de 30 mil bilhetes vendidos, só com a qualidade deles e a Internet. Eu fico feliz por ter um mercado assim. E isso também beneficia quem é de uma geração um bocadinho acima, como eu, porque um mercado mais desenvolvido dá mais oportunidades a todos. Hoje em dia com a Internet chego a pessoas e a coisas que não chegaria antes.

Na era dos especiais Netflix, onde Portugal ainda só teve um solo do Salvador Martinha, achas que estamos mais perto de dar um salto para tornar o conteúdo mais universal?

Curiosamente, o ciclo parece ter sido um bocado invertido. O primeiro conteúdo português produzido para o catálogo da Netflix foi o especial do Salvador. Não havia nada em português na Netflix até essa altura. E esse espetáculo foi produzido e filmado de propósito para a Netflix. Só depois disso é que a Netflix comprou séries portuguesas, produziu o "Glória" e está agora a produzir "Rabo de Peixe", compraram também a "Pôr do Sol"... Plataformas como a Netflix estão também a perceber que existe talento em países que estão um bocadinho fora de circuito, como Portugal, e que é mais acessível e mais barato filmar cá. Portanto, é uma forma de terem mais conteúdo sem gastarem o mesmo que gastam a produzir séries americanas ou inglesas. Estamos cada vez mais perto.