No palco “mágico” do lisboeta Chapitô, onde Lura cantou pela primeira vez, vestindo “um macacão amarelo-torrado e sem noção do que podia acontecer”, a cantora de origem cabo-verdiana partilhou as memórias deste quarto de século que passou “a correr” e durante o qual aprendeu, inovou e cresceu.

Em entrevista à agência Lusa, recordou os primeiros tempos em que trocou o certo de uma vida académica pelo incerto da vida de artista, para receio da família que, no entanto, sempre a apoiou, como faz questão de sublinhar.

O percurso começou no bairro social de Outurela, concelho de Oeiras, onde o “dom” da sua voz deu as voltas a um destino que a condenava a não ir a lado nenhum e que a levou a dar a volta ao mundo, a cantar.

“Eu tenho uma história, da qual me orgulho, que é o facto de eu ter vindo de um bairro social e eu penso que é o que é mais marcante na minha carreira, na minha vida e na minha pessoa”, referiu.

E acrescentou: “Sou a primeira filha de uma mãe que criou quatro filhos sozinha, com imensas dificuldades, sempre com muita humildade e que, de repente, tenho o dom da voz e esta voz leva-me ao mundo”.

Lura quer que o seu percurso seja um exemplo e encoraje os jovens de bairros sociais, ou não: “Às vezes, pessoas que têm tudo para dar certo não dão por vários motivos e, de repente, uma pessoa que à partida não iria a lado nenhum, vai longe. E para mim foi muito longe e espero ainda ir mais além. Foi fantástico, as portas que se foram abrindo por causa deste dom que descobri, mas também muito trabalho e persistência”.

O seu dom, que surpreendeu o mundo musical ao cantar, aos 21 anos, a canção “Nha Vida” (“Minha Vida”), em 1996, encantou Cesária Évora, com quem Lura viria a cantar uma música de sua autoria – “Moda Bô” (“Como Tu”, em crioulo).

Lura nunca mais parou desde então, pisando palcos em todos os continentes, fazendo duetos e arriscando sonoridades, ao mesmo tempo que se apaixonava pela terra que sempre conheceu, sem nunca ter conhecido: Cabo Verde.

“Estar em Cabo Verde foi um turbilhão de sentimentos. Deixei de ter aquela visão apenas romântica sobre Cabo Verde e passei a conhecer um país real, uma cidade real [Praia, ilha de Santiago] e passei a conhecer a realidade de Cabo Verde. Fiquei ainda mais apaixonada pela mulher, pela força da mulher cabo-verdiana, pelas capacidades dela junto da família e do papel que ela tem na família e na sociedade, obviamente”, traduzidos na canção “Maria Di Lida”.

Em Cabo Verde, prosseguiu, “é tudo muito mais intenso e mais pequeno”

“Mal saía à rua, é como se estivesse no palco (…). Vamos à inauguração de uma exposição e está lá toda a gente. À noite, vamos tomar um copo e está lá toda a gente”, contou.

Lura regressou a Lisboa e voltou diferente, pois ser mãe mudou a sua vida.

“Sem dúvida nenhuma que, como mulher, existiu o antes e o depois de ser mãe”, disse, reconhecendo que a maternidade aumentou a sua sensibilidade e tornou-se mais atenta a todo o que se passa à sua volta.

“Passei a ser mais disciplinada, metódica, porque se não for disciplinada é o caos completo, porque eu tenho que gerir a minha vida e a vida da minha filha e gerir a minha vida de artista, as viagens, as composições, estar em casa e, de repente, não estar em Lisboa, estar na Austrália, na Rússia”, afirmou.

Lura sempre quis ser mãe a tempo inteiro e, por isso, a pandemia de covid-19 traduziu-se numa oportunidade para aproveitar os momentos com a filha, a quem dedicou uma canção “Nina” e com quem já gravou um dueto (“Nina Santiago”).

Com mais este sonho realizado, Lura congratula-se por não deixar grandes sonhos para trás.

“Tentei sempre realizar os principais sonhos, que era cantar, transmitir alegria, dar o meu melhor em palco e ter alguma conexão com as pessoas, com o público. E fui feliz nesta descoberta, neste processo criativo, aprendendo com os erros e com a vida”.

Ser mulher, e bonita, não se revelaram obstáculos à sua carreira, ainda que o assédio possa ter estado presente no caminho.

“O assédio apareceu sempre de uma forma diplomática e eu felizmente soube sempre detetar e desviar o caminho, porque nós também podemos simplesmente ignorar e seguir pelo caminho que quisermos. Sabemos de casos graves, mas nunca tive casos do género. Às vezes até costumo comentar com os meus amigos que devo ter cara de má, porque faço uma careta e tudo volta aos lugares de início", declarou.

Fiel ao que desde sempre a tem inspirado – o amor, a força da mulher e o respeito pelo próximo –, Lura promete continuar a arriscar na música, tal como no funaná “Alguém di Alguém” (2018), em que juntou sonoridades eletrónicas, a par dos tradicionais ferro e gaita.

Com um novo álbum a caminho, Lura tem utilizado os meios digitais para ir desvendando um pouco o véu do novo trabalho e dessa forma revelou que o batuco estará presente.

A festa dos 25 anos de carreira será feita no Coliseu dos Recreios de Lisboa, com um espetáculo em 12 de novembro, que marcará também o regresso da artista aos palcos para matar as saudades, que já são “muitas”.

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