Paula Morão falava na cerimónia de entrega do prémio ao escritor Manuel Alegre, que decorreu no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, à qual assistiram, entre outras personalidades, o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, o presidente da Academia das Ciências de Lisboa, Artur Anselmo, a presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, Helena Roseta, o presidente da câmara da capital, Fernando Medina, e o ensaísta Eduardo Lourenço.

“A obra de Manuel Alegre, por circunstâncias extraliterárias, constituiu e constitui, livro a livro, um perfil gravando a fogo a memória e o imaginário em que muitos portugueses se reconhecem: primeiro era uma luz, um surdo clamor de liberdade, depois volveu-se em canto límpido e liberto”, declarou Morão.

A investigadora recordou os propósitos do prémio, criado pelos governos de Portugal e do Brasil, em 1989, e que no seu regulamente estabelece que deve ser entregue tendo em conta o “valor intrínseco” da obra do distinguido e o contributo “para o enriquecimento do património literário e cultural da língua comum”.

Referenciando o percurso de Manuel Alegre, de 81 anos, Paula Morão, assinalou a sua “profícua obra poética”, que “apresenta um conjunto de características que, para lá de circunstancialismos e de fatores externos à literatura, constituem marcos do que de melhor o género lírico em Portugal apresenta desde a década de sessenta de novecentos até ao presente”.

A investigadora disse que o júri, ao qual presidiu, reunido no Rio de Janeiro, em junho do ano passado, ao escolher Manuel Alegre “considerou que a sua obra vasta e multímoda justifica plenamente a distinção”.

Além de Paula Morão, constituíram o júri Leyla Perrone-Moisés, José Luís Jobim, José Luís Tavares, Lourenço do Rosário e Maria João Reynaud.

Desde a edição de “Praça da Canção” (1965) que “a prática da poesia tem sido constante [o mais recente volume sendo ‘Auto de António’, 2017], [e] mantendo uma qualidade cujas características têm sido reconhecidas por críticos tão eminentes como Eduardo Lourenço e Vítor Aguiar e Silva”.

Sobre o percurso literário do autor de “Rafael”, Paula Morão afirmou que “lá estão os traços de uma herança culta, desde as raízes clássicas (Virgílio e Homero) ao rastro medievo dos trovadores portugueses e provençais, lá estão os vultos de Fernão Lopes, de Camões (o épico, o lírico autor de sonetos, epístolas e elegias) ou de Bernardim [Ribeiro], aos quais, entre outros, se juntam Fernão Mendes Pinto, Antero de Quental, António Nobre e Camilo Pessanha”.

“Lá vemos ainda a linhagem de François Villon, a par de [William] Shakespeare (e em especial de Hamlet, o príncipe da melancolia), ou os muitos outros ‘rouxinóis do mundo’ que desenham os alicerces de uma poética muito consciente de si e do seu lugar na tradição”, afirmou.

O primeiro-ministro, António Costa, num discurso no qual cumprimentou “o amigo e camarada”, apontou Alegre como “poeta da liberdade e sempre livre”.

Por seu lado, o embaixador do Brasil em Lisboa, Luiz Alberto Figueiredo Machado, afirmou que Portugal e Brasil irão continuar a trabalhar em conjunto pelo engrandecimento da Língua Portuguesa e referiu-se ao Prémio Camões como um dos mais importantes da literatura universal.

A cerimónia encerrou com a atuação de Maria Ana Bobone, que interpretou dois poemas de Manuel Alegre, que se emocionou ao ouvi-la.

Aos jornalistas, Manuel Alegre realçou que a sua poesia muito deve ao facto de ter sido declamada e cantada, realçando Amália Rodrigues que foi a primeira a cantá-lo, tendo gravado a “Trova do Vento que Passa” antes do 25 de Abril de 1974.

Adriano Correia de Oliveira, João Portugal, Luís Cília e José Afonso, foram outros nomes que recordou, assim como João Braga, presente na cerimónia, e que é quem mais poemas seus gravou.