O número 68 da Avenida 24 de Julho é por estes dias, e até 12 de maio, o rosto da OGAE. À semelhança de outros países, Portugal também tem uma associação de fãs da Eurovisão. Criada em 1997, a OGAE Portugal (Organização Geral de Apoio à Eurovisão) tem como objetivo reunir e congregar os simpatizantes do festival promovendo, ao longo do ano, diversas atividades e iniciativas que juntam os seus associados.

Passavam poucos minutos das cinco da tarde deste domingo, 7 de maio, o primeiro em que a Primavera perdeu alguma da vergonha, e dezenas de fãs da Eurovisão, a maioria ingleses e espanhóis, assistiam à transmissão em direto da Blue Carpert, cerimónia que deu o pontapé de saída do evento.

“Este ano é tempo de receber”

Carlos Correia, funcionário de uma empresa de transportes públicos, e membro da OGAE, era um dos poucos portugueses na sala. Dava uma ajuda à organização e no início da nossa conversa mostrou-se reticente, assegurava que não era a melhor pessoa para entrevistas. Timidez que vai perdendo à medida que recorda como se afastou do Festival, nos anos 90, e como a reaproximação o fez voltar à infância, a essa meninice dos serões em família. A Eurovisão em Lisboa é como "ter uns Santos Populares antes do tempo", brinca. "O bairrismo também está lá, na medida em que cada país quer que ganhe a sua canção".

Lamenta nunca ter tido a oportunidade de viver a Eurovisão "lá fora", falha que espera colmatar brevemente, mas por agora vê com bons olhos o efeito contagiante que o evento está a gerar. "Há muitas pessoas que não davam muita atenção à Eurovisão, mas pelo facto de estar em Lisboa estão a entrar na festa".

Resolvido um problema com o som, conseguimos chegar finalmente à fala com José Carlos Garcia, presidente da associação. Roubamos-lhe uns minutos mas não lhe roubamos a atenção total. Os olhos varrem a sala para ter a certeza que tudo está a correr bem. “Aqui só se vive a Eurovisão”, resume. Das conferências ao karaoke, a Eurovisão é muito mais que a Altice Arena. Ali é de manhã à noite, todos os dias.

“Este ano é tempo de receber”, diz-nos José Carlos Garcia para quem “é um privilégio” finalmente acolher o evento em Lisboa. Mas não só: esta “é uma oportunidade para todos os fãs que, por vários motivos, nunca conseguem ir lá fora e vivenciar este movimento que é a Eurovisão".

É que “ser fã da Eurovisão não é um hobby barato", diz. Uma semana eurovisiva pode custar até 2.500 euros. Valor que inclui viagens, alimentação e alojamento. A associação sabe-lo bem, já que é quem organiza as viagens dos cerca de 50 fãs nacionais que todos os anos rumam à cidade anfitriã da Eurovisão. 

Parte da comitiva de fãs portugueses, o ano passado em Kiev, com Salvador e Luísa Sobral créditos: Hélder Baptista

"Um sonho tornado realidade"

Fãs como Hélder Ferreira, que já conta com 12 edições (13 com esta) no seu passaporte eurovisivo , tendo a sua estreia acontecido em Atenas (2006). Para ele, viver o festival em Lisboa é "um sonho tornado realidade" e que "traz algumas responsabilidades", entre as quais a de retribuir a hospitalidade de outros anfitriões. "Lembro-me de na Sérvia o pessoal da OGAE nos ter ido buscar ao aeroporto", recorda.

Hélder faz um balanço positivo das primeiras impressões. Os elogios à organização são muitos, apesar de "haver quem pensasse que não o conseguiríamos fazer", recorda. "Estou convencido de que este será o primeiro de muitos anos da Eurovisão em Lisboa". Experiência que, na sua opinião, não se repetirá ainda na próxima edição. Não porque a canção de Cláudia e Isaura não seja boa, mas porque a concorrência é muito forte.

Ou ainda como Renato Duarte, que só acreditou que não estava a sonhar quando viu a estrutura toda montada para receber o evento. Para o fã da Eurovisão que em 2003 se estreou em Riga, na Letónia, ainda é estranho "sair dos eventos e estar em casa".

"Como português tenho uma preocupação muito grande de que isto corra tudo bem", confessa. E por também trabalhar na área do turismo sente que deve fazer a sua parte como bom anfitrião. "Tento ajudar com dicas sobre Lisboa, perguntam-me muito locais que não sejam tão turísticos, onde se coma bem, barato e bom".

Finalmente “em casa”

Luís Pereira esperou pela idade da reforma para poder, finalmente, viajar para assistir a uma Eurovisão. Na sua estreia, em 2013, Portugal não esteve representado, mas nem isso o demoveu.

O antigo professor de matemática diz que a Eurovisão é uma grande família, de partilha e amizades alimentadas ao longo do ano, e que "agora as redes sociais facilitam". Em Lisboa já reencontrou alguns desses familiares, não de sangue mas movidos pela mesma paixão. Por isso não esconde o orgulho que sente por receber “em casa” o evento que acompanha há vários anos, quantos ao certo não sabe, que já lhes perdeu a conta. Estão guardados em recordações e numa coleção de artigos e objetos afetos ao festival.

Recorda que em Kiev, o ano passado, uma fã islandesa lhe disse que Portugal não teria condições para receber o evento, pela sua falta de experiência. Rápido lhe respondeu que ficaria surpreendida e que o nosso país, no seu "saber receber", iria "ensinar como organizar uma Eurovisão". "E é assim que tem estado a acontecer", termina.

créditos: Rita Sousa Vieira | MadreMedia

Ao seu lado, sem largar os olhos do computador está Carlos Portelo. Os dois fundaram o site “Festivais da Canção”, que nasceu por considerarem haver um vazio de conteúdos em português sobre o Festival RTP da Canção e da Eurovisão, na Internet. São fáceis de encontrar na sala de imprensa, a bandeira nacional denuncia-os e é à sua volta que em português se discute a edição deste ano.

Dalécio Santulhão, nascido em França, está nesse grupo. Também para ele é especial estar no evento em Lisboa. “Pode não ter importância para muitos, mas não imaginam a sensação de chegar no primeiro dia [ao evento] e pedir informações em português. É algo extraordinário, é como estar em casa”.

O lusodescendente que vai colecionando fotografias dos vários festivais por onde já passou termina com um desejo: “que todos os eurofãs possam passar um dia pela mesma experiência”.