O curador desta mostra, Miguel von Hafe Pérez, afirmou hoje tratar-se da “exposição mais abrangente deste autor, absolutamente fundamental para a compreensão da arte portuguesa na segunda metade do século XX”, incluindo pintura, desenho e alguns objetos – “raros” – que Álvaro Lapa (1939-2006) criou, entre 1963 e 2005.

Em comparação com as três anteriores exposições retrospetivas de Lapa - a primeira há 40 anos, a segunda em 1994 e a terceira em 2006 -, von Hafe Pérez adiantou que esta, em Serralves, é talvez “o primeiro salto no abismo, arriscado, com certeza”, por ser a única que não contou com orientação do artista, que morreu em 2006.

Trata-se “do primeiro olhar exterior sobre o conjunto da obra [do pintor] e muitas vezes temos que compreender que também os artistas têm uma visão muito peculiar sobre o seu próprio percurso (…). Estou seguro, o Álvaro Lapa não incluía determinadas obras, porque não se dava sequer ao trabalho de saber onde estavam. Muitas delas [encontravam-se] em colecionadores de onde não tinham saído há mais de 40 anos”, justificou aos jornalistas, no âmbito da apresentação da exposição à imprensa.

Exemplo disso é um conjunto de obras entre 1964 e 1968, “que não tinham publicamente expressão” e são agora recuperadas, disse Miguel von Hafe Pérez, acrescentando também que nas duas anteriores retrospetivas “havia ali um núcleo de obras que se percebia que tinha sido muito editado" por Lapa.

Miguel von Hafe Pérez reconheceu que a obra de Álvaro Lapa – que disse ser “uma das figuras mais enigmáticas” da arte portuguesa - não é de “acesso fácil”.

“É uma obra que é construída muitas vezes por séries narrativas. Ele é um autodidata enquanto pintor e tem uma linguagem muito própria e, portanto, de alguma forma está longe das convenções”, estando assim “distante daquilo que é uma descodificação mais natural da sua obra. No entanto, as referências literárias e as referências que traduz para a pintura do seu universo de interesse, quer da filosofia quer da literatura, são apreensíveis pelo público em geral”, sublinhou.

No conjunto de obras expostas no Museu de Serralves são visíveis “algumas recorrências no trabalho” do artista, disse, exemplificando o caso da mesa, objeto “estruturante nalgumas das suas pinturas”. Esta relação fez com que as centenas de desenhos a mostrar em Serralves sejam exibidos na horizontal, em vitrinas.

Von Hafe destacou ainda que há na obra de Álvaro Lapa “um constante trabalho” ao nível “da remissão para determinados temas e formas”, como o repintar ou o fazer uma espécie de ‘bricolage’ nos seus quadros.

A par da exposição, que fica patente ao público até 20 de maio, Serralves promove um “ciclo de artes performativas, cinema e pensamento”, no qual se inserem, entre outras iniciativas, uma mesa-redonda com o curador da mostra, o filósofo José Gil e o crítico de arte José Luís Porfírio (dia 17 de março), a estreia da performance “O Praner de Urizar, 100’”, de Von Calhau! (28 de abril), e a estreia da peça de teatro “O rapaz de Ucello ou aquilo que nunca perguntei ao Álvaro Lapa” (06 de maio), dos Artistas Unidos, de Jorge Silva Melo, que filmou Lapa na última fase da vida.

Questionada sobre se a dimensão desta exposição pode ser comparada com a de Helena Almeida, patente no museu entre outubro de 2015 a janeiro de 2016, a presidente da Fundação de Serralves, Ana Pinho, respondeu acreditar que sim, adiantando estar já “a trabalhar” para que a mostra seja exposta fora de Portugal.

Lapa nasceu em Évora, a 31 de julho de 1939, tendo tido o primeiro contacto com a pintura através de António Charrua, em aulas de desenho.

É em 1956 que se muda para Lisboa para cursar Direito, que abandona para ingressar em Filosofia, curso que acaba por finalizar apenas após o 25 de Abril.

A sua primeira exposição individual é feita em março de 1964 na então recém-inaugurada Galeria 111. Depois de se mudar para Lagos, em 1965, Lapa começa a recorrer a séries narrativas para elemento das suas obras, utilizando “‘platex’, material de pobre, como referia”, disse o curador.

É em Porto de Mós, em Lagos, que aprofunda a sua amizade com o escultor João Cutileiro e inicia um percurso pela escrita, tendo sido "Raso como chão” o seu primeiro livro publicado, em 1977, numa época em que se estabelece definitivamente no Porto, cidade onde veio a ensinar a disciplina de Estética, na então Escola Superior de Belas Artes.

Lapa venceu em 2004 o Grande Prémio EDP e morreu, no Porto, em fevereiro de 2006.