VAMOS COMEÇAR?

UMA BREVE INTRODUÇÃO

Neste mundo frenético, encontrar equilíbrio é um desafio constante. Em todo o lado surgem inquietações, stresses, problemas ou preocupações. O que fazer para navegar neste mar tempestuoso? Como se manter intacto e, ao mesmo tempo, chegar a bom porto?

Com este livro, convido-o a mergulhar nas águas profundas dos bons hábitos de saúde mental, oferecendo-lhe um guia prático para cultivar a sua serenidade e para evitar que «encalhe» na doença mental.

Ao longo destas páginas, irá descobrir estratégias simples, mas eficazes, para fortalecer a sua mente e criar um quotidiano que promova o seu bem-estar emocional. Com base na minha prática como médico psiquiatra, nas histórias dos meus pacientes, na investigação científica e na minha experiência pessoal, quero partilhar consigo 18 hábitos que considero muito importantes e que fazem bem «à cabeça»: que é como quem diz, à mente, ao seu «eu interior», ao seu cérebro (e também a todo o seu corpo) ou à sua saúde mental.

Posso afirmar, com toda a certeza, que, ao aplicar estes hábitos, estará a criar (ou a fortificar) fundações sólidas para uma mente resiliente e, consequentemente, para uma vida mais plena.

Sei bem que transformar intenções em ações não é fácil. Que criar um hábito, especialmente um hábito saudável, tem os seus desafios e nuances. Por vezes, para o criar, é preciso ser disruptivo, romper com o velho, ser insistente e tolerar a frustração que advém de, ao início, ser tudo muito difícil.

Também estou consciente de que, para introduzirmos mudanças nas nossas vidas, é preciso muito esforço e consistência, por vezes durante um longo período. Mas vale a pena! Repito e sublinho: vale muito a pena! Investir em si, na sua saúde mental e no seu bem-estar é, provavelmente, um dos investimentos mais inteligentes que pode fazer.

Este não é um livro teórico e, portanto, não tem muitas definições. No entanto, deixo-lhe a definição de «saúde mental» da Organização Mundial da Saúde:

"A saúde mental é um estado de bem-estar em que o indivíduo consegue utilizar as suas capacidades, enfrentar os stressores normais da vida, trabalhar produtivamente e contribuir para a sua comunidade."

Ou seja, se a sua saúde mental for boa, isso traduzir-se-á em benefícios tão importantes como: sentir-se pessoalmente realizado, tirar prazer da sua profissão, tomar decisões com segurança, amar sem restrições, facilitar as suas relações com os outros, dar asas à sua criatividade, ter capacidade de adaptação aos contextos da vida, integrar-se com maior facilidade, retribuir e ser generoso, entre muitos outros aspetos que poderia aqui mencionar.

No fundo, se tomar bem conta da sua «cabeça» e investir em bons hábitos, será recompensado com algo que nada pode comprar: a capacidade de usufruir plenamente da sua vida!

No meu livro anterior, intitulado E quando não Está tudo bem? Como (re)conhecer e agir na ansiedade e na depressão, foquei-me bastante nas situações de doença mental, nomeadamente nas várias perturbações depressivas e ansiosas, que são extremamente frequentes na nossa sociedade. Na realidade, os estudos indicam que uma em cada quatro pessoas desenvolverá algum tipo de perturbação psiquiátrica ao longo da vida! Portanto, não é algo que «só acontece aos outros».

No presente livro, o foco vai ser diferente: quero que faça parte do grupo de três pessoas que não irá desenvolver uma perturbação mental. E, para isso, terá de cuidar bem da sua mente e do seu corpo, que, posso adiantar desde já, não estão separados um do outro. Se a mente sofre, o mesmo acontece com o nosso corpo, o nosso físico. E vice-versa.

Já no tempo dos antigos Romanos, Juvenal dizia «mente sã em corpo são» e, hoje em dia, a Ciência já desmontou o mito segundo o qual a nossa mente estaria separada do nosso corpo, que uma coisa seriam as doenças psiquiátricas e outra as doenças físicas. Só há um corpo, aquele em que habitamos, o nosso ecossistema. E, que eu saiba, só teremos um ao longo da vida, por isso, como é possível não pensar em cuidar dele como um todo?

Claro que, apesar de desejar que seja uma das três pessoas que não irão desenvolver qualquer patologia do foro mental, ninguém está imune à doença, por mais bons hábitos que tenha. Um atleta pode ter uma doença cardíaca, uma pessoa que não fuma pode ter um cancro do pulmão, alguém muito cuidadoso com a sua alimentação pode ter diabetes. Mas, mesmo que esteja a passar por dificuldades no plano psiquiátrico ou psicológico, também vai beneficiar (e muito) destes bons hábitos e, quem sabe, substituir alguns menos favoráveis.

A este respeito importa sublinhar que, quando estamos doentes, devemos consultar um profissional de saúde. Afinal, com a saúde não se brinca! Este livro é uma partilha daquilo que considero serem bons hábitos, que contribuem para a promoção da saúde mental, que têm um papel importante na prevenção da doença e que podem ajudar num processo de recuperação. Mas de modo algum estas páginas se destinam a suprir ou, de alguma forma, substituir consultas ou conselhos de um profissional de saúde qualificado.

Mas voltando ao início e ao propósito deste livro: o que é um hábito?

Diz-me o dicionário que é uma "tendência ou comportamento, geralmente inconsciente, que resulta da repetição frequente de certos atos; rotina; automatismo".

Um hábito é um comportamento regular, muitas vezes automático, que é adquirido por meio da repetição. Uma rotina da qual podemos ter mais ou menos consciência. Os nossos hábitos podem ser positivos ou negativos, ou situar-se algures no meio, pois nem tudo é preto ou branco. Aliás, alguns hábitos podem ser bons para algumas pessoas e péssimos para outras. Existe um elevado grau de subjetividade naquilo que é bom para nós e devemos ter noção disso.

Outra coisa importante acerca dos hábitos é a sua participação na construção da nossa personalidade: "Diz-me quais os teus hábitos e eu dir-te-ei quem és." Bem sei que não é exatamente assim a frase que o escritor alemão Johann Goethe nos deixou. Na realidade, a citação completa é: "Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és. Saiba eu com que te ocupas e saberei também no que te poderás tornar."

O que fazemos e com quem o fazemos são fatores definidores da nossa personalidade, do nosso estilo de vida, das oportunidades que teremos ou não e da forma como iremos encarar os desafios.

"É Desta Que Leio Isto"

"É Desta Que Leio Isto" é um grupo de leitura promovido pela MadreMedia. Lançado em maio de 2020, foi criado com o propósito de incentivar a leitura e a discussão à volta dos livros.

Já folheámos as páginas de livros de autores como Luís Sepúlveda, George Orwell, José Saramago, Dulce Maria Cardoso, Harper Lee, Valter Hugo Mãe, Gabriel García Marquez, Vladimir Nabokov, Afonso Reis Cabral, Philip Roth, Chimamanda Ngozi Adichie, Jonathan Franzen, Isabel Lucas, Milan Kundera, Joan Didion, Eça de Queiroz e Patricia Highsmith, sempre com a presença de convidados especiais que nos ajudam à discussão, interpretação, troca de ideias e, sobretudo, proporcionam boas conversas.

Ao longo da história do nosso clube, já tivemos o privilégio de contar nomes como Teolinda Gersão, Afonso Cruz, Tânia Ganho, Filipe Melo e Juan Cavia, Kalaf Epalanga, Maria do Rosário Pedreira, Inês Maria Meneses, José Luís Peixoto, João Tordo e Álvaro Laborinho Lúcio, que falaram sobre as suas ou outras obras.

Para além dos encontros mensais para discussão de obras literárias, o clube conta com um grupo no Facebook, com mais de 2500 membros, que visa fomentar a troca de ideias à volta dos livros, dos seus autores e da escrita e histórias que nos apaixonam.

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Um hábito não é só um hábito, não é apenas um comportamento, é muito mais do que isso. É um reflexo do nosso modo de vida, uma expressão íntima das escolhas que fazemos diariamente. Vai muito além de um simples ato, é uma parte integral da nossa identidade, que nos molda de maneiras que, muitas vezes, subestimamos.

Ao observar os seus hábitos, poderá desvendar camadas mais profundas da sua personalidade e dos seus valores. Um hábito, além de o ser, é uma manifestação das suas prioridades e compromissos. Considere, por exemplo, alguém que tem como hábito ir jantar com os amigos todas as sextas-feiras à noite; isso poderá revelar a importância que a manutenção das amizades tem para essa pessoa (claro que também pode simplesmente mostrar que esta precisa de «desligar» da semana de trabalho ou que não gosta de estar em casa com a família, o que tem significados bem diferentes).

Por outro lado, alguém que gosta de dedicar o seu tempo livre à leitura poderá valorizar o conhecimento e o seu desenvolvimento intelectual (mas esta circunstância também pode significar que a pessoa em causa simplesmente utiliza os livros como uma forma de escape perante uma realidade que não quer encarar). Como já tinha afirmado, a qualificação dos hábitos é altamente subjetiva. Claro que alguns são, sem grande margem para dúvida, muito prejudiciais para todos. Alguns exemplos são: fumar, consumir álcool em excesso, isolar-se, não praticar atividade física ou cortar nas horas de sono.

No geral, os hábitos têm um impacto significativo no nosso bem-estar. Escolhas saudáveis transformam-se em estilos de vida saudáveis, levando a benefícios duradouros. Também hábitos menos bons podem ter consequências negativas para a nossa saúde ou limitar o nosso potencial.

Portanto, mudar um hábito não é apenas uma questão de modificar uma ação rotineira. É alterar a nossa evolução como pessoas, a nossa narrativa, a nossa existência. Ter consciência do que faz e da razão pela qual age assim é uma forma de literacia — neste caso, literacia emocional. Se tiver esta consciência, pode mudar; se conseguir discernir entre o que é bom e mau (para si), tem a possibilidade de trabalhar nisso, de ser o gestor do seu bem-estar, de reforçar o que é positivo e de romper com o negativo.

Criar hábitos envolve começar com metas pequenas e alcançáveis, estabelecer objetivos, acreditar na importância deste trabalho e celebrar cada conquista (por mais pequena que seja). No entanto, irá precisar de dois ingredientes básicos: consistência e paciência.

Ao longo deste livro quero desafiá-lo! Quero que esta leitura seja disruptiva, que o obrigue a olhar para dentro de si, que o faça questionar se isto faz sentido, que eventualmente motive alguns debates e trocas de ideias com as pessoas que lhe são próximas. É tão mais fácil mudar com a ajuda dos outros. E, acredite, a sua mudança levará também a mudanças nas suas relações. Maus hábitos são contagiosos, mas os bons hábitos também o são! No entanto, não se esqueça de que a mudança começa de dentro para fora. Não espere que os outros mudem para começar a mudar. Não espere pelas condições ideais. Não adie para uma altura em que «as coisas estejam melhor». O momento é agora! Inspire-se com a criação de bons hábitos: quem sabe o que se seguirá?

Ao longo dos próximos 18 capítulos, cada um correspondente a um «bom hábito para a cabeça», vamos explorar a sua relevância, os conhecimentos que estão na sua base, bem como as dificuldades e as formas de aplicação. Cada capítulo tem três secções: a relevância (ou «Porque é que isto é tão importante?»), seis desafios para pensar e seis ideias práticas.

Pode ler os capítulos pela ordem que quiser: pode começar pelo meio, pelo fim, pelo início, por aqueles que lhe chamarem mais a atenção. Eles são todos igualmente importantes e a ordenação é fruto da forma como me surgiram na mente, à medida que planeava este livro. Espero que goste e, sobretudo, que lhe seja útil! Vamos começar?

1. PRESTE ATENÇÃO

PORQUE É QUE ISTO É TÃO IMPORTANTE?

Imagino que possa parecer estranho. Afinal, que raio de hábito é este, prestar atenção? Mas posso dizer-lhe que muitas pessoas passam uma vida inteira sem prestarem muita atenção ao que se está a passar, quer consigo próprias quer com o que está à sua volta.

Prestar atenção é uma capacidade essencial para o sucesso em diversas áreas da vida. Seja no trabalho, nos relacionamentos, nos estudos ou mesmo no seu desenvolvimento pessoal. A capacidade de se focar, de absorver e de integrar informações de maneira consciente é fundamental para que a vida lhe corra bem.

Fique a saber que múltiplos estudos científicos comprovaram que, quando fazemos um esforço intencional para prestar atenção ao quotidiano, quando nos focamos no presente, registam-se melhorias em índices de ansiedade e depressão, o stresse diminui e a sensação de satisfação pessoal aumenta. Práticas mais estruturadas, como a atenção plena (mais conhecida como mindfulness), têm sido associadas a benefícios cognitivos (por exemplo, ao nível da memória, da capacidade de concentração e de planeamento), emocionais (como maior capacidade de regular estados emocionais) e até mesmo a mudanças neurobiológicas positivas no cérebro!

Livro: "Não Complique - e Outros 17 Bons Hábitos de Saúde Mental"

Autor: Diogo Guerreiro

Editora: Presença

Preço: € 15,90

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Em suma, prestar atenção é um poderoso estímulo que leva a transformações profundas no nosso funcionamento cerebral e emocional.

O simples ato de direcionar a sua atenção para o momento presente, sem julgamentos, aceitando as coisas como são, é um mecanismo eficaz, que modula o funcionamento da sua mente, fortalecendo áreas relacionadas com a autorregulação emocional e com a tomada de decisões. Muitos dos nossos pensamentos ansiosos focam-se no futuro; pelo contrário, muitos dos nossos pensamentos depressivos focam-se no passado. Adquirir o hábito de se concentrar no presente, de prestar atenção a si e ao mundo exterior, é extremamente útil.

Além disso, prestar atenção contribui para melhorar a qualidade das suas relações interpessoais. Ao estarmos presentes no momento, somos mais capazes de compreender as emoções dos outros, promovendo a empatia e uma comunicação mais eficaz.

Quando dominar este hábito, vai ver que se tornará um observador mais apurado, que pormenores que fazem toda a diferença se tornarão visíveis, que certas adversidades têm soluções escondidas, que algumas emoções estão a sinalizar coisas importantes ou que determinadas situações são mais complexas do que parecem. Isso dar-lhe-á muita resiliência, não duvide.

Estes benefícios estendem-se a várias áreas. Por exemplo, estudos demonstraram que profissionais que praticam mindfulness apresentam uma maior capacidade de concentração e mais produtividade e satisfação no trabalho. A habilidade de se concentrar no presente impulsiona a criatividade e a tomada de decisões mais informadas, o que, como imaginará, é fundamental para o seu sucesso profissional.

E não faz bem só à própria pessoa: todos os hábitos são contagiosos. Se todos fizermos a nossa parte, podemos ter comunidades mais conscientes, onde existam laços mais fortes e uma compreensão coletiva das necessidades de cada membro. A empatia cultivada por este hábito pode servir de alicerce para a construção de sociedades mais resilientes, solidárias, equilibradas e conectadas.

Há aqui um pormenor que acho que vale a pena mencionar. Quando pensamos em atenção, muitas vezes focamo-nos no aspeto externo da mesma. Por exemplo, estou a prestar bastante atenção a este livro, estou focado na conversa que estou a ter com o meu amigo ou estou atento ao ficheiro Excel no qual estou a trabalhar. Mas a atenção tem dois componentes: a atenção externa (como nos exemplos anteriores) e a atenção interna.

A atenção externa está presente quando focamos a mente em estímulos que se encontram fora de nós: o que se passa à nossa volta, os sinais que os nossos órgãos dos sentidos nos transmitem. A atenção interna surge quando a nossa mente se concentra em estímulos que provêm de dentro de nós, como pensamentos, emoções ou sensações físicas. Ambas são importantes, desempenhando um papel fundamental na forma como vemos e nos adaptamos ao mundo! Enquanto a atenção interna envolve a autorreflexão e a consciência emocional e corporal, a atenção externa direciona-se para o mundo à nossa volta, sendo crucial para interações sociais e para o processamento sensorial.

Olhar para dentro de nós tem muitos benefícios. Por vezes, chamamos-lhe introspeção ou autoconhecimento. Se ganhar o hábito de prestar atenção aos seus pensamentos, emoções e motivações internas, pode ganhar insights (ou entendimentos) muito valiosos para o seu desenvolvimento pessoal. Se tiver noção do que está a sentir no momento, poderá até perceber o que gerou esse sentimento ou emoção. Se for uma sensação positiva e agradável, pode tomar medidas para que surja mais vezes. Se for mais desagradável, saber o que a causou permite-lhe agir para que aconteça menos vezes. Claro que, por vezes, não é possível alterar certas circunstâncias que nos fazem sentir mal, mas, ao compreendê-las, poderá aceitá-las o melhor possível, o que se traduz, habitualmente, em menor sofrimento psicológico.

Em suma, prestar atenção, ao interior e ao exterior, é uma forma de autoconhecimento e uma ferramenta de adaptação às adversidades. Criar este hábito tornará a sua vida mais fácil, resultará num melhor entendimento dos seus padrões de comportamento, vai ajudá-lo a tomar melhores decisões e a promover o seu bem-estar mental.