"A Casa Golden" apresenta um panorama dos Estados Unidos, de Barack Obama a Donald Trump, que compara ao vilão de Batman — Joker. "No entanto, eu comecei este romance muito antes da eleição presidencial de 2016", destaca o controverso autor de "Os versículos satânicos".

O romance que pretende apresentar um "retrato social de Nova Iorque durante a última década" antecipa, com efeito, a vitória do magnata imobiliário diante do seu adversário democrata.

"Na manhã de 8 de novembro de 2016, quando fui votar, estava convencido de que à noite teríamos uma mulher presidente pela primeira vez", lembra o escritor, que recentemente obteve a cidadania norte-americana.

"Na verdade, embora eu ainda não soubesse, o meu livro já sabia a verdade", acrescenta. "Às vezes, o teu livro é mais esperto que tu".

"Neste romance altamente realista, introduzi um elemento surreal como o Joker, o vilão da BD que se torna presidente", explica o autor. "Mas, quase dois anos depois, isso não parece mais tão surrealista. De facto, Trump transforma-se no Joker. Não me surpreenderia se tingisse a pele de verde".

"Não é apenas sobre Trump, é sobre toda esta década em que passamos do otimismo à loucura e ao desespero, a sociedade [americana] está em pedaços e as pessoas não se entendem ou não acreditam umas nas outras", lamenta o romancista.

Máfia e jihadistas

O novo livro de Rushdie trata com erudição, humor e ironia alguns dos temas favoritos do autor, como a questão da identidade.

O narrador é um jovem e ambicioso cineasta americano chamado René. Ele é fascinado pelos seus novos vizinhos: um misterioso milionário que se chama Nero Golden e os seus três filhos, Petya, autista e génio dos computadores, Apu, artista plástico, e Dionysos, que tem dúvidas sobre a sua orientação sexual.

Todos moram no seleto bairro nova-iorquino de Greenwich Village. Pouco a pouco, o passado deles virá à tona.

"Os ataques de [2008] em Mumbai, a minha cidade natal, foram o ponto de partida do livro para mim", explica o escritor.

"Amigos que moram lá disseram-me que estava claro que a máfia criminosa local colaborava com os jihadistas. O chefe do crime organizado indiano, Dawood Ibrahim, que dirigia a 'D-Company', converteu-se ao islamismo cada vez mais radical", conta Rushdie, que fala de "um triângulo muito estranho entre a indústria do cinema e a alta sociedade de Mumbai, as gangues e os jihadistas".

Mas na história, porquê que o pai e os seus três filhos escondem as suas origens? O que levou a que mudassem de nome?

"Na vida real, as pessoas fazem isso o tempo todo. Nas ruas de Nova Iorque é possível encontrar pessoas de todo o mundo que mudaram e simplificaram o seu nome", afirma Rushdie.

"O magnata do cinema Samuel Goldwyn chamava-se Samuel Goldfish e, felizmente, ele mudou o nome quando chegou à América, caso contrário não teríamos tido a Metro Goldfish Mayer."

Embora não fale sobre isso, sabe-se que o romancista teve de usar um pseudónimo após a fatwa (sentença de morte segundo a justiça islâmica) lançada contra ele pelo regime iraniano em 1989, por conta da publicação de "Os Versos Satânicos".

"Por um breve momento, usei um pseudónimo, mas nunca o usei na minha vida ou para o meu próprio trabalho, foi algo que me permitiu assinar cheques, alugar apartamentos, odiei isso", explica Rushdie, que não gosta de falar sobre esse período da sua vida.


Por Alain Jean-Robert/AFP