"Os cientistas sabem há muito tempo que as vozes funcionam de forma diferente nas densas florestas e em planícies abertas e ao ar húmido e ar seco". Agora, eles consideram que "o ecossistema e o clima em que as línguas se desenvolveram podem ter realmente ajudado a moldar como elas soam", explicava a revista Christian Science Monitor. Em concreto, segundo o linguista Ian Maddieson, "pelo menos algumas características das diferentes línguas foram moldadas pelo ambiente climático e ecológico onde eram usadas".

"A teoria básica é que se tem um tipo de linguagem mais rica em consoantes nalguns ambientes em comparação com uma linguagem mais rica em vogais noutros, simplesmente por causa da eficácia da transmissão de diferentes tipos de sons em diferentes ambientes", diz Maddieson. No primeiro caso, esse tipo de linguagem encontra-se em terrenos mais acidentados e elevados, enquanto línguas com menos consoantes se detectam em regiões mais arborizadas, com temperaturas mais elevadas e mais chuva. O estudo de Maddieson e Christophe Coupé deixou de fora a análise a línguas como "o inglês, mandarim, espanhol e outras línguas globais", focando-se em mais de 600 línguas índigenas em todo o mundo.

O interessante é como os investigadores detectaram que alguém que vá para uma certa região, tenderá progressivamente a mudar, ao longo de várias gerações. Essas pessoas "vão ouvir coisas um pouco diferentes [e] adaptar a sua linguagem à maneira como ouvem". Um outro investigador da universidade de Miami, o antropólogo Caleb Everett, revelou como "linguagens com tons complexos dificilmente evoluem em ambientes secos", porque "as cordas vocais humanas funcionam com menos eficiência" - ao contrário do que sucede em regiões mais húmidas.

Convém ainda acrescentar as "influências sociais", como o facto de a sonoridade de uma língua estar correlacionada com o facto de as pessoas passarem mais ou menos tempo dentro de habitações, onde será menos necessário elevar a voz comparativamente aos ambientes abertos, como detectaram outros investigadores.

Veja-se o exemplo dos EUA, com mais de 320 línguas a co-existirem naquele país e 60 milhões de pessoas a falarem outra além do inglês

O que significa tudo isto? A linguagem é "ecologicamente adaptativa", nota Everett, e isso é algo intrínseco aos humanos. O que nos diferencia dos "sistemas de comunicação de virtualmente todos os outros animais que conhecemos é que temos tantas diferentes línguas", refere Maddieson. Veja-se o exemplo dos EUA, com mais de 320 línguas a co-existirem naquele país e 60 milhões de pessoas a falarem outra além do inglês.

Segundo dados do US Census Bureau, relativos aos anos entre 2009 e 2013, Nova Iorque tem 192 idiomas distintos, enquanto Los Angeles chega aos 185. Naturalmente, o espanhol lidera (mais de 37 milhões de falantes), seguido do mandarim, com mais de 2,5 milhões. O português fica-se pelos 692 mil falantes.

Já o investigador António Paulo Finuras defende que "a diversidade linguística, como a diversidade biológica, sugere origens evolutivas paralelas". Ao existirem diferentes grupos com diferenciados idiomas, trata-se de uma "resposta adaptativa das nossas espécies".

Se é um "atributo biológico" mas "não uma invenção cultural" e se "os mecanismos do cérebro controlados pelos circuitos neuronais que permitem a aquisição de uma linguagem altamente especializada são idênticos em todos os seres humanos normais, a diversidade das línguas é em si uma variável evolutiva da evolução da linguagem que continua por explicar".

Para Finuras, trata-se de um "resultado da estratégia de inibição da transmissão de agentes patogénicos" (doenças por infecção), uma resposta do "sistema imunitário comportamental". Os grupos humanos tinham de se manter em segurança assinalando aos seus membros os problemas de que podiam padecer, uma forma de "protecção imunitária grupal", com vantagens para a coesão da comunidade e também para uma "lealdade" do próprio indivíduo que se inseria nessa comunidade - o que podia gerar a criação de novos códigos ou mecanismos de comunicação (línguas), não entendíveis por estranhos.

O investigador português cita Daniel Nettle que sugere não existir uma relação directa e constante entre a evolução das línguas mas que ela está relacionada com a congregação das populações. Segundo Nettle, "quanto maior a densidade, mais rápida é a evolução das línguas".

Num trabalho revelado no Washington Post, contabiliza-se que a Ásia tem 2.301 idiomas, seguida pela África com 2.138, a região do Pacífico com cerca de 1.300 e as Américas com 1.064, ficando a Europa com apenas 286. "Cerca de 3% da população mundial conta por 96% de todas as línguas faladas hoje" e "2.000 têm menos de 1.000 falantes nativos".

Em termos de falantes, o mandarim lidera, seguido do hindi e do urdu, antes do inglês, árabe e espanhol. E o português cai no número de falantes "porque nem todos os brasileiros são falantes nativos". "Os números são fascinantes porque reflectem o facto de que dois terços da população mundial partilham apenas 12 línguas nativas", salienta o jornal, citando dados do investigador Ulrich Ammon, da universade alemã de Dusseldorf. Mas mostram igualmente que a predominância de certas línguas é histórica, nomeadamente pelas suas "raízes no passado imperial", conjugando-se esta visão geográfica com a mais assente na disseminação ambiental.

Toki Pona, "o mais pequeno idioma", foi criado em 2001 e tem apenas 123 palavras

O surgimento da imprensa também poderá ter tido algum impacto nas línguas, quando, "metaforicamente silenciou a palavra falada" e "os oradores de Roma cederam aos homens das letras". Foi o início da separação entre informação e comunicação. Mas é por metáforas que a linguagem se expande, como explicava o psicólogo Julian Jaynes à The Atlantic, ou se retrai.

O exemplo servia para mostrar a simplicidade da Toki Pona,"o mais pequeno idioma", criado em 2001 por Sonja Lang, com apenas 123 palavras. Segundo ela, são suficientes "para expressar qualquer ideia", usando "elementos básicos, juntando conceitos relacionados e tendo palavras únicas a realizarem múltiplas funções da linguagem".

Este novo esperanto, que pode ser assimilado em apenas 30 horas de estudo, altera igualmente a forma como os seus falantes pensam. Quando alguém "se consegue expressar de forma simples, então entende-se sobre o que se está a falar, e isso é bom", notava Lang. "Se algo é muito complicado, é mau", porque se "coloca muito ruído".

Uma outra explicação para o surgimento das línguas refere-se à necessidade de negociar - algo que mais nenhuma espécie faz, afirmava Lauren Giordano num outro artigo da The Atlantic. Até "a mais simples das negociações requer um sofisticado conjunto de regras e entendimentos" e, "tal como somos a única espécie a ter sistemas complexos de venda e negociação, somos também a única espécie que tem linguagem, e isso pode ter origens nos nossos antigos comportamentos económicos", diz.

A "linguagem é tão especializada e o comércio tão vantajoso que há razão para acreditar que a selecção natural" se baseou na conversa como uma adaptação fácil. "Gosto de pensar na nossa língua como um pedaço de tecnologia social, desenvolvida para gerir as necessidades das sofisticadas vidas sociais, baseada no comércio e especialização enquanto a nossa espécie foi evoluindo. Talvez tenhamos adquirido a linguagem - e nenhuma outra espécie o fez - porque fomos os únicos com algo para falar".

Giordano afirma ser "possível" que as transacções económicas possam ter ocorrido sem a linguagem mas, "com ela, um acordo pode ser negociado e obtido um preço justo".

É uma "explicação plausível", dado que "para outros animais, que não se dedicam ao comércio ou à coordenação das suas actividades, e que fazem mais ou menos as mesmas coisas todos os dias, não há realmente muito de que falar - pelo menos, não há muito mais para falar do que as suas formas de comunicação já permitem. Em resultado disso, a selecção natural nunca criou neles" essa necessidade "que temos para usar a linguagem. Simplesmente, não era necessário".

Este tipo de estudos tem oponentes. Em 2013, Seán Roberts e James Winters defendiam no trabalho "Linguistic Diversity and Traffic Accidents: Lessons from Statistical Studies of Cultural Traits" que estudos sobre certas ligações entre traços culturais tinham "vários potenciais problemas", nomeadamente no caso das línguas.

Entre vários exemplos - como questionarem trabalhos sobre o tamanho de uma comunidade e a relação com a complexidade morfológica da sua linguagem -, os autores apontavam a falibilidade de técnicas de análise na previsão de variáveis linguísticas a partir de aspectos ecológicos e do clima local. Eles consideram mesmo que, "em geral, a revisão de estatísticas utilizadas em estudos de cultura e linguagem podem ser menos rigorosas do que noutros campos" científicos.

Roberts e Winters argumentavam que se estudos com muitos dados "podem ser úteis para gerar hipóteses e fomentar trabalho interdisciplinar, há também problemas que significam que podem ter pouco poder explicativo".

A emergência de muitos dados para análise, no campo da chamada Big Data, é uma tragédia porque "quantas mais variáveis, mais correlações podem mostrar significado. A falsidade também cresce mais rapidamente do que a informação", referem.

Em síntese, num único mundo, porque se falam tantas línguas? Não se sabe.

Créditos da imagem: Minna Sundberg