Um cão de peluche que é ao mesmo tempo um Ewok, um busto de Napoleão Bonaparte, o Monstro da Lagoa Negra e um ser de semblantes pré-históricos sentam-se à mesa. Podia ser o cenário de uma anedota, mas é o início de “O filme do Bruno Aleixo”. Portanto, e fazendo a tradução para o universo da já mítica figura coimbrã, o filme começa assim: O Bruno Aleixo, o Busto, o Renato Alexandre e o Homem do Bussaco foram tomar um café ao parque verde, junto ao Mondego, em Coimbra.
Se estes quatro não precisam propriamente de uma razão para se encontrarem, desta feita havia um grande motivo: Bruno Aleixo tinha recebido uma chamada. "Ligou-me um homem que tem uma empresa que faz filmes. E quer que eu lhe faça um filme lá para a empresa dele", conta. Carente de ideias, Aleixo convoca toda a trupe, numa espécie de concílio dos deuses versão Aleixo, para debater e levar ao limite todas as ideias.
O filme acontece numa espécie de tertúlia em que a filosofia aleixiana, da simples conversa de café aos episódios mais estapafúrdios, é levada ao esdrúxulo, encaixando cada ideia num género cinematográfico específico, da sitcom ao noir , da novela aos filmes de terror, ao mesmo tempo que leva os fãs do cão de peluche rezingão a sítios como o café do Aires, que a série mitificou.
O Bruno Aleixo já anda a falar ao país e ao mundo debaixo da sua manta, sentado no seu sofá em Coimbra, há 12 anos. Durante este período nunca teve medo de dar o salto, ora para a televisão, para a rádio, ora para os livros ou até mesmo para o palco onde, no ano passado, João Moreira e Pedro Santo, os autores da série, estrearam "Bruno Aleixo - Biografia Não Autorizada".
Se em algum momento gostávamos de ver algo mais de Bruno Aleixo, algo fora da sua zona de conforto, entendamos que a grande razão pelo qual o projeto nunca fracassou foi por nunca ter tentado ser mais do que aquilo que sempre foi. O Aleixo nunca se tornou numa personagem política ou futeboleira, nunca saiu dos ecrãs para ganhar uma outra vida que não a do rezingão que um dia, bêbedo, estragou o autorrádio por tentar enfiar lá um rissol que queria guardar para comer no dia seguinte e que nos lembra constantemente para não comermos cornetos no café do Aires porque ele desliga a arca durante a noite para poupar luz e a bolacha fica mole.
A filosofia aleixiana é a apropriação do universo das conversas de cafés, do ridículo do nosso quotidiano, das coisas pequenas que todos fazemos e que só nos apercebemos quando um peluche o diz em voz alta. Naquilo que corre o risco de parecer básico, Moreira e Santo conseguiram conseguiram inserir um humor inteligente e observacional, acompanhado de uma portugalidade nas ideias e expressões. Ao mesmo são capazes de fazer descambar tudo isto com uma cena non sense.
O Aleixo resiste porque não tem um filme, mas vai em busca da ideia perfeita com os seus amigos, levando assim o espetador a alternar entre o brainstorm e vários sketches onde Adriano Luz, Rogério Samora e Fernando Alvim são alguns dos protagonistas.
O filme que estreou no final de 2019 do outro lado do Atlântico, no Brasil, chega esta quinta-feira às salas de cinema portuguesas para presentear aqueles que acompanham a série e tentar cativar aqueles que nunca ouviram falar do Aleixo e companhia a mergulhar num extenso universo de mais uma década, cuja parte do repositório vive no YouTube.
Não nos vamos lembrar de "O filme do Bruno Aleixo" como um bom ou mau filme, vamos lembrar-nos sim do Adriano Luz a ser dobrado pelo Bruno Aleixo, do Rogério Samora a ser dobrado pelo Homem do Bussaco e daquele filme que, por agora, não chegou a acontecer e em que mais uma vez se ficou por uma conversa que podíamos ter ouvido no Bigorna ou ter tido com os nossos amigos e com senhor Oliveira às três da manhã no Troica.
Já disse que tem um ninja? Afinal, é um ótimo filme.
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