A intenção é manifestada em entrevista à agência Lusa na semana em que Basil da Cunha estreia, nos cinemas portugueses, a segunda longa-metragem, “O Fim do Mundo”, que esteve em competição em 2019 no festival de Locarno, na Suíça, e acaba de ser premiada no festival IndieLisboa.
O realizador luso-suíço, de 35 anos, mora há mais de uma década na Reboleira, Amadora, paredes meias com um bairro ilegal, de construção clandestina, que tem sido cenário e personagem – através dos moradores – de alguns dos filmes dele, nomeadamente a primeira ‘longa’ “Até ver a luz” (2013).
Em entrevista à agência Lusa, entre as ruínas de habitações que têm sido demolidas nesse bairro, Basil da Cunha conta que “O Fim do Mundo” partiu da ideia de filmar a luta de uma geração mais nova que a dele, que vive as circunstâncias do bairro – “o gueto”, como ele chama -, marginalizado e incómodo.
A narrativa é protagonizada por Spira, um jovem que regressa ao bairro depois de ter passado oito anos numa casa de correção. É no bairro que reencontra a família e os amigos de infância e tenta a reintegração entre os que lá moram.
O filme assinala a estreia de vários jovens atores, moradores da Reboleira, entre os quais Michael Spencer, Marco Joel Fernandes e Alexandre da Costa Fonseca.
“Sempre filmei com os meus rapazes e os três protagonistas que eu escolhi são putos que vi crescer. São filhos de amigos meus e achava importante retratar a realidade que eles vivem e prestar uma homenagem ao nosso bairro, que é a Reboleira e que está a desaparecer aos poucos”, afirmou Basil da Cunha.
Basil da Cunha conta que “o bairro inteiro apoia” os projetos dele, uma ficção embebida naquela realidade, onde vive uma comunidade cabo-verdiana e que também é portuguesa e que, no entender do realizador, é invisível para a sociedade portuguesa.
“Se olharmos para a maioria dos elencos, seja no cinema, na televisão, no teatro, no jornalismo, no Parlamento, acho que há uma falta de representatividade no que responde ao que é Portugal e essa comunidade também. A nossa missão com o cinema é tentar reequilibrar as coisas e tentar criar mitos urbanos. Da mesma forma que os cantores cantam a História, os escritores escrevem a História, o cinema serve para inscrever comunidades que infelizmente estão na sombra na História de um país”, enfatizou.
O realizador lamenta que a História de Portugal tenha sido “romantizada”, na relação, por exemplo, com o colonialismo e com as comunidades africanas colonizadas.
“E reflete-se em coisas muito concretas, no acesso ao trabalho, no acesso a alojamento, para não falar na repressão da polícia, que tem vindo a cometer atos racistas ao longo dos anos, sem nunca ter alguma forma de castigo. Acho que, neste aspecto, Portugal ainda tem um trabalho grande pela frente e a luta vai ser complicada”, alertou.
“O Fim do Mundo”, que simbolicamente fala “do fim de um bairro, do fim da inocência”, é “uma ficção pura e dura sobre a realidade”, e essa realidade é inspirada em coisas que Basil da Cunha viu e ouviu.
São “histórias que conheço de certos protagonistas e depois acrescento sempre o meu sal para ter uma ficção. Há um trabalho bastante clássico de adaptação cinematográfica e isso não é um documentário, mas retrata de uma forma muito pura aquilo que é o bairro, tentando sempre encontrar naquele dureza comédia e poesia, que também faz parte do bairro”.
Basil da Cunha, filho de pai português e mãe suíça, vive desde 2008 na Amadora, mas mantém uma ligação regular com a Suíça, onde dá aulas de cinema e faz a produção dos filmes.
Já conseguiu financiamento para o próximo, uma nova longa-metragem que será rodada novamente na Reboleira, possivelmente em 2021, e no qual Basil da Cunha quer reencontrar personagens que têm aparecido nos filmes anteriores.
“Vai ser um género de cinema, filme coral, de grupo. Parte de uma frustração minha, porque descobri atores fantásticos, em particular mulheres. A partir dessa frustração decidi dar um lugar maior a essa guerreiras e às quais não dei ainda a devida homenagem que merecem”, explicou.
“O Fim do Mundo” estrear-se-á na quinta-feira, em cerca de vinte salas portuguesas.
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