“Flor de fumo e outros textos” tem tradução da poeta Regina Guimarães, a partir da versão inglesa de Diana Arterian e Marina Omar (ainda não editada), e chega às livrarias na primeira quinzena de novembro, pela Editora Exclamação.

Este lançamento acontece por ocasião da morte da poeta – sobre a qual passam 17 anos no dia 06 de novembro -, às mãos do marido, por ciúmes pelo seu sucesso enquanto poeta.

Nascida em Herat, cidade próxima do Irão, em 1980, Nadia Anjuman frequentou uma escola de literatura camuflada de aula de costura, que dava pelo nome de Escola da Agulha Dourada.

Em 2001, quando os talibãs foram derrotados no Afeganistão, após a invasão americana, e as mulheres puderam ir à escola, Nadia saiu da clandestinidade, para em pouco tempo entrar na universidade, tornando-se numa aluna dedicada e brilhante.

Três anos depois, porém, Nadia Anjuman viria a morrer, apenas com 24 anos, espancada pelo seu marido, que alegou depois que ela se suicidara.

“Hoje, as mulheres afegãs estão de novo amordaçadas e esta obra é mais atual do que nunca. No Irão, as mulheres lutam pela sua autodeterminação e em muitas partes do mundo os seus direitos não estão assegurados. Por isso, este é um grito de desespero de Nadia Anjuman e também um grito de liberdade de todas as mulheres oprimidas”, declara a editora.

Abarcando o período que vai de 1997 até 2005, a obra completa de Nadia Anjuman, é uma edição bilingue, português/dari, o dialeto do afegão, sendo a primeira vez que é editada em língua que não o dari ou pashto (as duas línguas oficiais do Afeganistão).

“Há textos dispersos em antologias, como ‘Load Poems Like Guns’, de Farzana Marie, mas a obra completa é agora editada pela primeira vez numa língua que não o persa. Diana Arterian e Marina Omar, a primeira americana e a segunda afegã, a residir nos EUA, traduziram a obra completa para inglês e tentaram editá-la nos EUA mas até hoje não conseguiram”, disse à Lusa Nuno Gomes, editor da Exclamação, sublinhando que os poemas completos foram editados em 2007, mas somente em dari.

O responsável explica como é que chegou à obra da poeta afegã e como é que teve acesso à versão inglesa não editada: “Quando os americanos saíram do Afeganistão, em 30 de agosto de 2021, nos dias seguintes começaram a circular alguns poemas de Nadia Anjuman nas redes sociais, como exemplo da emancipação das mulheres afegãs, contando a sua história trágica e com o receio de um novo retrocesso civilizacional dos seus direitos, o que viria a acontecer, estando hoje ainda mais condicionadas do que naquela altura”.

“Encontrei diversos poemas traduzidos pela dupla Arterian/Omar e verifiquei que tinham traduzido a obra integral. Inicialmente, o interesse era ter acesso aos textos em dari, dado que queríamos fazer a tradução a partir do original. Contactei, por isso, a poeta e professora Diana Arterian que nos cedeu gentilmente os textos originais e traduzidos para inglês, já que se preparava para os editar nos EUA, o que acabou por ainda não acontecer”.

Nuno Gomes disse então ter falado, ainda esta semana, com Diana Arterian, que lhe revelou que “por lá o processo é demorado e ainda não conseguiu convencer o editor”.

Por sua vez, e por causa dos direitos de autor, Diana Arterian apresentou ao editor o irmão de Nadia Anjuman, Mohammad Shafi Noorzaee, professor na Universidade de Herat e doutorando na Universidade de Teerão, que assina, no obra, a biografia da irmã.

“Dessa troca de ‘emails’, surgiu uma amizade e um pedido de asilo a Portugal, processo que conduzi em conjunto com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Cruz Vermelha, culminando em junho com a sua vinda, da mulher e dos seus dois filhos para Portugal”, contou.

Em agosto, Shafi foi intimado pelo governo talibã a voltar ao Irão, onde fazia o doutoramento com uma bolsa do Afeganistão, sob pena de lha retirarem e prenderem a família a residir no Afeganistão, pelo que a mulher e filhos foram para a Alemanha, onde tinham familiares, e ele voltou ao Irão, onde se encontra atualmente.

“A Regina Guimarães entrou neste processo rocambolesco porque a primeira tradutora que escolhemos para fazer a tradução a partir do dari, uma iraniana, se mostrou incompetente para o fazer”, e aquilo que inicialmente era para ser uma simples revisão, acabou por se transformar numa tradução a partir do inglês, dado não ter havido ninguém com as capacidades necessárias para fazer a tradução a partir do dari".

O poeta e ex-ministro da Cultura Luís Castro Mendes, autor do prefácio da versão portuguesa, descreve a expressão de Nadia Anjuman como “uma poesia de um desespero manso, de uma desilusão que não grita para não estilhaçar as possibilidades de beleza que o mundo sucessivamente recusa, mas que nos interpela com mais força, pela violência do seu silêncio”.

Citando o crítico Abdul Qafoor Arezu, afirma que a poesia de Nadia Anjuman transcende a morte, dando-se como missão transmitir as "histórias amargas", que não quer deixar "sem lar", porque a sua arte poética se propõe dar-lhes personalidade, constituindo-se como uma "leitura generosa" de "um mundo devastado".

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