Em entrevista à agência Lusa, Pedro Mafama recordou que, quando começou a trabalhar a sua visão da música popular portuguesa, rapidamente percebeu que “Por este rio acima” (1982), de Fausto Bordalo Dias, era “o grande monólito, o grande marco”.

O álbum de Fausto, inspirado na "Peregrinação", de Fernão Mendes Pinto, e nas viagens do século XVI a Oriente, foi algo que “esteve muito presente”, desde o início de Pedro Simões como Pedro Mafama, e que o músico decidiu homenagear, mas seguindo “no sentido oposto”.

“Porque o meu assunto não são os Descobrimentos, não é a epopeia portuguesa, o que os portugueses levaram para o mundo, não é a viagem dos portugueses, é a mistura que nos chegou através dos rios, por terra e por mar, a mistura que nos chegou de Sul, sobretudo. É esse o meu ponto de interesse e o que compôs aquilo a que chamamos hoje em dia cultura portuguesa, mas que na verdade é uma mistura”, contou.

Pedro Mafama lembra que aquilo que “hoje em dia é entendido por cultura tradicional portuguesa tem tanto de ibérico como de africano, de árabe”. E é isso que lhe interessa.

“À volta destes ritmos ‘super’ portugueses encontras percussões árabes, percussões africanas, é uma visão da cultura portuguesa que engloba as culturas todas que estão à nossa volta e com as quais tivemos contacto”, salientou.

Como aconteceu com tantos outros músicos, Pedro Mafama tinha o álbum pronto a lançar antes de março de 2020, quando a pandemia da covid-19 chegou a Portugal.

Mas perante a pausa, “pessoal e profissional”, a que a pandemia obrigou, decidiu continuar a trabalhar no álbum de estreia, “até encontrar o assunto do disco e o que junta as músicas todas”.

“Muitas músicas ficaram pelo caminho [como 'Não saio', que divulgou no ano passado], e outras nasceram a partir do momento em que encontrei o que queria dizer com este disco”, recordou.

Além de serem 11 casos de música tradicional revisitada, há outros temas que os ligam.

“Há sempre um tema da água, do mar, dos rios, presente, que é usado como metáfora. Não usa literalmente memórias das navegações ou dos Descobrimentos, usa tudo isto como metáfora e é quase um ensaio sobre a água que é omnipresente aqui em Lisboa e em Portugal. O disco é a minha visão, tanto visualmente como musicalmente, dos elementos culturais que sinto que têm algum papel ou que podem ser importantes para redesenhar um futuro em que a tradição esteja em harmonia com o presente e com o futuro”, explicou.

“Por este rio abaixo” tem Pedro da Linha como produtor principal, mas as músicas foram criadas por ambos.

“Até há pouco tempo eu dava-lhe uma maquete [com músicas] e ele trabalhava-a, fazia-as crescer com a sua genialidade. Mas a partir de certa altura, decidimos juntar forças e começámos a fazer músicas de raiz em conjunto, sempre com uma visão muito específica do que queríamos passar, que é esta ideia de música portuguesa revisitada, que se conecta com outras culturas que estão aqui à nossa volta”, partilhou.

Nas criações juntaram ‘samples’ do etnólogo Michel Giacometti, que retratou “um mundo que já não existe, um Portugal que muitas vezes não parece Europa, um retrato de uma cultura que não estava definida e foge a qualquer categorização”, e dos Dead Combo, “banda cujo trabalho tem esta visão da cultura portuguesa como uma mistura e o álbum ‘Lisboa Mulata’ é uma prova disso”.

Para também darem voz ao disco convocou a fadista Ana Moura e os ‘rappers’ ProfJam e Tristany, “todos escolhidos pelas músicas, quase”.

“A ‘Cidade Branca’ pedia o ProfJam, a ‘Borboletas da Noite’ pedia o Tristany’. A música com a Ana foi a única que fiz com ela ao lado, ela estava lá a ajudar-me a alcançar novos sítios com a minha voz e foi importante a presença dela”, partilhou.

“Por este rio abaixo” conta ainda com a participação, entre outros, do DJ e produtor Branko e do guitarra português Ângelo Freire.

O álbum é apresentado ao vivo em julho, no Lux-Frágil, em Lisboa, nos dias 15 e 16, mas as duas datas já estão esgotadas.