O Prémio Pessoa, no valor de 60 mil euros, é uma iniciativa do semanário Expresso e da Caixa Geral de Depósitos, e visa "representar uma nova atitude, um novo gesto, no reconhecimento contemporâneo das intervenções culturais e científicas produzidas por portugueses".

O júri deste ano foi composto por Ana Pinho, António Barreto, Clara Ferreira Alves, Diogo Lucena, Eduardo Souto de Moura, José Luís Porfírio, Maria Manuel Mota, Pedro Norton, Rui Magalhães Baião, Rui Vieira Nery e Viriato Soromenho-Marques, com Francisco Pinto Balsemão a presidir e Paulo Macedo enquanto vice-presidente.

“Médico e cirurgião, é uma voz inconfundível na poesia portuguesa contemporânea desde 1989, quando publicou o primeiro livro, aos 22 anos”, afirmou hoje o presidente do júri, Francisco Pinto Balsemão, citando a ata da reunião dos jurados deste ano.

O júri salientou a “obra vasta de João Luís Barreto Guimarães” que “se inscreve simultaneamente na tradição lírica portuguesa, tanto na sua nota histórica como intimista, e numa modernidade europeia e anglo-saxónica”.

O poeta “tem dezenas de livros publicados em Portugal e traduzidos no estrangeiro, na Europa e na Ásia, na América do Sul e do Norte”, lembrou ainda, de acordo com a ata.

O júri destacou ainda que o João Luís Barreto Guimarães “alia à virtude da palavra e da imaginação, uma reflexão por vezes irónica, por vezes realista, sempre duramente trabalhada, sem prejuízo do efeito estético na construção do poema”.

“Homem culto, participante ativo da cultura europeia cosmopolita, a sua sensibilidade poética transita da literatura para as outras artes com uma fluidez que não recusa a tinta sentimental ou a demonstração consciente da inconsciência da condição humana”.

Para o júri, a obra de João Luís Barreto Guimarães - que “escreve sobre os portugueses, e tudo o que vê e o que observa, o que sente e o que pensa, e sobre o outro com uma atenção permanente” – é “testemunho de um tempo, o de agora, e de um tempo antigo, clássico, universal, reconhecível pela inteligência e a emoção.

Rui Vieira Nery reforçou que, embora seja médico e cirurgião, “é na qualidade de poeta que [João Luís Barreto Guimarães] recebe o Prémio Pessoa”, referindo que “como poeta, trata também a sua experiência da relação com o doente”.

Aquele elemento do júri, questionado pelos jornalistas, esclareceu também que, para a atribuição do prémio, “não se valorizou especialmente o último livro” editado por João Luís Barreto Guimarães, “Movimento” (2020), que considerou ser “o culminar de uma longa carreira”.

“Foi sublinhada na decisão do júri essa continuidade”, disse.

Poeta recebe prémio com alegria e peso de responsabilidade

João Luís Barreto Guimarães recebeu com “muita alegria”, mas também com “espanto e surpresa”, o Prémio Pessoa, que hoje lhe foi atribuído, confessando sentir o “peso da responsabilidade” por uma distinção “desta envergadura”.

“Recebi [o prémio] com muita alegria e noção da responsabilidade inerente à atribuição do prémio, ao mesmo tempo com espanto e surpresa. Conheço o prémio, tenho uma ideia de a quem foi atribuído e a que poetas foi atribuído, e senti imediatamente o peso da responsabilidade de receber um prémio desta envergadura”, disse o poeta à Lusa.

Questionado sobre a importância de receber este galardão quando não dispõe de todo o tempo para a escrita e exerce profissionalmente a carreira de médico, João Luís Barreto Guimarães admitiu que a construção da sua obra poética “foi sempre uma luta por tempo e, de alguma forma, uma competição entre a cirurgia e o curso de Medicina e, agora, a literatura e a poesia”.

“Tudo se tornou mais fácil quando, a determinada altura, deixei de compartimentar, já há bastantes anos, as duas áreas. Tudo se tornou mais fácil, porque eu, em qualquer intervalo de tempo, em meio à minha atividade profissional, inclusive à hora de almoço, utilizava o tempo para ler ou escrever e, nesse aspeto, se calhar estará aí uma das razões pela qual eu escrevo poesia e não escrevo textos mais longos, como o romance por exemplo”, disse.

Para o poeta e também tradutor, a ideia de poder utilizar um texto poético concentrado e condensado, que consegue trabalhar num intervalo de tempo mais curto, é-lhe “cómoda para conciliar com a atividade profissional enquanto cirurgião”.

“A certa altura, eu já não sei se é o poeta que opera ou se é o cirurgião que escreve e eu, neste momento, sinto-me uma e a mesma pessoa e, honestamente, há algo de semelhante no trabalho de revisão e burilamento que eu faço, quer com a caneta quer com o bisturi”, explicou.

No entanto, a ideia de explorar um estilo narrativo mais longo, como o romance, quando dispuser de mais tempo, não está, para já, no horizonte de João Luís Barreto Guimarães.

“Sinto-me muito cómodo com o poema, nomeadamente o poema curto, que se centra no centro da página, emoldurado por uma moldura branca de silêncio a toda a volta, em que o poema e a sua mancha gráfica, ideias e sons se esculpem no meio da página para um máximo de experiência de leitura e experiência poética. Eu gosto dessa ideia quase fílmica de curta-metragem no centro da página. Para mim, escrever mais do que isso, mais do que aumentar, é diluir e eu sinto-me confortável com a intensidade, o choque, o estremeção do poema dentro desse limite e dessas dimensões”, afirmou.

Nascido no Porto, em 3 de junho de 1967, João Luís Barreto Guimarães publicou, em edição de autor, o primeiro livro de poesia, "Há Violinos na Tribo", em 1989.

Com 12 livros de poesia já publicados, segundo o seu blogue pessoal, os primeiros sete foram reunidos em 2011, numa "Poesia Reunida" editada pela Quetzal.

Em 2016, lançou "Mediterrâneo", por esta última editora, que conquistou o Prémio Nacional de Poesia António Ramos Rosa e "foi publicado em Espanha, Itália, França, Polónia, Egipto, Grécia, Sérvia e Estados Unidos, onde recebeu o Willow Run Poetry Book Award 2020".

O seu mais recente livro, "Movimento", de 2020, venceu o Grande Prémio de Literatura dst.

João Luís Barreto Guimarães é também médico e professor de Introdução à Poesia para estudantes de Medicina, no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto.