O dia em que nos despedimos
O Jake sofreu outro AVC quando estávamos na casa dos meus pais no Sudoeste. Encontrámos um veterinário perto de casa deles, que nos disse que o Jake podia recuperar completamente. Uma semana depois, estava muito melhor e achámos que estaria pronto para fazermos a viagem de regresso a casa. Marcámos uma consulta com o nosso veterinário, pois tínhamos uma longa relação com ele, e conhecia o Jake desde que o acolhemos. Depois de o examinar e lhe tirar sangue, o veterinário disse que parecia bem e, com sorte, as análises ao sangue iriam confirmar que estava tudo normalizado. Fomos para casa muito aliviados. Algumas horas mais tarde, no entanto, levámos o Jake ao jardim, e era evidente que algo não estava bem. Ele desmaiou e precisou de ajuda para entrar em casa. Ligámos ao veterinário e implorámos-lhe que viesse fazer uma consulta ao domicílio, mas ele disse que precisava de o ver na clínica, caso tivesse de ser operado, por isso levámo-lo lá o mais rápido possível. Transportámo-lo para o carro e eu sentei-me no banco de trás com ele. Pousou a cabeça no meu joelho. Dava para ver a dor nos seus olhos. Aquela viagem de carro de vinte minutos pareceu demorar horas.
O meu marido levou-o para a cirurgia e o veterinário encaminhou-nos para um consultório. Auscultou o peito do Jake e disse-nos: «É o fim. Precisamos de o pôr a dormir imediatamente; se não o fizermos, terá um ataque cardíaco à vossa frente.» Dissemos-lhe para dar a injeção ao Jake, já que não queríamos que ele sentisse mais dores. Deitámo-nos ao pé dele enquanto a injeção era administrada, e sentimos o coração dele parar de bater. O veterinário perguntou se gostaríamos que ele tratasse da cremação do Jake e nós concordámos.
As horas seguintes são vagas e tortuosas de recordar. Saímos da cirurgia dormentes, atordoados, em choque e devastados. Não queríamos ir diretamente para casa, por isso fomos ter com os meus avós para lhes contar o que tinha acontecido... mas sabíamos que em algum momento teríamos de voltar para a nossa casa. Quando entrámos, vimos a cama do Jake, os brinquedos dele... a sua presença estava em toda a parte, e a dor era insuportável.
Fomos para a cama a soluçar, e no dia seguinte decidimos que já não podíamos ficar em casa. Fizemos as malas, entrámos no carro e começámos a conduzir. Acabámos por ir de Inglaterra até ao topo da Escócia... a chorar durante todo o caminho.
Até hoje, não sei se a morte do Jake foi a gota d’água ou se eu ainda teria reagido desta maneira, mesmo que nunca tivesse passado por uma perda tão extrema, tanto de pessoas como de animais de estimação, mas aquilo definitivamente destroçou-me. A vida parecia sem sentido, sem esperança e desprovida de luz.
Depois de dias e dias a conduzir, decidimos que precisávamos de voltar para casa, pois sabíamos que tínhamos de recolher as cinzas do Jake no veterinário. Regressar a casa e entrar pela porta da frente foi horrível: a cama dele ainda estava lá, os seus brinquedos ainda estavam lá, mas a casa continuava silenciosa. Nada de passos de cão. Nada de latidos. A nossa casa já não parecia um lar; parecia apenas uma casa, e odiávamos estar ali.
Aquela dor crua e sombria durou alguns meses, e decidimos que a única maneira de gostarmos da nossa casa outra vez era encontrar outro cão que precisasse de ser resgatado. Não seria um cão substituto, pois isso nunca seria possível, mas outro cão que pudéssemos amar e cuidar. Acabámos por encontrar uma bela spaniel que estava num lar de acolhimento, pois tinha sido encontrada numa quinta de criação de cachorrinhos. Levei algumas semanas até conseguir amá-la, pois estava muito preocupada que alguém pudesse pensar que estávamos a «substituir» o Jake, mas passado um tempo percebi que podia amar os dois; e ao resgatar esta cachorrinha, parecia que estávamos a fazer algo em homenagem ao Jake.
«Como é que os animais entendem as coisas não sei, mas é certo que entendem. Talvez haja uma linguagem que não seja feita de palavras e todo o mundo a entenda. Talvez haja uma alma escondida em tudo e ela pode sempre falar, sem fazer barulho, com outra alma.»
Frances Hodgson Burnett
Este livro está dividido em quatro capítulos: a jornada da dor; conselhos para lidar com questões práticas; conselhos sobre como apoiar alguém que está a sofrer devido à perda de um animal de estimação; e um breve capítulo final sobre cura e felicidade. Depois, há duas secções no final do livro: a primeira aborda perguntas que me fazem com frequência e a segunda inclui um guia sobre como superar o primeiro mês de luto. Inclui um espaço para anotar os seus sentimentos – ou porque não começar a escrever um diário? É uma maneira muito eficaz de processar a dor, e recomendo-lhe que o faça.
A dor pode fazê-lo sentir-se muito sozinho, mas os sentimentos que está a enfrentar atualmente serão sentidos por muitos outros. Pedi a pessoas que partilhassem comigo as suas histórias de perda de animais de estimação, para que pudesse incluí-las neste livro. Espero que essas histórias lhe mostrem que a dor de perder um animal de estimação pode ser tão real e profunda como perder uma pessoa, e que ninguém deve sentir-se envergonhado dos sentimentos com que se debate perante a perda do seu amado companheiro.
1 — A Jornada da Dor
Os animais com que partilhamos as nossas vidas não são «apenas animais de estimação». São amigos, companheiros de vida, até mesmo almas gémeas. Parece que «sabem» coisas sobre nós, sentem o nosso estado de espírito, mesmo sem falar percebem aquilo de que precisamos. Construímos as nossas rotinas, o nosso trabalho e as nossas vidas à volta deles. Dão-nos alegria, amor e, muitas vezes, propósito. Também nos ensinam muito acerca de devoção e lealdade. Estas almas preciosas dão-nos tanto e, quando morrem, parece que uma parte de nós também morre com elas.
O que eu iria adorar é que este livro o ajudasse a reconhecer o valor da dor nas nossas vidas, onde quer que ela possa nascer, e que as palavras dentro destas páginas lhe ensinem a aceitar o seu lugar em vez de lutar contra ela. Se estendermos uma cadeira à dor para que se sente connosco à mesa, ela deixa de estar constantemente a bater à nossa porta sem ser convidada. Precisamos de perceber que a dor não tem de ser um monstro que vive debaixo da cama; pode ser uma companheira da qual não precisamos de fugir. Quando conseguimos encarar a dor e o sofrimento deste modo, o controlo que tem nas nossas vidas diminui.
Uma das coisas que aprendi na minha jornada é que a forma como vemos a dor e a perda depende das nossas opiniões pessoais sobre a morte e a vida. Quando valorizamos todas as criaturas vivas, seja a sua vida curta ou longa, isso muda o modo como sofremos e – o mais importante – o modo como vivemos. Se queremos abraçar a vida, também precisamos de aceitar a morte; as duas caminham de mãos dadas, e se pudermos perder o medo que existe à volta deste assunto muitas vezes considerado tabu, tornamo-nos mais capazes de lidar com as emoções que a dor e a perda trazem.
A dor de perder um animal não é um tipo diferente ou outra forma de dor – a dor é dor! Por isso, quer perca uma pessoa, uma casa, segurança financeira, um emprego, uma relação ou o seu querido animal de estimação, está a lidar com as mesmas emoções e tem de processar a perda para poder seguir em frente de forma saudável.
Quando é que a dor e os sentimentos de saudade irão passar?
Sei muito bem porque é que as pessoas querem saber isto. Pagaria muito dinheiro para descobrir a resposta, mas como o luto é um processo único para cada pessoa, não há uma resposta definida. Embora possa ser incrivelmente frustrante e também assustador (pois queremos todos saber que a montanha-russa terminará em breve), também pode ser encorajador.
Isto pode parecer contraintuitivo, mas todos nós conhecemos pessoas que estão bloqueadas na dor e nunca seguiram em frente. Quando estamos a passar por um processo de luto, olhamos para essas pessoas com terror, pensando que é assim que também iremos ficar para sempre. Mas hoje posso dizer-lhe com segurança que não é assim que vai ser, se o leitor não quiser que seja – essa é a caminhada deles pela dor, não a sua. O leitor controla a sua caminhada e pode curar-se; pode sair da parte sombria do luto, e espero que este livro lhe mostre isso.
O que talvez ajude é esquecer muitos dos mitos que lhe podem ter ensinado ou do qual lhe falaram a propósito do luto – por exemplo, que a pior parte do luto é a primeira semana – porque muitos dos estereótipos que as pessoas repetem sobre o luto são apenas isso. A falsa expectativa que colocamos em nós mesmos, ou que os outros colocam em nós, torna-se o obstáculo no qual tropeçamos, por isso afaste-o – deite-o fora. O leitor vai sofrer durante o tempo que precisar e nem um dia a menos!
Em relação à saudade que sente do seu animal de estimação, para ser honesta, acho que nunca desaparece, mas na minha própria experiência, tornou-se mais fácil de viver com ela. Quando o choque passou e a vida voltou outra vez ao «normal», estes sentimentos acomodaram-se confortavelmente a par da vida do dia a dia, e eu construí a minha vida à volta desse vazio, um vazio que nunca poderá ser preenchido. Acho que nos adaptamos a ele, porque não queremos que desapareça. A morte fez surgir aquele vazio, mas foi o amor que o originou. Foi só porque amou o seu animal de estimação que o vazio causado pela sua perda é tão grande, tão profundo e tão significativo.
O luto é um trabalho árduo, mas se o leitor conseguir compreender o processo, será menos avassalador. Ao aprender quais os padrões e sintomas associados, pode chegar a um ponto em que sente como se estivesse a controlá-lo, e não a ser controlado. É capaz de antecipar potenciais ondas e, quando elas o atingem, pode estar de alguma forma preparado. Por exemplo, se sabe que todas as manhãs, no horário em que normalmente levaria o seu animal de estimação a passear, a dor o consome, reserve esse tempo todos os dias para um novo ritual diário. Talvez este seja o momento em que pega num diário e escreve como se sente?
Gostaria de encorajá-lo a ser um participante ativo no processamento da sua dor, e a não se tornar apenas um alvo fácil. Quanto mais enfrentar de forma consciente a dor e o trauma da perda e do luto, mais rapidamente emergirá da parte sombria do processo de luto. Não vai ser fácil ou bonito – na verdade, pode ser a batalha mais difícil da sua vida, e pode precisar de derramar um milhão de lágrimas –, mas irá sobreviver.
«Há uma santidade nas lágrimas. Não são marca de fraqueza, mas de força. Falam mais eloquentemente do que dez mil línguas. São mensageiras da dor incontrolável, da profunda contrição e do amor indescritível.»
Washington Irving
Ter um novo animal de estimação depois de uma perda
É sempre difícil considerar ter outro animal de estimação quando um morre. As pessoas, muitas vezes, temem que os outros pensem que elas estão a substituir o seu animal de estimação e que, no momento em que um novo animal estiver presente, a dor de alguma forma milagrosa desaparece.
Vamos começar por dizer que nenhum animal de estimação pode ser substituído, assim como nenhuma pessoa pode ser substituída. Cada animal e cada pessoa têm o seu próprio espaço neste mundo e são insubstituíveis. Podemos, no entanto, necessitar de ter a companhia de um animal; e, quando um morre, esse vazio precisa de ser preenchido. Um novo animal de estimação não preencherá o espaço anterior, apenas criará um novo espaço exclusivo para ele.
Os animais de estimação podem transformar uma casa num lar. Podem trazer significado e propósito a uma vida. E talvez o mais importante: podem ser companheiros confiáveis e confidentes e fazer uma pessoa sentir-se necessária.
Após a morte do nosso cão, a casa parecia muito vazia. O Jake era uma presença que enchia todas as divisões com energia e vida. Ele tinha camas por toda a parte, brinquedos espalhados pelo chão e era extremamente exigente com o nosso tempo. Quando regressámos a casa após a sua morte, a nossa casa já não parecia um lar. Para ser honesta, era agonizante estar naquele espaço sem ele. Provavelmente foi por isso que entrámos no carro e conduzimos até ao topo da Escócia. Não sabíamos para onde ir, mas queríamos fugir. Esperávamos poder fugir da dor, esperávamos que quanto mais avançássemos, mais longe ficaríamos da agonia. Funcionou? Não, claro que não – a dor, a perda, a agonia crua foram connosco. Cada quilómetro que percorríamos mostrava-nos que éramos incapazes de correr, de nos esconder, de fugir. O que essa jornada nos ensinou foi o poder do choro. Nenhum de nós se conteve; o tsunami de lágrimas parecia interminável. Em alguns momentos, gemíamos e berrávamos; noutros, soluçávamos baixinho, mas sem termos olhos a julgar-nos, sentimo-nos livres para expressar a nossa dor crua. Pode parecer demasiado dramático a algumas pessoas, mas aqueles dias de viagem e as semanas seguintes foram realmente a noite escura da minha alma.
Ao chegarmos ao topo da Escócia, decidimos dar meia-volta e voltar para casa. Eu não queria que o veterinário nos ligasse a dizer que as cinzas do Jake estavam prontas e nós não estivéssemos lá para as recolher. Quando chegámos a casa, lembro-me de entrar pela porta e chorar no chão. Deitei-me na cama dele e senti o seu cheiro. Aquele cheiro de cão que antes da sua morte passava a vida a tentar erradicar da nossa casa com velas perfumadas e fragrâncias, queria agora retê-lo para sempre. Senti que era tudo o que me restava dele; a sua cama e os seus pertences, o pelo de cão que ele perdera pouco antes de adoecer de repente e morrer em duas horas... era tudo o que me restava, e agarrei-me a isso.
Os dias seguintes foram repletos de desespero e as minhas memórias deles são bastante nebulosas. O que me lembro bem é de rezar para morrer todas as noites, porque o pensamento de acordar e ter de suportar mais vinte e quatro horas era deveras inconcebível. Eu também não conseguia dormir no nosso quarto, onde o Jake costumava dormir na beira da cama, então dormimos no quarto de hóspedes. Depois, num dia sombrio de primavera, disse ao meu marido: «Acho que precisamos de outro cão.»
Eu sabia que precisava da presença de um animal na nossa casa para que ela me parecesse um lar novamente, e sabia que podíamos oferecer a outro cão um porto seguro, assim como oferecemos ao Jake. Então, vestimo-nos e fomos ao canil. Andámos para cima e para baixo a ver aquelas boxes, a chorar e a lamentar-nos baixinho que só queríamos o Jake de volta. Nenhum dos cães era o certo para nós. Entrámos em contacto com outro canil e algumas instituições de caridade para cães e, numa semana, ouvimos falar de uma spaniel que tinha sido abandonada numa quinta de criação. Uma instituição de caridade resgatou-a e colocou-a num lar de acolhimento, enquanto procuravam um novo lar para esta cadela com imensa energia, mas muito assustada. Assim que a conhecemos, sabíamos que precisávamos tanto dela quanto ela de nós, e trouxemo-la para casa. Levámos algumas semanas a criar laços com ela, mas eu sabia que o Jake iria gostar que fizéssemos isso. Tínhamo-lo resgatado de uma vida nas ruas, e parecia que ao adotar esta cadela negligenciada estávamos a fazer algo em sua homenagem.
Costumava dizer a mim mesma que o Jake iria gostar que a amássemos tanto como o amávamos a ele, e isso ajudou-me a ajustar-me à nova realidade da nossa situação. A nossa linda springer spaniel nunca substituiu o Jake; era apenas a irmã que adoraríamos ter tido ao lado dele. Alguns anos depois, os nossos corações ainda sofrem pelo nosso menino, mas a nossa casa é outra vez um lar, e estamos profundamente gratos por termos passado aquele tempo na terra com o nosso presente de quatro patas.
«Uma casa sem um gato – e um gato bem alimentado, acarinhado e devidamente venerado – pode ser um lar perfeito, talvez, mas como pode tornar evidente o seu prestígio?»
Mark Twain
Comentários