“Infelizmente é um sinal péssimo do sistema de educação norte-americano”, respondeu à Lusa o também jornalista e professor norte-americano naturalizado português quando questionado sobre o desenrolar das eleições presidências nos Estados Unidos e o surgimento de um candidato com o perfil como o do empresário Donald Trump.

Os Estados Unidos elegem a 8 de novembro o 45.º Presidente da história norte-americana, num ato eleitoral disputado pela primeira mulher candidata de um grande partido, Hillary Clinton (democrata), e pelo controverso multimilionário Donald Trump (republicano). Nesse mesmo dia, também vão a votos mais de 450 cargos legislativos do Congresso norte-americano.

“Existe um fenómeno estranho nos Estados Unidos que quase não existe na Europa: a palavra intelectual tem uma conotação negativa. Quem tem mais conhecimento é uma pessoa suspeita, duvidosa. Temos [nos Estados Unidos] muitos milhões de pessoas - e isto vai parecer muito estranho - que valorizam a sua própria ignorância. Que orgulham-se de ser ignorantes, de não conhecer o resto do mundo, de não conhecer bem os temas mais importantes e que realmente só valorizam os Estados Unidos como o país mais poderoso, mais interessante, com gente mais rica”, realçou.

Tais pessoas, segundo Richard Zimler, representam a ideia de "uma América muito isolada" que “mete medo”, porque é “menos tolerante, mais racista, mais homofóbica, mais misógina”.

Para o escritor, não é preciso uma pessoa ser doutorada em estatística para compreender a ligação direta entre escolaridade e a votação do próximo dia 8 de novembro.

“Um mapa muito interessante dos Estados Unidos que se pode fazer é o mapa de votação segundo os níveis de educação. Nos estados em que o nível de educação é mais alto, como Nova Iorque, Massachusetts, Connecticut, Vermont, Califórnia, eles são claramente a favor de Hillary Clinton com uma vantagem grande, e os estados em que os níveis de educação são mais baixos, como Mississippi, Alabama, Arkansas, está a ganhar Trump”, exemplificou.

E reforçou: “Uma pessoa formada, instruída, que tem conhecimento do mundo e dos Estados Unidos, que valoriza a ciência, a língua, a multiplicidade de etnias, que valoriza tudo isto não vai votar em Trump”.

Richard Zimler tem acompanhado com interesse o atual processo eleitoral, mas admitiu que necessita de manter “uma certa distância”, porque a troca de contestações e de argumentos atingiu um nível de tal maneira sujo que o deixa incomodado.

Também deu um conselho útil para os interessados nesta matéria. “O que é importante é seguir as sondagens nos estados-chave, porque o equilíbrio entre os dois candidatos é tal que quem ganhar estes estados-chave [também conhecidos como “swing states”] vai ganhar a eleição. Ou seja, se Hillary Clinton ganhar Virgínia, Carolina do Norte, Michigan, Wisconsin, Pensilvânia ou Ohio ela ganha, se Trump ganhar estes estados ele ganha”, apontou.

E a partir do dia 9 de novembro? “Estas eleições têm duas consequências muito importantes. Uma das consequências é para o resto do mundo. Se o Trump ganhar, ele não tem qualquer experiência diplomática (…), não sabe lidar com líderes estrangeiros, não domina bem a linguagem de economia ou de política (…) não acredita nas mudanças climáticas”, disse Richard Zimler, salientando que tal ausência de qualidades governativas poderá originar um mapa-mundo ainda mais dilacerado por conflitos.

A outra consequência identificada pelo jornalista americano é interna e está relacionada com o Supremo Tribunal, a mais alta instância judicial nos Estados Unidos.

“O Supremo Tribunal interpreta as leis de todos os estados, dos 50 estados, e pode determinar assuntos tão importantes como a discriminização do aborto ou o casamento dos homossexuais. Os juízes têm uma importância gigantesca e o próximo Presidente provavelmente vai ter a oportunidade de nomear quatro juízes [a instância é composta por um total de nove juízes]”, destacou.

“O novo Presidente vai determinar a orientação legislativa e política dos próximos 20 anos. Tem uma importância gigantesca”, frisou o escritor.

Já Hillary Clinton – o nome que Richard Zimler admitiu ter assinalado no seu boletim de voto entretanto enviado para o estado de Nova Iorque – tem dois grandes problemas para enfrentar.

“Há uma minoria de americanos, e ninguém fala disso, que não gostam de ver uma mulher com poder, uma mulher que vai ser Presidente, uma mulher inteligente, capaz e que fala abertamente sobre as suas opiniões. Ninguém vai dizer isso, mas é um facto”, lamentou.

O outro obstáculo são as ligações fortes que a candidata democrata sempre teve ao “sistema”, nomeadamente aos grandes bancos ou ao aparelho político.

“Ela não é uma ‘outsider’”, afirmou o escritor, mencionando que um dos desafios impostos à candidatura de Clinton é a conquista dos votos das pessoas que estavam a favor de Bernie Sanders, o seu adversário nas primárias democratas.

“Uma camada de leitores mais jovem, mais progressista, mais instruída, mais formada, com mais escolaridade, mais internacional”, finalizou.