A nova minissérie da FX é uma adaptação direta do bestseller de James Clavell, de 1975, que em mais de 1100 páginas (!) e numa história baseada ao de leve em acontecimentos e personagens reais, nos leva até ao Japão Feudal. E, tal como em "Silêncio", o romance de 1966 em que Martin Scorsese pegou em 2016 e onde nos mostrou a jornada de dois padres jesuítas portugueses, uma grande parte do que vemos em "Shōgun" gira em torno da introdução do cristianismo no país do Sol Nascente.
A história passa-se no ano de 1600 e começa quando um navio mercante holandês, em muito mau estado depois de ter atravessado com dificuldade o Estreito de Magalhães, emerge no meio do nevoeiro da madrugada ao largo de uma aldeia piscatória japonesa. A liderar a sua tripulação mal nutrida e desgrenhada está John Blackthorne (Cosmo Jarvis), um navegador inglês cujo espírito de sobrevivência indomável é igual ao engenho com que se esgueira aos monstros dos mares.
Porém, os locais não estão propriamente dispostos a estender a passadeira vermelha aos estranhos forasteiros. Na verdade, demonstram-se mesmo hostis — e o facto de os únicos que percebem Blackthorne serem católicos portugueses (no "papel" falam o nosso português, mas na verdade as personagens falam inglês como se estivessem a falar a língua de Camões) não ajuda em nada a sua causa (visto que é protestante e os portugueses controlam todo o comércio internacional do Japão).
Só que tudo isto acontece numa época de convulsão política em que o poderoso líder japonês morreu e os destinos da nação ficam a cargo de uma criança que ainda não tem idade para governar. E embora tenha sido criado um Conselho de Regentes de cinco Senhores para manter a ordem até que o herdeiro atinja a maioridade, existem conflitos internos. Isto deve-se ao facto deste conselho ser liderado por Yoshii Toranaga (o grande Hiroyuki Sanada, super estrela ligada às artes marciais e o rosto de Hollywood quando se precisa de um ator japonês), antigo braço direito do falecido líder, estar a deixar os outros regentes intimidados pelo seu crescente poder e independência.
Todavia, não se chega ao estatuto de Toranaga sem uma mente afinada. Estratega brilhante, este Senhor com muitas terras sabe perfeitamente que um navio forasteiro com 20 canhões, que por acaso até desembarcou nas suas terras, pode ser muito útil num território onde as guerras são geralmente travadas por samurais de espada em punho. Especialmente se o seu navegador partilhar as verdadeiras intenções dos portugueses e espanhóis e tiver conhecimento do que se passa do outro lado do mundo.
Ora, é neste ambiente tumultuoso que o destino de Senhor e navegador se cruzam — e o inglês é rebaptizado Anjin (a palavra japonesa para "piloto"). Para se entenderem, Toranaga recruta Toda Mariko (Anna Sawai, que vimos em "Pachinko" e "Monarch: Legado de Monstros"), uma jovem nobre que se converteu ao cristianismo com a chegada dos portugueses, como tradutora de Anjin. E, juntos, estes improváveis aliados vão unir forças e fazer frente aos inimigos em comum naquela que é a ascensão do novo Shōgun (embora o Japão fosse ostensivamente uma monarquia nessa altura, o verdadeiro poder estava nas mãos de líderes militares conhecidos como "Shōgun").
Não é a primeira vez que "Shōgun" chega à televisão
Esta é a segunda vez que o livro de Clavell é adaptado para televisão. Em 1980, durante cinco noites seguidas, a estação NBC prendeu as famílias americanas à frente da TV, tendo sido um grande sucesso. Lembra a revista Time que na altura quebrou tabus ao mostrar de forma franca e crua cenas de sexo e violência. No processo, ganhou e acumulou vários prémios.
Quase 50 anos depois de ter sido exibida, a trama de "Shōgun" é novamente revisitada, mas a versão que agora nos chega é bem diferente da primeira. Na versão dos anos 80, com um elenco liderado por Richard Chamberlain e por Toshiro Mifun, o Japão, a sua cultura e o seu povo foram retratados com a lente ocidental da época. Em 2024, os criadores Justin Marks (argumentista de "Top Gun: Maverick") e Rachel Kondo (a sua mulher e escritora) quiseram nivelar a narrativa.
Nota-se que tudo no mundo desta minissérie da FX, rodada por inteiro no Canadá, desde o guarda-roupa até aos rituais representados, é retratado com um cuidado meticuloso e com um enorme respeito pela cultura japonesa. Algo que não acontece por acaso: Hiroyuki Sanada, o ator principal, é também produtor-executivo, e fez questão que fossem atores japoneses a desempenhar os papéis japoneses e que a minissérie fosse um retrato fiel à realidade do século XVII.
E visto os primeiros episódios e a julgar pela crítica especializada, não só o conseguiu, como criou uma jornada grandiosa. As paisagens são um regalo, os cenários gigantescos acrescentam uma dimensão narrativa muito proeminente e as sangrentas sequências de batalhas são do que melhor se pode ver na televisão. Há ainda todo o jogo político dos Senhores, intrigas, traição, amor, respeito. É um épico em toda a linha, de grande escala, que às vezes parece "A Guerra dos Tronos", outras "Succession", e que definitivamente nos transporta para esta época da história.
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