Começou a escrever, em meados da década de 90, para a Melody Maker — revista musical britânica fundada em 1926 e que foi até 2000, ano em que deixou de ser editada, a mais antiga publicação da área no ativo. De Londres, mas agora a residir em Los Angeles, nos EUA, tem no seu portfólio colaborações com alguns dos títulos mais importantes da área musical e da imprensa generalista: do New York Times ao The Guardian, passando pela Rolling Stone, Spin, The Wire e Pitchfork (onde incluiu na lista dos melhores álbuns de 2018 desta publicação "T69 Collapse", de Aphex Twin", e "Stir Fry", dos Migos).
Simon Reynolds é autor de alguns livros de referência, para melómanos e não só, como: "Energy Flash: A Journey Through Rave Music And Dance Culture" (1998), "Rip It Up And Start Again: Post-Punk 1978-1984" (2005), "Bring The Noise: 20 Years of Writing about Hip Rock and Hip-Hop" (2007) e "Retromania: Pop Culture’s Addiction to its Own Past" (2011). Nessas obras, o jornalista e crítico de música faz um mapeamento sólido da cultura, das tendências, dos géneros musicais e dos seus precursores.
Reynolds mantém, também, ativos desde 2002, vários blogs — sendo o principal o 'blissblog' — onde com alguma regularidade partilha apontamentos sobre o que se ouviu, o que se ouve e o que se vai ouvir.
Em Lisboa para o MIL - Lisbon International Music Network, foi o orador, esta sexta-feira, de uma das masterclasses do último dia da programação. Para um conjunto de profissionais da área, entre os quais programadores de salas nacionais, agentes, estudantes ou jornalistas — não podiam faltar, claro —, partilhou os seus mais de trinta anos de experiência numa hora e meia de exposição que resumimos abaixo.
As reflexões: o jornalismo e a crítica musical, e o que os separa; um bom jornalista pode (e nem sempre é) um bom crítico, e o contrário; um jornalista ou um crítico não é um músico falhado, é um escritor frustrado. Os conselhos: se pensam enriquecer nesta área, procurem outras; se querem ser consensuais e agradar a todos, também. As dicas: não é preciso ler todos os livros e saber todas as referências para escrever e a simplicidade ganha à complexidade (e ao abuso da adjetivação); numa entrevista demorem-se a ouvir e menos a intervir. Os enganos: já lá vão os tempos dos copos à pala, de conhecer 'as grandes estrelas' e dos discos à borla; com sorte recebem um ficheiro zip ou um link para ouvir um álbum em streaming. A crítica: o jornalismo musical na sua essência perdeu-se em conceitos e deixou de ter o foco nas histórias e de quem as vive.
À margem da conferência, ao SAPO24 explicou, também, que não é necessário - apesar de tudo - fazer do jornalismo musical "grande outra vez". "Há muito boa escrita, a questão não é essa", contou. O problema está na sobrecarga de informação, "no sentido em que há muita gente a escrever sozinha em casa, ao computador, a analisar coisas que viram no YouTube ou que descarregaram". Para Reynolds, "falta algo mais ligado ao mundo real, reportar as 'cenas', as 'tribos'".
Poderá ser difícil, à partida, traçar uma linha entre o jornalismo e a crítica musical. O primeiro, na sua forma mais "pura", é muito objetivo e impessoal; o segundo não pode ser senão subjetivo, "mesmo que nunca utilize a palavra 'eu'", conforme explicou. A crítica consiste "nas visões e reações de uma pessoa à música. Um artigo pode ter elementos de crítica, opinião, confissão, biográficos... Tudo isso misturado. E isso é, de certa forma, saudável".
Nada saudáveis são as ligações que tendem a existir entre as marcas e o jornalismo musical. "É uma ideia terrível", contou, "mas a verdade é que todas as publicações recebem fundos da publicidade ou de outros lados". Pensamos em artistas que deixaram de conceder entrevistas a certas publicações, após terem tido más críticas, e interrogamos: poderá o jornalismo musical sobreviver num meio assim? "Isso aconteceu com a Alison Moyet e a Melody Maker", revelou. Após uma má crítica à ex-Yazoo, a editora desta - uma major - retirou toda a publicidade que detinha na revista. "Foi algo que deixou marca, um pouco à semelhança daquilo que o Donald Trump faz com os media. Mas estavam apenas a defender a sua artista... Foi a resposta que deram a algo que consideravam injusto. No entanto, não sei o que pensar acerca disso; é meio pateta que os artistas reajam dessa forma".
E há cada vez mais artistas, e cada vez mais música. Por onde passa o futuro do jornalismo e da crítica musical, enquanto "curadores"? "Há tanta música, que é preciso um filtro", afirmou. "As pessoas precisam de um significado. Com tanta música disponível, esta pode começar a perder o sentido. Deixas de ter uma reação à música. E podes vir a ter esse significado se te entregares a fundo a uma canção ou a um artista, ou podes tentar encontrar um padrão naquilo que está a acontecer", que é o que Reynolds tentou fazer nos anos 90, quando cunhou o termo "pós-rock". Em última análise, diz, "as pessoas não deixaram de ler jornalismo musical; o problema é ganhar dinheiro com ele".
O dinheiro, por vezes, nem sequer importa muito. Para além dos profissionais, há os milhares de blogues e fanzines de melómanos dedicados que vão debitando as suas opiniões, por vezes idiossincráticas. "O que mais gosto nos blogues", contou, "é que pessoas que nunca quiseram ser jornalistas musicais tenham opiniões e conhecimentos estranhos, diferentes dos convencionais". Como Phil Knight, que era engenheiro de profissão e acabou a escrever um livro sobre os Stranglers. "Eu gosto da flexibilidade dos blogues, e dos pontos de vista inesperados". Até porque, convenhamos: o que seria do amarelo se todos gostassem do azul?
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