Intitulada precisamente “Suécia”, a peça de teatro surgiu por convite do presidente do conselho de administração do Teatro Nacional São João (TNSJ), Pedro Sobrado, e vai estrear-se na quinta-feira naquela sala, no Porto, com encenação do diretor artístico do teatro, Nuno Cardoso.
O convite surgiu há alguns anos, sem que o autor o consiga precisar, e veio na sequência de várias colaborações entre o TNSJ e Pedro Mexia, culminando com a proposta de escrita de um texto dramatúrgico.
“Eu tinha uma ideia antiga de escrever sobre a Suécia. E a certa altura convenci-me de que se algum dia eu escrevesse uma peça seria sobre a Suécia, porque achava que aquilo era concretizável, sobretudo em diálogos”, disse o escritor, numa entrevista à Lusa, dias antes da estreia.
O mito da Suécia
A ideia em si referia-se ao chamado “mito da Suécia, que era muito difundido na Europa”, em particular na Europa nos anos 1970, década de nascimento do autor: “Ainda apanhei essa ideia de que a Suécia era um país que contava, que aparecia nas conversas, ia desde o [Ingmar] Bergman, ao [primeiro-ministro, assinado em 1986] Olof Palme, ao [tenista] Bjorn Borg, etc.”.
Na peça, um antigo professor sexagenário, de nome Egerman, confronta-se com o casamento, por si indesejado, da filha Monika, com Bjorn, um indivíduo “que não é propriamente um génio” e que despreza de forma clara, apesar de ser alguém inócuo. Separado da mãe de Monika, Egerman refere-se à ex-mulher como “falecida”, embora esta esteja viva.
A dada altura no texto, durante uma discussão política, o noivo acusa o futuro sogro de ser “contra a igualdade, a educação, a alfabetização, o pleno emprego, a habitação, os impostos, a segurança social, o desarmamento, os direitos dos trabalhadores, a solidariedade”.
“Se nós somos essa maravilha, porque é que temos pessoas como o senhor? Veja bem, o senhor fala através de clichés, acha que vivemos no melhor dos mundos possíveis e que devemos aceitar a omnipotência benévola do Estado, porque é o preço a pagar para sermos felizes”, responde Egerman.
Questionado pela Lusa sobre a componente política da peça, Pedro Mexia salientou que o texto não é político no sentido de partilha do seu próprio pensamento (“Eu não sou nenhuma destas personagens, não as conheço, nem sequer gosto assim muito delas”, escreveu num dos textos de apoio sobre “Suécia”), mas frisou que “aquele tipo de social-democracia maximalista já não está em vigor hoje em dia praticamente em lado nenhum e, portanto, nesse sentido, é uma discussão histórica”.
“É uma discussão sobre a ideia de paraíso a que estava muito associada à ideia da Suécia. Ainda hoje se fala das sociedades políticas do norte da Europa como sendo um modelo, uma espécie de paraíso em democracia, por oposição aos paraísos que redundaram no contrário do paraíso”, disse o escritor, que se mostrou muito curioso para ver as reações do público à estreia.
A peça desenrola-se no caminho até ao casamento, através dos diálogos entre as sete personagens que compõem o elenco.
Mexia contou à Lusa que, cedo no processo, Nuno Cardoso “encaminhou a sua leitura do texto - e que é perfeitamente legítima - para o predomínio da questão familiar, que é um tema que lhe interessa muito, que já lhe interessava em encenações anteriores”.
“A certa altura, aquilo é uma discussão familiar, onde tipicamente se discute política e se discute muitas outras coisas, e, sobretudo em que entre a fronteira entre a discussão política e a discussão de outras coisas não é muito nítida, e isso interessava-me muito perceber que muitas vezes as discussões políticas tinham uma dimensão pessoal e vice-versa”, acrescentou o autor de “Suécia”.
“A ideia de que quando as pessoas estão a falar não está a acontecer nada, é bastante absurda"
O facto de a narrativa ser construída quase completamente pelos diálogos vai ao encontro de um estilo que, quer no teatro quer no cinema, agrada ao autor: “Filmes que são descritos como ‘são 90 minutos de pessoas a falar’ essa descrição afasta, imagino, boa parte das pessoas e eu acho ótimo”.
“A ideia de que quando as pessoas estão a falar não está a acontecer nada, é bastante absurda. […] Aquelas personagens todas tiveram uma educação literária, intelectual e, portanto, aquilo em que elas acreditam nasceu das palavras e dos conceitos e das ideias”, explicou Mexia.
Daí que, num dos textos do manual de leitura de “Suécia”, o escritor Jacinto Lucas Pires diga: “Isto já não se faz – uma peça de ideias”.
“Suécia” é interpretada por António Fonseca, Joana Carvalho, Jorge Mota, Lisa Reis, Patrícia Queirós, Paulo Freixinho e Pedro Frias, e estreia-se no TNSJ, na quinta-feira às 19:00, ficando em cena no Porto até ao dia 25 de junho.
Com cenografia de F. Ribeiro e música de Peixe, “Suécia” tem desenho de luz de Cárin Geada, figurinos de Nélson Vieira e movimento de Roldy Harris. O apoio à dramaturgia é de Madalena Alfaia e a assistência de encenação de Mafalda Lencastre.
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